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Grupo de Resgate Animal de Belo Horizonte – GRABH

As fases de resposta frente a um desastre ambiental envolvendo animais na visão médico-veterinária

Experiência prática do Grupo de Resgate Animal de Belo Horizonte (GRABH)

Créditos: cabuscaa Créditos: cabuscaa

Aborda-se aqui a experiência prática do Grupo de Resgate Animal de Belo Horizonte (GRABH) e a análise do número de atendimentos de socorro e de resgate animal, bem como do número de assistências à saúde prestadas às vítimas afetadas, em função do tempo médio de resposta da equipe, além da análise do número de demandas de trabalho a cada 24 horas de atuação. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece como um desastre ambiental os resultados de efeitos adversos que causem danos aos seres humanos, desestabilização econômica e ambiental em um ecossistema, e que exijam apoio de entidades multidisciplinares para sua mitigação. No Brasil, o órgão responsável por essas ações é a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec). A Proteção e Defesa Civil é organizada por meio do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), com estrutura prevista em lei, denominada Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), Lei Federal n. 12.608/12. Nesta, o artigo 4º, inciso II, descreve como diretrizes do plano ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação, que se dão de forma multissetorial e nos três níveis de governo, federal, estadual e municipal, com ampla participação da comunidade 1-2.

De acordo com o plano, as ações típicas de resposta a desastres são: 1) as de socorro e 2) as de assistência humanitária aos afetados. Essas são as primeiras a serem realizadas, logo após o desastre, seguidas 3) do restabelecimento dos serviços essenciais, que garantam condições mínimas de segurança e habitabilidade nas áreas afetadas pelos desastres, que permitam o retorno da normalidade para a população afetada 3. 

Organizações internacionais como a Pan-American Health Organization propõem uma subdivisão da fase de resposta em desastres com vítimas humanas e que servem de base à atual tipologia do socorro 4, levando em consideração o tempo e as necessidades previsíveis que foram resumidas na figura 1 5.

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Figura 1 – Divisão das fases de um desastre com vítimas humanas proposto pela OMS e PAHO. Adaptado 5

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De acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) n° 1.511/2023, que estabelece as diretrizes para a atuação de médicos-veterinários e zootecnistas em desastres em massa envolvendo animais domésticos e selvagens, existem áreas diferentes de atuação, bem como responsabilidades específicas para médicos-veterinários e zootecnistas 6.

Algumas delas podem ser definidas por ações em áreas de concentrações, como: 1) o socorro e o resgate técnico animal e 2) as assistências à saúde básica das populações afetadas. Nessas áreas de concentração, a atuação dos profissionais deve ser realizada por equipes capacitadas e com habilidades específicas. Ainda, as áreas de concentração profissional envolvem as áreas de clínica médica, atendimento pré-hospitalar veterinário (APHV), medicina veterinária de emergência e intensivismo, para a realização de socorro e salvamento animal 7. As áreas de concentração profissional para atuação em assistência básica à saúde envolvem o atendimento clínico e cirúrgico, e a medicina veterinária do coletivo (MVC), com a promoção da saúde única, da saúde pública e da medicina veterinária preventiva.

Percebe-se, então, que existem divisões de trabalhos para profissionais que atuam em desastres, tanto no âmbito de animais humanos como de não humanos. Contudo, essas divisões são bem definidas e aplicadas em animais humanos, como visto no texto e nas políticas de prevenção de desastres que existem no Brasil e no mundo. Esses estudos definem não só as áreas de atuação de profissionais, mas também como cada especialidade pode atuar frente a cada fase de um desastre, considerando que a melhor resposta ao desastre é sempre aquela que seja possível realizar o mais cedo possível. Por essa razão, é necessário que a comunidade e a administração pública estejam preparadas e organizadas 5. Entretanto, quando abordamos os planos de resposta envolvendo animais não humanos, essas divisões e as fases de atuação de cada profissional em seus respectivos momentos ainda não estão bem estabelecidas. Sendo assim, é preciso denominar e definir as funções, subdivisões de trabalho e áreas de atuação dos profissionais médico-veterinários em cada fase de resposta, a fim de assegurar na literatura e consequentemente nas ações uma resposta mais efetiva em cada fase de um desastre.

Utilizamos a experiência dos profissionais que atuaram em diversos cenários de desastres ambientais pelo GRABH, detalhadas em relatórios de operações confeccionados em cada cenário específico, no período entre 2021 e 2023 (Figura 2). Esses relatórios contêm todas as ocorrências inerentes a cada operação e todas as situações relacionadas, com informações como número de vítimas não humanas e humanas socorridas e assistidas, bem como todos os serviços, ações e atividades executadas pelo grupo durante todo o tempo de permanência no cenário em questão. Cada chamada/solicitação por parte da população promoveu uma ocorrência. Cada ocorrência pode gerar um ou mais atendimentos de resgate e socorro e salvamento, e um ou mais atendimentos de assistências à saúde.

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Operação Cenário Local Ano
Chuvas MG Enchentes/inundações Brasil 2021
Chuvas MG/BA Enchentes/inundações Brasil 2022
Chile Incêndios florestais Chile 2023
Rio do Sul SC Enchentes/inundações Brasil 2023
Rio do Sul II SC Enchentes/inundações Brasil 2023
Figura 2 – Operações do GRABH de 2021 a 2023

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O número de socorros e resgates (salvamento animal) realizados e o número de assistências à saúde à população não humana afetada foram analisados em função do tempo médio de resposta (tempo de início da ação das equipes em função do início do desastre). Após essa fase, foi estabelecida uma nova análise das variáveis em função do maior número de ocorrências e demandas de trabalho para cada 24 horas de atuação das equipes no desastre. Todas as ocorrências e demandas em um desastre foram registradas pelos órgãos oficiais, pela população local e por um canal de comunicação do grupo de resgate in loco, ou pelas buscas realizadas pelas equipes à procura de animais não humanos atingidos diretamente pelo fenômeno de desastre (chamadas vítimas diretas) ou animais não humanos não atingidos diretamente pelo fenômeno de desastre, mas que sofrem efeitos deletérios por consequência do fenômeno (vítimas indiretas).

 

Resultados encontrados

O relatório geral dos números totais de demandas do grupo de resgate nas operações de desastres envolvendo animais não humanos pode ser analisado na figura 3, na qual se pode observar que o número de ocorrências recebidas possui uma relação direta com o tempo de resposta.

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Operação Data do desastre Data da resposta Duração dias Tempo de resposta N° de
resgates
N° de
assistências
Nº de
ocorrências
Chuvas MG 28/12/2021 30/12/2021 4 2 39 222 32
Chuvas MG/BA 08/01/2022 10/01/2022 11 2 2 979 34
Chile 10/01/2023 14/02/2023 8 4 16 34 9
Rio do Sul SC 10/10/2023 10/10/2023 7 0 40 10 340
Rio do Sul II SC 17/11/2023 17/11/2023 7 0 51 35 415
Figura 3 – Relatório geral dos números totais de demandas do grupo de resgate nas operações de desastres envolvendo animais não humanos

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Todas as operações que se iniciaram após 2 dias (48 horas) do evento de desastre tiveram maiores demandas de assistência à saúde quando comparadas com as demandas de socorro e salvamento, ao passo que, nas operações em que a resposta foi imediata, o número de socorros e salvamentos foi superior ao de assistências à saúde (Figuras 4 e 5).

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Figura 4 – Número de socorros e salvamentos em função dos dias de trabalho em ordem cronológica de ação nas diferentes operações

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Figura 5 – Número de assistências à saúde em função dos dias de trabalho em ordem cronológica de ação nas diferentes operações

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Salienta-se que o número de ocorrências não representa necessariamente um novo caso, e sim o número de vezes que a população entrou em contato com o sistema de recepção das demandas sobre animais não humanos. Assim, a equipe só contabiliza ocorrências quando ocorre alguma ação efetiva sobre o contato.

A partir da análise dos dados, é possível observar que nos primeiros cinco dias de um desastre temos a concentração do maior número de vítimas diretas a serem socorridas. Essa observação corrobora a literatura que relata casos de vítimas humanas, é conhecida como etapa de emergência ou de crise e se estabelece dentro da fase de resposta 4. Com esse resultado, foi possível subdividir essa fase de emergência em três subfases. A primeira etapa, denominada pela equipe Crise caos 1, compreende as primeiras 24/48 horas do início do evento de desastre. Nessa etapa encontra-se a grande maioria de vítimas a serem socorridas que culminam também com o início do processo organizacional das entidades. Trata-se de uma etapa muito complexa e desafiadora, na qual as equipes costumam trabalhar com maiores gastos de energia de resposta e ao mesmo tempo com maior dificuldade de reconhecimento de espaço (referência local), recursos e as estruturas de resposta ainda estão em estado de organização (Figuras 6 e 7). A segunda etapa, que chamamos de Crise caos 2, culmina nas 72/96 horas seguintes ao início do evento de desastre. Nessa etapa, o número de ocorrências envolvendo socorros e salvamentos pode se manter ou começar a declinar. Entretanto, as estruturas organizacionais já possuem maior capacidade de gestão de recursos, mão de obra e infraestrutura para lidar com a situação do desastre (instalação de gabinete de crise ou sistema de comando de incidentes).

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Figura 6 – Equipe atuando no socorro às vítimas na etapa Crise caos 1, na Operação Rio do Sul, Santa Catarina. Créditos: GRABH

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Figura 7 – Cães socorridos na etapa Crise caos 1, na Operação Rio do Sul II, Santa Catarina. Créditos: GRABH

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Já a terceira etapa, que chamamos de Crise caos 3, compreende as 120 horas posteriores da fase de resposta. Nessa etapa, as ocorrências de socorro e salvamento diminuem consideravelmente, e as demandas por assistência à saúde assumem majoritariamente as ações dos grupos de trabalho (Figura 8).

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Figura 8 – Equipe realiza o atendimento médico-veterinário de um cão afetado indiretamente pelas enchentes na Operação Rio do Sul II, Santa Catarina. Créditos: GRABH

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É importante dizer que cada desastre pode ser classificado pela sua intensidade e/ou complexidade 7. Assim, essa cronologia pode sofrer variações quanto à sua extensão e situação. Ainda, é preciso salientar que cada cenário pode requerer diferentes formas de analisar cada etapa e as ações de trabalho. 

Entretanto, ao observar os dados fica claro que existe uma constante que se inicia com os trabalhos de socorro e salvamento, posteriormente seguidos por atendimento às necessidades básicas à saúde dos animais não humanos. Mesmo que simultaneamente ocorram as duas modalidades de trabalho, a prioridade à preservação da vida ocorre nas primeiras ações emergenciais, pelo socorro e salvamento. Ainda, é importante salientar que as demandas de socorro e salvamento requerem um maior nível de compreensão e preparo dos profissionais para atuação nesses cenários, justamente por se enquadrarem nas etapas nas quais os recursos ainda não estão totalmente disponíveis para serem usados por equipes e entidades a fim de mitigar os efeitos deletérios da resposta àquele desastre.

 

Considerações finais

Nas operações que tiveram resposta imediata ao evento do desastre o número de atendimentos de socorro e salvamento foi superior ao de assistência à saúde. Por outro lado, as operações que se iniciaram a partir do 3º dia após o evento do desastre tiveram maior demanda de assistência à saúde.

Foi possível subdividir a fase de emergência de um desastre em três subfases, sendo elas Crise caos 1, Crise caos 2 e Crise caos 3, que compreendem diferentes áreas de atuações do médico-veterinário de acordo com o período em que o desastre se encontra. Entre os primeiros cinco dias de um desastre tem-se o maior número de concentração de vítimas diretas a serem socorridas.

Assim como na medicina humana de desastres, é importante ressaltar que conhecer as fases presentes em um desastre permite identificar em qual fase a situação se encontra, tornando o tempo de resposta mais otimizado e efetivo, permitindo a designação e a definição corretas das funções, das subdivisões de trabalho e das áreas de atuação dos profissionais que estarão trabalhando frente ao evento desastroso.

Diante desse quadro, observa-se a necessidade de mais estudos voltados para a atuação de médicos-veterinários em situações de desastre e a capacitação desses profissionais para atuarem de forma eficaz.

 

Referências 

01-BRASIL. SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA. Curso de Sistema de Comando de Incidentes. 2. ed. Brasília: SENASP, 2008.

02-BRASIL. Lei nº 14.750, de 12 de dezembro de 2023. Altera as Leis nºs 12.608, de 10 de abril de 2012, e 12.340, de 1º de dezembro de 2010, para aprimorar os instrumentos de prevenção de acidentes ou desastres e de recuperação de áreas por eles atingidas, as ações de monitoramento de riscos de acidentes ou desastres e a produção de alertas antecipados. Brasília: Planalto.gov. 2023. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14750.htm>. Acesso em 22 de abril de 2024.

03-GOMES, L. B. ; REIS, S. T. ; ATAYDE, I. B. ; BASTOS, A. L. F. ; MIRANDA, C. M. S. Plano nacional de contingência de desastres em massa envolvendo animais. 1. ed. CFMV, 2020. 107 p.

04-PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. Natural disasters: protecting the public’s health. Scientific Publication n°. 575. Washington: PAHO, 1981. 119 p.

05-BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. SECRETARIA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL. ; DEPARTAMENTO DE MINIMIZAÇÃO DE DESASTRES. Resposta: gestão de desastres, decretação e reconhecimento federal e gestão de recursos federais em proteção em defesa. 1. ed. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2017. 106 p. ISBN: 978-85-68813-10-2. Disponível em: <https://defesacivil.es.gov.br/Media/DefesaCivil/Material%20Did%C3%A1tico/M%C3%B3dulos%20SEDEC/M%C3%B3dulo%20III%20-%20RESPOSTA%20-%20Livro_Base.pdf>. Acesso em 22 de abril de 2024. 

06CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução n° 1511/2023, de 28 de março de 2023. Institui diretrizes para a atuação de médicos-veterinários e zootecnistas em desastres em massa envolvendo animais domésticos e selvagens. Manual de Legislação do Sistema CFMV/CRMVs, 2023. Disponível em: <http://ts.cfmv.gov.br/manual/arquivos/resolucao/1511.pdf>. Acesso em 22 de abril de 2024.

07-PINTO, A. J. W. Manual técnico de socorrismo e resgate animal. 1. ed. Belo Horizonte, 2021. 233 p.