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Telemedicina veterinaria

Matéria escrita por:

Marcelo Sader

3 de dez de 2020

Imagem retrata umas das possibilidades de aplicação da telemedicina, do tipo Business to Business (B2B), onde profissionais utilizam a tecnologia para trocar informações, analisar e dicutir um caso clínico. Créditos: DragonImages (Dinis Tolipov) Imagem retrata umas das possibilidades de aplicação da telemedicina, do tipo Business to Business (B2B), onde profissionais utilizam a tecnologia para trocar informações, analisar e dicutir um caso clínico. Créditos: DragonImages (Dinis Tolipov)

Enquanto alguns profissionais tecem duras críticas a essa ferramenta, o uso da telemedicina avança a passos largos, e muitos analistas consideram que a tecnologia veio para ficar. Além das dificuldades relacionadas ao uso de uma nova tecnologia, o tema é polêmico e tem gerado debates acalorados nas redes sociais. Os desafios são ainda mais evidentes para médicos-veterinários já estabelecidos no mercado de trabalho, que se veem obrigados a sair da zona de conforto e quebrar paradigmas consolidados. 

Em primeiro lugar, é importante entender que o conceito de telemedicina é muito mais amplo do que uma simples conversa entre veterinário e tutor via Whatsapp ou Skype. Segundo a Americam Veterinary Medical Association (AVMA): “Telemedicina é o termo amplo que abrange todos os usos de tecnologia voltados para fornecer remotamente informações ou educação sobre saúde. É o uso de informações médicas trocadas de um local para outro, por meio de comunicações eletrônicas, sobre o estado de saúde clínico de um paciente”.

As aplicações modernas da telemedicina se originaram na década de 1950, com a transferência de eletrocardiogramas, consultas por rádio usadas para auxiliar pacientes em navios e em lugares remotos, e a transmissão de imagens radiográficas. Nos últimos anos, a rápida evolução da infraestrutura favoreceu o surgimento de uma complexa gama de tecnologias que formam redes médicas eletrônicas capazes de realizar cirurgias assistidas à distância, diagnósticos, definir terapêuticas, gerenciar casos clínicos e promover educação.

Em países como o Brasil, de dimensões continentais, a importância da telemedicina é ainda maior. Enquanto os grandes centros contam com profissionais em maior número, tutores exigentes e um ambiente extremamente competitivo, as regiões distantes permanecem sem acesso a serviços básicos. Entretanto, muitas dessas regiões mais remotas já contam com acesso a internet de qualidade, abrindo uma janela de oportunidades para profissionais e empresas dispostas a ampliar seus horizontes.

 

A falta de regulamentação dificulta a expansão da telemedicina

A velocidade com que as tecnologias que dão suporte à telemedicina evoluem representa um desafio extra. Curiosamente, os agentes expostos a esses desafios são, em geral, profissionais já estabelecidos no mercado de trabalho, formados em uma época em que não havia internet, celular ou computadores conectados. A resistência por parte dos profissionais que estão há mais tempo no mercado e a falta de regulamentação para o setor são os principais motivos da demora na adoção da telemedicina de maneira mais abrangente. Em geral, os médicos-veterinários da geração Y (millennials) tendem a ver na telemedicina uma oportunidade de crescimento e não um risco de perderem seus empregos. 

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 13/12/2018 a resolução nº 2.227 1, que estabelece regras para a prática de teleconsulta, telediagnóstico, telecirurgia, teleconferência, teletriagem médica, telemonitoramenteo, teleorientação e teleconsultoria.  A resolução foi revogada em fevereiro de 2019, sob a justificativa de ser necessário mais tempo para analisar as mais de 1.400 contribuições enviadas. As entidades de classe também pressionaram pela revogação. 

A falta de regulamentação por parte do CFMV dificulta a vida dos empreendedores interessados em investir nesse setor. Em 2017, a Brasil Telemedicina (brasiltelemedicina.com.br), empresa pioneira nesse segmento e que já operava vários aplicativos para médicos em diversas especialidades, lançou seu primeiro produto para médicos-veterinários, batizado de MedicoVet. Menos de 30 dias depois do lançamento, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) 2 lançou uma nota esclarecendo que “… o aplicativo não tem o respaldo ou qualquer tipo de validação do Conselho Federal de Medicina Veterinária”. O Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP) seguiu na mesma linha e emitiu nota oficial 3 afirmando que “os serviços oferecidos pelo aplicativo ferem a legislação vigente relacionada ao exercício da medicina veterinária no país”. Em resposta, a empresa retirou o MedicoVet do mercado e aguarda posicionamento dos órgãos reguladores para redefinir a estratégia para o produto. 

 

A situação em outros países

Os Estados Unidos estão um passo à frente. Em 21 de julho de 2017 a AVMA 4 aprovou uma política sobre telemedicina cujo texto evidencia uma forte preocupação com o que os norte-americanos chamam de Veterinarian-Client-Patient Relationship (VCPR). A agência reguladora ligada ao departamento de saúde do governo norte-americano, U.S. Food and Drug Administration (FDA), também se manifestou nesse sentido: “Uma VCPR não pode ser estabelecida somente através da telemedicina”. Com o objetivo de nortear os profissionais interessados em aplicar a telemedicina, a AVMA disponibilizou um texto em que, além de listar diretrizes, incentiva o desenvolvimento de aplicações de dispositivos e tecnologias que ajudam a conectar clientes e pacientes com veterinários.

Na Inglaterra, a British Veterinary Association (BVA) 5 mantém um grupo de trabalho denominado Under Care, com o objetivo de desenvolver as diretrizes da BVA sobre telemedicina veterinária. Em agosto de 2019, o dr. Ray Girotti, diretor hospitalar da Lumbry Park Veterinary Specialists (lumbrypark.co.uk) e professor de estudos veterinários empresariais na Universidade de Glasgow, publicou um artigo intitulado “Telemedicine: the genie is out of its bottle” (“Telemedicina: o gênio está fora da lâmpada”, em tradução livre). Girotti considera que a telemedicina pode ser encarada como uma atividade do tipo business to business (B2B), em que o veterinário interage com outro veterinário, ou business to consumer (B2C), em que o veterinário interage com o tutor. E complementa: “O advento da inteligência artificial no cuidado com a saúde representa a verdadeira mudança do jogo”. 

 

A AVMA destaca a importância da relação entre veterinários e tutores de animais (Veterinarian-Client-Patient Relationship – VCPR) para o entendimento e aplicação da telemedicina. Créditos: American Veterinary Medical Association – Veterinary telehealth: The basics

 

Iniciativa privada mostra disposição em investir na telemedicina

A medicina humana saiu na frente. Várias iniciativas estão em estágio avançado, sendo conduzidas pelo estado, interessado em levar atendimento de qualidade a regiões distantes dos grandes centros, e pela iniciativa privada, que já movimenta investimentos consideráveis nessa área. Um caso de sucesso que impressiona é o projeto de telemedicina do Hospital Albert Einstein (https://www.youtube.com/watch?v=kFDLCn4mHHM). Segundo Eduardo Cordioli, gerente médico do Departamento de Telemedicina Einstein: “Com a adoção de protocolos internacionais de telepropedêutica e teleanamnese, aliados a investimentos em tecnologia de ponta, o hospital está conseguindo quebrar barreiras geográficas e oferecer excelência no atendimento ao paciente onde quer que ele esteja”. 

Tudo indica que a telemedicina veterinária seguirá na mesma direção. Iniciativas que conectam médicos-veterinários a tutores recebem uma resistência maior de colegas e ainda não têm respaldo no CFMV. Entretanto, outras soluções que propõem conectar médicos-veterinários de diferentes especialidades ganham espaço. Em Florianópolis, a InPulse Animal Health (https://www.inpulse.vet.br/) desenvolveu um eletrocardiógrafo integrado com sistema de telemedicina. Através dele o cardiologista consegue emitir o laudo de um exame de forma rápida e remota. A solução foi colocada no mercado em 2015, e hoje mais de mil clínicas usam o sistema. No total, até agora já foram criados mais de 350 mil laudos na plataforma da InPulse.

 

A tecnologia da informação é o motor da transformação

Empresas de tecnologia da informação (TI) assumem um papel decisivo nesse processo e representam o motor dessa transformação, oferecendo soluções específicas para a adoção da telemedicina. O VetGo, sistema de gestão de clínicas veterinárias desenvolvido pela NetVet (https://netvet.com.br/vetgo), conta com recursos que permitem a troca de informações entre veterinários, facilitando a elaboração de laudos à distância e o acesso a prontuários de casos clínicos. Segundo Henrique Assreuy, diretor técnico da NetVet, houve uma especial preocupação com os aspectos de segurança, integridade e privacidade dos dados: “Contamos com o suporte de advogados que nos orientaram no sentido de adequar o projeto à nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”. 

A NetVet tem se esforçado para atender a uma demanda pela plataforma B2B, em que os veterinários prestam serviços e trocam dados com colegas de profissão. Nesse contexto, um dos pontos mais sensíveis é a gestão de documentos. A NetVet planeja disponibilizar nos próximos meses recursos que permitirão que o veterinário assine digitalmente os documentos diretamente no VetGo. Para Assreuy, em poucos anos a impressora será um periférico em extinção: “O VetGo hoje já emite notas fiscais de serviços e as envia diretamente ao cliente via e-mail ou Whatsapp. Não há motivos para imprimir prescrições, atestados e termos de autorização de procedimentos se estes estiverem assinados digitalmente. A impressão e a assinatura física serão totalmente dispensáveis no futuro próximo”. 

Gigantes da área de tecnologia prometem revolucionar a telemedicina nos próximos anos. A Microsoft desenvolve soluções para a área médica baseadas no Hololens (https://www.microsoft.com/en-us/hololens/industry-healthcare), um tipo especial de óculos que permitem visualizar imagens holográficas em tempo real. A IBM segue investindo pesado no Watson Health (https://www.ibm.com/br-pt), uma plataforma que utiliza inteligência artificial e ajuda médicos pelo mundo a tomar decisões e definir planos de ação. Esses são apenas alguns dos exemplos que nos dão uma ideia do que vem pela frente. Aqueles que ainda resistem a registrar seus atendimentos em um sistema digital devem reformular seus conceitos. E rápido!

 

Referências

1- Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.227/18

https://portal.cfm.org.br/images/PDF/resolucao222718.pdf

2- Aplicativo de consultas online não tem o respaldo do CFMV e fere o Código de Ética do Médico Veterinário

https://www.cfmv.gov.br/aplicativo-de-consultas-online-nao-tem-o-respaldo-do-cfmv-e-fere-o-codigo-de-etica-do-medico-veterinario/comunicacao/noticias/2017/07/13/

3- CRMV-SP se posiciona no caso do aplicativo MedicoVet

https://crmvsp.gov.br/crmv-sp-informa/

4- AVMA helping veterinarians take on telemedicine. JAVMA News, 15/09/2017

https://www.avma.org/javma-news/2017-09-15/avma-helping-veterinarians-take-telemedicine

5- Under Our Care Working Group, BVA

https://www.bva.co.uk/about-us/our-structure/working-groups/