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Suicídio, vamos falar sobre isso, doutor?

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

6 de nov de 2017


Solicitação de realização de eutanásia pelo proprietário do animal embora ainda haja possibilidade de tratamento e mais algum tempo de vida; reconhecimento de lesões não-acidentais, que sugerem que o animal está sendo abusado ou que sofre agressões; e a probabilidade, cada vez mais estudada, de correlação entre a violência doméstica e os maus-tratos a animais, são exemplos de relatos que vem se tornando cada vez mais frequentes na prática clínica de médicos veterinários que atuam na área de pequenos animais. A mudança na mentalidade brasileira a partir do Código de Defesa do Consumidor tem levado os médicos veterinários a um cuidado cada vez maior na guarda documental de todos os procedimentos que são realizados na sua rotina de atendimento clínico e cirúrgico. Não raro apresentam-se relatos nas redes sociais que envolvem a judicialização de casos entre profissionais e proprietários de animais. Nesse cenário, a medicina veterinária legal assume cada vez maior relevância. Podemos defini-la como a ciência onde os princípios, conhecimentos, tecnologia e métodos próprios da medicina veterinária, que somados aos de áreas afins, são aplicados ao esclarecimento de questões judiciais, à formulação de normas e em auxílio ao Direito e à Justiça 1.

Um problema já considerado de saúde pública, o suicídio vem sendo estudado em todo o mundo, e no Brasil estão sendo realizadas muitas ações junto à população em geral com o intuito de prevenir e chamar a atenção para essa questão.

Estudos elaborados em outros países apontam que os médicos-veterinários correm maior risco de suicídio em comparação com a população em geral.

No que se refere a grupos ocupacionais, já foram verificadas taxas de suicídio significativamente elevadas em veterinários do Reino Unido, Bélgica, Estados Unidos, Noruega e Austrália. Pesquisas nesses grupos apontam que o fácil acesso aos meios para o suicídio é um dos fatores contributivos mais comumente citados; em agricultores e médicos, verificou-se que os métodos mais utilizados estão relacionados ao próprio trabalho. No caso dos médicos-veterinários, alguns estudos sugerem que o auto envenenamento e as armas de fogo são os métodos mais comuns. Uma pesquisa computadorizada de literaturas publicadas, abordando o risco de suicídio e as influências sobre o suicídio entre os veterinários, e comparando o risco e as influências com os de outros grupos ocupacionais e com a população em geral, foi utilizada para desenvolver uma revisão estruturada 2. Nos resultados, observou- se que os cirurgiões veterinários têm uma taxa de mortalidade proporcional por suicídio aproximadamente quatro vezes superior à da população em geral e cerca do dobro em relação às outras profissões da área de saúde.

Segundo os autores dessa revisão, uma interação complexa de possíveis mecanismos pode ocorrer ao longo da carreira veterinária e aumentar o risco de suicídio, como: as características dos indivíduos que entram na profissão, os efeitos negativos durante o treinamento de graduação, estresse relacionado ao trabalho, acesso imediato e conhecimento de meios de promover a morte, estigma associado a doenças mentais, isolamento profissional e social e uso indevido de álcool ou drogas (principalmente medicamentos prescritos aos quais a profissão tem acesso). Os efeitos contextuais, como as atitudes contra a morte e a eutanásia, formados por meio do envolvimento rotineiro da carreira com a eutanásia de animais de companhia, o abate de animais de produção e a exposição direta ou indireta ao suicídio de colegas de profissão, podem ser fatores influenciadores.

As pesquisas têm como objetivo, além do mapeamento, desenvolver estratégias de prevenção do problema, que recentemente, através das redes sociais e de campanhas educativas, vem recebendo publicidade e sendo mais abertamente discutido.

Na Austrália, foram investigados casos de suicídio de veterinários entre os anos de 2001 a 2012. Nesse período, 18 veterinários cometeram suicídio, sendo que 80% deles foram provocados por drogas eutanasiantes 3. Diz o estudo que, de acordo com a teoria interpessoal de suicídio de Joiner, o risco de suicídio aumenta à medida que os indivíduos se tornam habituados à morte, pois isso reduz as inibições sobre o tema. Nos Estados Unidos, uma publicação mais recente apoiou a ligação entre a habituação e a diminuição da inibição sobre a morte entre os veterinários, mostrando associação positiva entre a exposição repetida à eutanásia e o destemor da morte entre estudantes de veterinária 4. Essa pesquisa, sobre a saúde mental dos veterinários americanos, indicou que eles são mais propensos a sofrer de transtornos psiquiátricos, depressão e ter pensamentos suicidas em comparação com a população adulta dos Estados Unidos, mostrando que cerca de um em cada 10 médicos veterinários dos EUA podem apresentar sofrimento psíquico grave, e mais de um em cada seis poderiam ter pensado em suicídio desde a graduação. No grupo dos médicos-veterinários, verificou-se que as mulheres são mais susceptíveis que os homens (Figura 1). De 1 de julho a 20 de outubro de 2014, foi disponibilizado um questionário na internet através de Redes de Informações Veterinárias, e enviadas mensagens de email aos veterinários de 49 Estados e de porto Rico. O questionário pedia que os entrevistados relatassem suas experiências com depressão e comportamento suicida, e incluiu questões padronizadas da escala de angústia psicológica Kessler-6, que avalia a presença de doença mental grave. o resultado foi baseado nas respostas de 10.254 veterinários atualmente empregados (10,3% de todos os veterinários dos EUA empregados). O dr. Randall Nett, responsável pelo grupo de pesquisa, destacou que ainda são necessários mais dados sobre o assunto para poder identificar causas e métodos de prevenção efetivos.

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  Distúrbio psicológico grave (%) Episódio depressivo (%) Ideia suicida (%) Tentou suicídio (%)
Médicos-veterinários Masc. 6,8 24,5 14,4 1,1
Fem. 10,9 36,7 19,1 1,4
População adulta americana Masc. 3,5 15,1 5,1 1,6
Fem. 4,4 22,9 7,1 3
Figura 1 – Experiências relatadas por profissionais médicos-veterinários americanos e pela população em geral, conforme o gênero masculino e feminino, no ano de 2014. Adaptado

 

Os estudos realizados em diferentes países ressaltam que o acesso e o conhecimento de meios letais não são os únicos fatores de risco para o suicídio no grupo em questão. Condições de trabalho psicossocial adversas têm sido associadas ao suicídio veterinário, tais como longas horas de trabalho, altas cargas de trabalho, baixo equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, a atitude dos clientes/proprietários de animais e o estresse relacionado à realização da eutanásia 5. Além disso, alguns riscos individuais para o suicídio entre os veterinários incluem altos níveis de ansiedade, depressão, estresse e burnout, padrões elevados de desempenho e cobranças pessoais, além do já citado abuso de álcool e consumo de drogas.

É necessário informar que os casos de suicídio na população em geral estão aumentando e que os fatores já nominados no caso em questão não aumentam o risco de suicídio para os profissionais que não são vulneráveis. Falar sobre o tema é importante em termos de conhecimento e prevenção. Alguns passos são listados na Campanha Setembro Amarelo, que é o Mês Internacional do Combate ao Suicídio e busca conscientizar a população para que discuta o tema. Entre eles: procurar ajuda profissional imediatamente, buscando o auxílio imediato de um profissional de saúde mental se estiver contemplando a ideia de suicídio; ligar ou ir ao hospital; conversar imediatamente com uma pessoa de confiança; esperar pela ajuda.

No Brasil pode-se ligar para o telefone de emergência ou para o CVV – Centro de Valorização da Vida, pelo número 144; pode-se também acessar o site do CVV para obter ajuda por meio das informações do próprio site ou por chat, Skype ou e-mail (Figura 2).

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Figura 2 – CVV – Centro de Valorização da Vida

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Referências

1-TOSTES, R. A. ; REIS, S. T. J. ; CASTILHO, V. V. Tratado de Medicina Veterinária Legal. Medvep: Curitiba. 2017.

2-BARTRAM, D. J. ; BALDWIN, D. S. Veterinary surgeons and suicide: a structured review of possible influences on increased risk. Veterinary Record, v. 166, n. 15, p. 451, 2010.

3-MILNER, A. J. Suicide in veterinarians and veterinary nurses in Australia: 2001–2012. Australian Veterinary Journal, v. 93, n. 9, p. 308-310, 2015.

4-NETT, R. J. ; WITTE, T. K. ; HOLZBAUER, S. M. ; ELCHOS, B. L. ; CAMPAGNOLO, E. R. ; MUSGRAVE, K. J. ; CARTER, K. K. ; KURKJIAN, K. M. ; VANICEK, C. ; O’LEARY, D. R. ; PRIDE, K. R. ; FUNK, R. H. Prevalence of risk factors for suicide among veterinarians — United States, 2014. Morbidity and Mortality Weekly Report, v. 64, n. 5, p. 131-132, 2015.

5-PLATT, B. ; HAWTON, K. ; SIMKIN, S. ; MELLANBY, R. J. Suicidal behaviour and psychosocial problems in veterinary surgeons: a systematic review. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, v. 47, n. 2, p. 223-240, 2012