I Encontro Nacional sobre Desastres em Massa Envolvendo Animais
- objetivos e desdobramentos
A Comissão Nacional de Desastres em Massa (CNDM) do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) realizou no dia 11 de maio de 2021 o I Encontro Nacional sobre Desastres em Massa Envolvendo Animais. O evento ocorreu por video-conferência e contou com a participação de 71 representantes de 24 Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs). O encontro teve como objetivos centrais a apresentação do Plano Nacional de Contingência, elaborado pelo Grupo de Trabalho de Medicina Veterinária de Desastres em Massa (GTDM/CFMV); a apresentação da CNDM; e a sensibilização dos CRMVs locais para a necessidade de se anteciparem nos cenários de desastres por meio da criação de comissões técnicas estaduais. O Plano Nacional de Contingência foi elaborado para orientar os profissionais médicos-veterinários, zootecnistas e demais atores envolvidos sobre a atuação em cenários de desastres que envolvam animais e/ou nos quais eles sejam vítimas. Publicado em outubro de 2020, é o primeiro documento a abordar o assunto de forma oficial no país. Após a publicação foi criada a CNDM, cujo principal objetivo é fornecer apoio à execução do documento e servir de consulta aos governos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em assuntos relativos a desastres em massa envolvendo animais.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), um desastre é um acontecimento que gera estragos, desestabilização econômica, perda de vidas humanas e deterioração de saúde em uma escala que justifique uma mobilização excepcional de auxílios vindos de fora da comunidade e da zona atingida, e enfatiza o elemento específico da medicina de desastres: a insuficiência temporária de recursos para responder às necessidades do cenário em questão. Pouco se fala dos impactos sofridos pelos animais e de suas consequências na vida e na saúde do ser humano, que atingem vários segmentos, seja no âmbito emocional, no econômico, no ambiental ou inclusive na saúde pública. Os desastres chegam a acometer ecossistemas completos, provocando distúrbios na fauna e na flora, e atingem populações que, pela própria definição de desastre, não são capazes de dar uma resposta adequada e imediata ao evento. O furacão Katrina, em Nova Orleans, EUA, trouxe à tona um novo paradigma no tocante ao apoio médico-veterinário que deve ser oferecido aos animais envolvidos em desastres. Esse evento deixou latente a necessidade de um plano que os englobasse, mais especificamente no tocante ao transporte, à assistência e ao alojamento temporário, devido à elevada quantidade de animais não retirados dos lares por seus tutores, que em grande número vieram a óbito por afogamento. Assim, faz-se necessário o envolvimento de médicos-veterinários e zootecnistas nesses cenários.
Durante o I Encontro, o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida, incentivou os participantes a estabelecer um diálogo e a efetuar contribuições efetivas: “A participação de vocês é muito importante. Questionem, dialoguem, participem efetivamente. Estamos presentes”.
Para falar sobre o histórico dos acidentes envolvendo resgate técnico de animais no país foi convidada a médica-veterinária e bióloga Paula Helena Santa Rita, integrante da CNDM e presidente das comissões estaduais de Animais Silvestres (CEAS) e de Resgate Técnico Animal e Medicina Veterinária de Desastres do CRMV-MS.
Paula destacou diferentes desastres ocorridos nas cinco regiões do país, de 2000 a 2021, como aqueles causados por chuvas intensas, queimadas, rompimento de barragens, vazamento de óleo, incêndios, inundação, enchente e seca, nos quais o resgate técnico animal ainda fica muito a desejar. “O objetivo da comissão é trabalhar em conjunto com os conselhos regionais a fim de padronizar protocolos em todo o território nacional para as diferentes situações. Além do atendimento imediato dos animais vítimas de desastres, já percebemos a necessidade de trabalhar também as medidas a tomar após os acidentes.”
Os animais não resgatados, deixados no local do desastre, ficam vulneráveis à reprodução descontrolada, a fome, ferimentos, doenças e morte. Estão sujeitos a doenças infecciosas causadas por vírus, bactérias e parasitas, que podem ser transmitidas para a população humana. Em cenários de desastres em massa, a dispersão de agentes zoonóticos se agrava. Os setores da saúde devem atuar nas fases de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação dos desastres, sendo o médico-veterinário o profissional indicado para as abordagens que envolvam tais agentes.
Plano Nacional e perspectivas
Laiza Bonela, médica-veterinária e presidente da CNDM, apresentou o Plano Nacional de Contingência aos conselhos regionais, narrando inclusive o contexto em que surgiu o documento, logo após o rompimento da barragem de rejeitos de minérios em Brumadinho, MG. Na época, ficou clara a necessidade de se estruturar um documento para orientar a atuação em campo de médicos-veterinários e zootecnistas dispostos a resgatar animais em cenários de desastres em massa. Laiza enfatizou que o plano é o início de um trabalho, uma base norteadora que requer constante atualização e aperfeiçoamento. Para isso, incentivou a criação de frentes de trabalho nos conselhos regionais, reunindo profissionais com perfis heterogêneos. “Deixo aqui o estímulo para que cada CRMV tenha sua comissão de desastres ou um grupo técnico, para que possamos formar uma rede de enfrentamento nos estados a fim de atender às emergências e, especialmente, prevenir e mitigar novas ocorrências”, reforçou.
Os profissionais passam a ter um norte, uma regra geral que pode ser aplicada em todos os estados: “Isso significa mais segurança para quem vai atuar em campo. A medicina veterinária é a primeira categoria profissional a ter um plano de contingência de condutas em desastres em massa”. Destaca ainda a legislação pertinente e a contribuição da medicina veterinária legal para esclarecer causas, a dinâmica e a autoria de crimes, haja vista que animais vivos e mortos em desastres podem representar informações importantes para a investigação policial e pericial. A construção do plano foi possível observando e documentando as dificuldades enfrentadas em desastres nacionais ocorridos desde 2011, com as inundações e deslizamentos de Nova Friburgo, passando pelos rompimentos de barragens em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, até chegar a 2020, com os incêndios no Pantanal. Em situações futuras, a atuação do médico-veterinário poderá ocorrer de maneira mais explícita, inclusive nas medidas preventivas, fazendo jus ao conceito de Saúde Única; para isso, a comissão vai elaborar mais encontros e capacitações, e estimular todos os regionais para que formem uma comissão ou grupo técnico em cada estado brasileiro.
Sistema de Comando de Incidentes
No último tópico do evento, o profissional Cláudio Zago, bombeiro militar, médico-veterinário e integrante da CNDM, abordou a estrutura e a função do Sistema de Comando de Incidentes (SCI). O objetivo desse comando unificado é padronizar o gerenciamento perante uma emergência, adotando uma estrutura organizacional integrada para atender à complexidade de uma demanda. Para isso, cria-se um comando com operações, planejamento, logística, finanças e administração, admitindo-se flexibilidade para aumentar ou diminuir as ações conforme a necessidade. O SCI tem como objetivo e finalidade: a segurança dos envolvidos na resposta ao acidente, bem como o envolvimento no evento; o cumprimento dos objetivos táticos e técnicos definidos para o desenvolvimento das ações relacionadas ao acidente; e o uso eficiente dos recursos disponibilizados para o evento.
Além disso, existem cinco funções de gerenciamento principais que são a base sobre a qual o sistema de organização se desenvolve: comando de acidente; operações; planejamento; logística; finanças e administração.
Ao final do evento, os membros dos CRMVs reconheceram a importância e a urgência de trabalhar essa temática da assistência e do resgate de animais em situações de desastres por uma perspectiva integrativa e dialogada entre os profissionais responsáveis e os órgãos competentes. O CFMV se prontificou a fomentar apoio à estruturação, ao fortalecimento e à capacitação das comissões técnicas estaduais por meio da CNDM. O I Encontro Nacional sobre Desastres em Massa Envolvendo Animais cumpriu de forma exitosa o objetivo proposto. A partir desse evento, a CNDM acredita que a atuação nesses cenários tão complexos será realizada de forma cada vez mais técnica, profissional e planejada.
Bibliografia sugerida
BANDEIRA, R. Medicina de catástrofe. Porto: Editora da Universidade do Porto, 2008.
CAETANO, E. C. S. As contribuições da TAA – Terapia Assistida por Animais à Psicologia. Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc, Criciúma, 2010.
CFMV. CFMV aprova Plano Nacional de Contingência de Desastres em Massa Envolvendo Animais. Disponível em <https://www.cfmv.gov.br/plano-nacional-de-contingencia-de-desastres-em-massa-envolvendo-animal/comunicacao/publicacoes/2020/10/05/#10>: Acesso em 24 de maio de 2021.
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REIS, S. CFMV aprova Plano Nacional de Contingência de Desastres em Massa Envolvendo Animais. Disponível em: <https://www.cfmv.gov.br/cfmv-aprova-plano-nacional-de-contingencia-de-desastres-em-massa-envolvendo-animais/comunicacao/noticias/2020/10/05> 2020. Acesso em 24 de maio de 2021.
SEIMENIS, A. M. The spread of zoonoses and other infectious diseases through the international trade of animals and animal products. Veterinaria Italiana, v. 44, p. 591-599, 2008.
Fonte: Comissão Nacional de Desastres em Massa Envolvendo Animais do CFMV