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Aiuká – parceria que deu certo

Dois médicos-veterinários vêm fazendo história no atendimento à fauna impactada em vazamentos de petróleo e, dessa trajetória, nasceu a consultoria especializada


Introdução

Há 20 anos, em 18 de janeiro de 2000, os médicos-veterinários Rodolfo Pinho da Silva e Valeria Ruoppolo amanheceram com um chamado urgente: resgatar e reabilitar centenas de aves que tinham sido impactadas pelo óleo vazado de um oleoduto que liga a refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, ao terminal da Ilha D’Água, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. O vazamento de mais de 1 milhão de litros de óleo se espalhou por cerca de 40 quilômetros quadrados causando um severo dano ambiental e social. Nesse acidente, por volta de 323 aves foram resgatadas devido à sua contaminação pelo óleo (Figura 1). ­

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Figura 1 – Derramamento de óleo na baía de Guanabara. A) Tenda para estabilização dos animais acometidos pelo óleo. B) Rodolfo Silva hidratando biguá (Phalacrocorax brasilianus). C) Valeria Ruoppolo contendo um biguá (Phalacrocorax brasilianus) oleado. D) Rodolfo Silva realizando a limpeza de biguá (Phalacrocorax brasilianus) oleado. Créditos: Valeria Ruoppolo e Rodolfo Silva

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Essa emergência, uma das maiores que o Brasil já registrou, marcou o primeiro trabalho conjunto dos dois profissionais e o início de uma parceria que dura até hoje, com a fundação de uma organização especializada no resgate de fauna impactada por vazamentos de óleo, a Aiuká Consultoria em Soluções Ambientais.

Mas, antes dessa parceria começar, cada um deles respondeu a diferentes emergências em diversos lugares, em uma trajetória pontuada por atuações que os reúnem a um grupo formado por poucos profissionais tão especializados no mundo. Por exemplo, em 1995, Rodolfo trouxe para o Brasil a experiência adquirida na resposta à emergência na Ilha de Dyer (África do Sul), quando participou da reabilitação de 1.200 pinguins afetados por óleo. Esse trabalho foi realizado com o apoio do International Fund for Animal Welfare (IFAW) e, com ele, o médico-veterinário pôde vivenciar as técnicas que, até então, eram somente utilizadas pelo International Bird Rescue (IBR) e pelo Southern African Foundation for the Conservation of Coastal Birds (SANCCOB), duas entidades especializadas na reabilitação de fauna oleada (Figura 2). ­

 

Figura 2 – Reabilitação dos pinguins oleados em Dyer Island, África do Sul. A) Rodolfo Silva participando da limpeza dos animais com Mark Russel do International Bird Rescue (IBR). B) Rodolfo Silva participando da limpeza dos animais com voluntária da SANCCOB. C) Liberação de 1.200 pinguins-africanos (Spheniscus demersus) reabilitados na emergência em Robben Island. Créditos: Guiherme Becker

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Em 1995 e 1996 Rodolfo iniciou seu trabalho no projeto e construção do Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM) no Museu Oceanográfico Eliézer de Carvalho Rios da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul. O CRAM FURG foi o primeiro centro de reabilitação de fauna marinha do Brasil e desde então recupera centenas de animais marinhos anualmente. 

Valeria, ao se formar médica-veterinária, mudou-se para a Argentina a fim de trabalhar no Centro de Reabilitação de Fauna Marinha da Fundación Mundo Marino, e lá permaneceu por quase quatro anos, quando retornou ao Brasil no ano 2000 para desenvolver sua pesquisa de mestrado na Universidade de São Paulo. Nesse mesmo ano, após participar da emergência com vazamento de óleo na Baía de Guanabara, se tornou membro da Equipe Internacional de Resgate de Animais Selvagens em Contingências do IFAW (Animal Rescue Team/IFAW) e da Equipe de Resgate de Aves Aquáticas em Derramamentos de Petróleo do International Bird Rescue.

Provavelmente a emergência ambiental mais icônica em que ambos trabalharam juntos foi na Cidade do Cabo, África do Sul, no ano de 2000, quando o M/V Treasure, embarcação de transporte de minério de ferro, colidiu com uma laje, próximo à Ilha de Robben. O acidente provocou o vazamento de 400 toneladas de óleo bunker (combustível utilizado em embarcações transoceânicas) e provocou a contaminação de milhares de pinguins-africanos (Spheniscus demersus), naquele momento espécie classificada como “Vulnerável” de extinção pela lista vermelha da IUCN (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources). Foram atendidos em uma instalação de oportunidade adaptada para a ocasião 21.086 indivíduos da espécie, dos quais 19.107 foram liberados de volta a áreas limpas, o que representou uma alta taxa de reabilitação, de 90,1%. A reabilitação desses pinguins é reconhecida até o dia de hoje como sendo a maior operação de resgate já realizada no mundo (Figura 3). ­

 

Figura 3 – Derramamento de óleo na Cidade do Cabo (MV Treasure), África do Sul. A) Grupo de técnicos e especialistas que coordenavam a resposta aos mais de 20 mil pinguins-africanos (Spheniscus demersus). B) Valeria Ruoppolo realizando o manejo dos pinguins. Créditos: Jon Hrusa

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Hoje, o total de emergências, tanto nacionais como internacionais, que Rodolfo e Valeria responderam soma 46, diversas já à frente do time da Aiuká (Figura 4). ­

 

Figura 4 – Mapa das emergências das quais a Aiuká participou entre 2000 e 2019

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A equipe da organização é multidisciplinar e formada por mestres e doutores das áreas de medicina veterinária, biologia e oceanografia. Todos os integrantes são especializados na resposta a emergências envolvendo o resgate e a reabilitação de fauna oleada, além de manejo e pesquisa com animais aquáticos, garantindo a excelência técnica nesse processo (Figura 5). ­

 

Figura 5 – Equipe Aiuká. A) Administrativo (da esquerda para a direita): Gelza Soares – gerente de estruturas; Mayara Sea – auxiliar administrativa; Vanessa Anselmo – analista comercial; Daiane Trugilho – auxiliar administrativa; Ana Hoehne – supervisora financeira; Gislaine Lavínia – gerente de desenvolvimento humano organizacional. B) Setor de Projetos (da esquerda para a direita): Renato Yoshimine – oceanógrafo; Viviane Barquete – oceanóloga; Valeria Ruoppolo – médica-veterinária; Carolina Galvão – bióloga; Jéssica Domato – médica-veterinária; Camila Mayumi – bióloga. C) Setor de Operações (da esquerda para a direita): Rodolfo Pinho da Silva Filho – médico-veterinário; José Carlos dos Santos Neto – médico-veterinário; Débora Santos Silva – auxiliar veterinária; Maria Clara Sanseverino – médica-veterinária; Paulo Valobra – médico-veterinário; Jamenson Silva – auxiliar de operações; Murilo Pratezi – biólogo; Danielle Mello – bióloga; (agachados, da esquerda para a direita): Juan Medeiros – médico-veterinário; e Hudson Lemos – biólogo. Créditos: Aiuká

 

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Surgimento da Aiuká 

Na língua africana Iorubá, Aiuká significa “fundo do mar”, local privilegiado para o surgimento da vida na Terra, segundo diversas teorias biológicas modernas.  “O nome é, portanto, inspirado na crença que temos da importância do ecossistema marinho para a vida no planeta e na nossa convicção de que ele deve ser protegido dos impactos humanos com responsabilidade e respeito”, explicou Valeria. Ela e Rodolfo assumem, respectivamente, os cargos de Diretora de Projetos e de Diretor de Operações da Aiuká, primeira empresa brasileira com experiência no planejamento, no resgate e na reabilitação de fauna afetada por vazamentos de petróleo para que retorne ao seu ambiente natural em segurança.

“Em 2008, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) passou a exigir das empresas responsáveis por instalações portuárias, plataformas, dutos e refinarias um planejamento preventivo para o resgate de animais em caso de acidente”, lembrou Valeria. “Vimos, nessa decisão, uma boa oportunidade para aplicar no Brasil a experiência que obtivemos fora e, em 2010, fundamos a Aiuká”, reforçou Rodolfo.  

A organização fundada na Praia Grande, litoral central de São Paulo, completou em 18 de fevereiro 10 anos e atende hoje as maiores empresas do mundo do setor de petróleo, entre elas a Petrobras, a Shell e a Total.  A Aiuká mantém dois Centros de Reabilitação de Fauna, localizados em Praia Grande, SP, e em Rio das Ostras, RJ (Figura 6). “Todo o trabalho da Aiuká é validado pelos órgãos ambientais responsáveis, a exemplo do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama)”, explicou Rodolfo.­

 

Figura 6 – Centros Operacionais da Aiuká (COPs). A) COP SP em Praia Grande, SP. B) COP RJ em Rio das Ostras, RJ. Créditos: Aiuká

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A Aiuká gerencia a prontidão e a resposta emergencial para fauna em casos de incidentes com atividades marítimas de exploração e produção de petróleo. Também administra operações em portos, terminais e refinarias, direcionando as ações de forma preventiva e reduzindo potenciais impactos à fauna.

Uma das atividades de prontidão executadas pela Aiuká é o Projeto de Monitoramento de Impactos de Plataformas e Embarcações sobre a Avifauna (PMAVE), uma das exigências do Ibama nos processos de licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de exploração e produção de petróleo e gás natural. O PMAVE orienta as ações de resposta em caso de ocorrência de ave silvestre ou doméstica na área da plataforma ou unidade marítima e região de entorno, transportando os animais de volta para a terra e oferecendo posterior destinação apropriada (Figura 7). ­

 

Figura 7 – Aves terrestres em unidades marítimas no Projeto de monitoramento de impactos de plataformas e embarcações sobre a avifauna (PMAVE). A e B) Columbina talpacoti – rolinhas-roxas; C) Machetornis rixosa – suiriri-cavaleiro. Créditos: Aiuká

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A organização é pioneira nesse tipo de serviço no Brasil e, em função dele, mantém prontidões para empreendimentos nas Bacias de Campos e de Santos. Além de responder com equipe própria, os acionamentos também contam com a parceria de entidades como o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres da Universidade Estácio de Sá (CRAS-Unesa), o Beto Carrero World e o Parque Zoobotânico Orquidário Municipal de Santos (PZOMS), instituições com recursos e equipamentos apropriados para os processos de estabilização e reabilitação da fauna resgatada nas unidades marítimas. 

A proficiência no gerenciamento e nas respostas à fauna impactada por óleo em emergências off shore (alto-mar) credencia a Aiuká também a atuar naquelas que acontecem em terra. Nesse sentido, uma das mais recentes participações da organização ocorreu em Brumadinho, MG, onde, em janeiro de 2019, ocorreu o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração. A Aiuká liderou a Seção de Operações de Fauna desde o Centro de Comando da emergência – responsável pelo atendimento de animais silvestres e domésticos afetados pela lama originada pelo incidente (Figura 8). Atualmente trabalha na manutenção do banco de dados e documentação da emergência desde a Seção de Planejamento, em parceria com uma empresa especializada no gerenciamento de emergências ambientais, a Witt O’Brien’s Brasil. Além de atuar em Brumadinho, a Aiuká também está presente em Barão de Cocais, MG, trabalhando na emergência da mina que, embora não tenha apresentado problemas até o momento, demandou a evacuação de 162 famílias que moravam muito próximo do local e o abrigo de quase quatro mil animais domésticos. Cenários como este são de extrema complexidade e demandam uma resposta específica que inclua a segurança dos animais, uma vez que, além de fazerem parte do trabalho e sustento de muitas pessoas, fazem também parte de suas famílias.­

 

Figura 8 – Centro de Comando, Brumadinho, MG, 2019. Créditos: Aiuká

 

 

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Políticas públicas e desenvolvimento da ciência 

Essa especialização em emergências ambientais conferiu à Aiuká o convite para participar da formulação de políticas públicas nacionais para resposta à fauna oleada, contidas no Manual de Boas Práticas – Manejo de fauna atingida por óleo, do Ibama, que faz parte do Plano Nacional de Ação de Emergência para Fauna Impactada por Óleo (PAE-Fauna). 

O PAE-Fauna fornece as diretrizes de atuação dos órgãos durante uma emergência ambiental. Já o Mapeamento Ambiental para Resposta à Emergência no Mar (MAREM www.marem-br.com.br) inclui o Projeto de Proteção à Fauna, um dos pilares desse trabalho e que consiste em um banco de dados georreferenciados que permitem a análise detalhada da região eventualmente afetada por um derramamento de óleo. A Aiuká, em parceria com a Witt O’Brien’s Brasil, foi a responsável pela elaboração desse projeto que contou com a participação de colaboradores e pesquisadores nacionais e internacionais.

Além de colaborar com políticas públicas, a organização também prioriza o desenvolvimento de pesquisas científicas na área de conservação ambiental. Nesse sentido, já realizou duas das quatro edições do Congresso Latino-americano de Reabilitação de Fauna Marinha: em 2012, no Rio Grande, RS, com a participação de aproximadamente 150 especialistas brasileiros e estrangeiros nas dependências do Museu Oceanográfico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FURG); e em 2018 em Florianópolis, SC, com a participação de 140 especialistas (Figura 9).­

 

Figura 9 – Congresso Latino-americano de Reabilitação de Fauna Marinha em Florianópolis, SC, 2018. Créditos: Aiuká

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Frequentemente, membros da equipe participam também de congressos e workshops dentro da temática de resgate e reabilitação de fauna em emergências ambientais, como o International Oil Spill Conference (IOSC) e a International Effects of Oil on Wildlife Conference (EOW), na qual Valeria participa do Comitê de Programação desde 2003 e co-presidiu o evento em 2015 junto com o International Bird Rescue (IBR). O próximo IOSC será em Nova Orleans, EUA, em maio de 2020. Mais detalhes podem ser encontrados em https://iosc2020.org. O próximo EOW será realizado em 2021 e será organizado pelo IBR, porém ainda sem local definido. 

Entendendo que as universidades abrigam a formação da base do conhecimento de novos profissionais, rotineiramente profissionais da Aiuká são convidados para palestras em semanas acadêmicas e eventos estudantis com a intenção de dividir o conhecimento adquirido nessas atividades que envolvem a prontidão para emergências. Nesse mesmo sentido, alunos em fase de conclusão de curso são recebidos mensalmente para realização de seus estágios obrigatórios, participando de todas as atividades relacionadas à reabilitação de fauna e da preparação para emergências ambientais. Mais informações podem ser solicitadas pelo e-mail [email protected].

 

Rede global de atuação

A Aiuká é uma das 11 – e a única representante da América Latina – que participa do Projeto Global Oiled Wildlife Response System (GOWRS). Essa é uma rede de organizações internacionais apoiada pela indústria de petróleo no desenvolvimento de um sistema de preparação para resposta à fauna oleada em todo o mundo. O objetivo é atender principalmente àqueles países que não possuem nenhuma estrutura organizada para responder a emergências com fauna oleada. A Aiuká é um dos membros fundadores dessa rede e, em 2019, Valeria Ruoppolo foi eleita sua vice-diretora, reconhecimento que reforça a posição de vanguarda da organização na construção e alinhamento dos procedimentos internacionalmente aceitos para resposta a derramamentos de óleo (Figura 10).­

 

Figura 10 – A Aiuká é dos membros fundadores do Sistema Global de Resposta à Fauna Oleada (Global Oiled Wildlife Response System – GOWRS, em inglês), uma rede de organizações internacionais que trabalha no desenvolvimento de um sistema de preparação para resposta à fauna oleada em todo o mundo

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Por meio dessa rede, no ano de 2018, a Aiuká participou da resposta a um vazamento de óleo no Porto de Roterdã, na Holanda, o maior porto europeu. O vazamento ocorreu em decorrência da colisão entre uma embarcação (MS Bow Jubail) e o terminal portuário, causando um vazamento de 200 toneladas de óleo bunker. Resultado disso, em torno de 30 horas após o acidente, 400 cisnes-mudos (Cygnus olor) já lotavam os três centros de reabilitação da região (Figura 11). Uma resposta eficiente foi organizada em um galpão temporário e em cerca de 30 dias, 522 cisnes oleados foram resgatados, dos quais 497 foram soltos. Uma taxa de sucesso de reabilitação de 95,2%.­

 

Figura 11 – Derramamento de óleo em Roterdã, na Holanda, decorrente de colisão entre a embarcação (MS Bow Jubail) e o terminal portuário. A) Valéria Ruoppolo realizando exame clínico em cisne-mudo (Cygnus olor). B) Jéssica Domato realizando exame clínico em cisne-mudo (Cygnus olor). C) Enxágue dos resíduos após a limpeza. D) Recondicionamento das aves após a limpeza do óleo. Créditos: Aiuká

 

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Responsabilidade socioambiental 

Vida e responsabilidade são dois conceitos integrados aos valores da Aiuká, que entende os cuidados da fauna selvagem como não só uma atividade de trabalho, mas também – e principalmente – como atenção e respeito pelo bem-estar dos animais debilitados para devolvê-los sadios ao seu ambiente. Esse entendimento é resultado dos anos de experiência de Valeria e Rodolfo no terceiro setor, quando tiveram a oportunidade de fundar organizações não-governamentais voltadas à conservação de espécies marinhas.

A reabilitação das diferentes espécies que são levadas à Aiuká pela população ou por parceiros da área de conservação ocorre nos dois Centros Operacionais da organização. Entre os parceiros deste trabalho estão os Grupamentos Ambiental e Costeiro da Guarda Civil Municipal de Praia Grande, SP, o Instituto Biopesca e órgãos ambientais de Rio das Ostras, RJ.

Buscando o aprimoramento da reabilitação em todos os seus estágios, e no sentido de promover conhecimento, a Aiuká oferece treinamento especializado para os cadetes dos Grupamentos Ambiental e Costeiro da Guarda Civil Municipal de Praia Grande ao início de suas atividades. Nessas aulas, os alunos são instruídos quanto aos diferentes grupos animais, formas corretas de contenção das diferentes espécies encontradas na região, o acondicionamento correto da fauna, segurança no trabalho e uso de EPIs (equipamentos de proteção individuais) e sobre a importância das zoonoses (Figura 12). Além disso, os resultados da parceria são apresentados durante o curso com informações do número de animais atendidos e as solturas realizadas.­

 

Figura 12 – Parceria com o Grupamento Ambiental e Costeiro da Guarda Civil Municipal de Praia Grande. A) Treinamento dos cadetes. Participação da GCM-Ambiental no treinamento e na soltura de aves de rapina (B: Falco femoralis e C: Caracara plancus). Créditos: Aiuká

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Com esse trabalho de parceria na reabilitação, no ano de 2019, 328 animais, entre aves, mamíferos e répteis, receberam cuidados nos dois Centros Operacionais da Aiuká. Este número vem crescendo anualmente desde 2015, quando esses trabalhos se iniciaram. E, ao longo dos 10 anos de história, um total de 1.012 animais foram atendidos nas instalações da Aiuká (Figura 13). ­

 

Classe Aves Mamíferos Répteis
Número de indivíduos 677 285 50
Número de espécies 124 12 8
Figura 13 – Animais presentes na reabilitação da Aiuká de 2015 a 2019

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Deste total, destacam-se como espécies predominantes para cada classe, o pinguim-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus) para as aves, o saruê-de-orelha-preta (Didelphis aurita) para os mamíferos e a tartaruga-verde (Chelonia mydas) para os répteis (Figura 14). ­

 

 

Figura 14 – Animais com maior incidência na reabilitação da Aiuká (2015-2019). A) Pinguim-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus). B) Tartaruga-verde (Chelonia mydas). C) Saruê-de-orelha-preta (Didelphis aurita). Créditos: Aiuká

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Ao ingresso, os animais passam por exame clínico minucioso, a fim de angariar o maior número de informações que possam conduzir ao seu tratamento efetivo. Nesse sentido, o responsável pela entrega do animal, seja civil ou pertencente a uma instituição pública, também é questionado sobre o histórico daquele animal. A causa dos ingressos deve-se a motivos diversos, porém ocorrem principalmente em função de interações antrópicas. Entre os problemas apresentados estão a ingestão de lixo e emalhe em redes de pesca por tartarugas marinhas, traumas diversos para as aves, sendo incluídos nesta categoria choques mecânicos sofridos por colisão com estruturas, quedas de ninhos e atropelamentos. Já para os mamíferos, as ocorrências mais comuns são de filhotes órfãos. Após atendidos, os animais são reabilitados, sendo acompanhados diariamente por médicos-veterinários até que sua condição de higidez seja recuperada para então, após receberem a marcação permanente (anilha ou microchip), serem liberados (Figura 15). Nessa etapa do processo existe também o apoio do Grupamentos Ambiental e Costeiro da Guarda Civil Municipal de Praia Grande. O processo somente é realizado após a emissão da autorização de soltura pelo Sistema Integrado de Gestão de Fauna Silvestre (SIGAM) do Departamento de Fauna da Subsecretaria de Meio Ambiente de São Paulo.­

 

 

Figura 15 – Atendimento clínico de animais silvestres. A) Jéssica Domato (à esquerda) e Maria Clara Sanseverino, em atendimento de um jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris). Ao centro, oficial da Defesa Civil do RJ que resgatou o animal e o levou ao COP RJ. B) Da esquerda para a direita: Jamenson Silva, Aline Nascimento (médica-veterinária) e Débora Silva (estudante de medicina veterinária), no COP SP, para atendimento de um veado-catingueiro (Mazama gouazoupira). Créditos: Aiuká

 

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A Aiuká atua de maneira responsável na questão socioambiental também no apoio ao Instituto Mar (https://www.institutomar.org.br), organização integrante da sua rede de parceiros. “Promovemos a conscientização e a mobilização da sociedade para sensibilizá-la quanto às ameaças ao ecossistema marinho e à importância da sua conservação, propondo convênios e parcerias a fim de desenvolver esforços conjuntos em direção a esse objetivo”, explicou a bióloga Laura Ippolito Moura, Gerente de Operações do Instituto Mar (Figura 16).­

 

Figura 16 – Instituto Mar na Praia Grande, SP, após ação do Dia Mundial da Limpeza em 21/9/2019, https://www.worldcleanupday.org. Créditos: Instituto Mar

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Centros Operacionais em São Paulo e no Rio de Janeiro 

O Centro Operacional da Aiuká em Praia Grande, o COP Aiuká SP, é a mais moderna instalação no Brasil preparada exclusivamente para o manejo e a reabilitação de fauna oleada. A organização conta ainda com outro Centro Operacional, esse em Rio das Ostras, o COP RJ, que replica as boas práticas implementadas no COP SP.

Ambas as instalações são adaptadas para o processo de recebimento, manejo e reabilitação de fauna marinha e silvestre e estão sempre preparadas para o resgate, atendimento de emergências e reabilitação da fauna (Figura 17). O COP SP está construído em 750 m² e suas áreas de trabalho se dividem em administrativas e veterinárias. Já o COP Aiuká RJ tem aproximadamente 730 m² de área construída.­

 

 

Figura 17 – COPs em ação! A) Viviane Barquete ministrando a parte prática do treinamento de “Técnico Embarcado Responsável” para implementação do PMAVE. B) Tiago Leite (tratador do COP RJ, em Rio das Ostras) realizando limpeza das instalações para reabilitação de animais marinhos. C) José Carlos dos Santos Neto em prontidão em Rio das Ostras – equipamentos preparados para acionamento de emergência. D) Maria Clara Sanseverino na alimentação de gaivotão (Larus dominicanus), na reabilitação (COP RJ, em Rio das Ostras). Créditos: Aiuká

 

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A localização de ambas as instalações foi decidida de forma estratégica, a fim de estar perto de duas das principais bacias de exploração de petróleo no Brasil, a Bacia de Santos e a Bacia de Campos. Essa proximidade contribui para o tempo de deslocamento da equipe no caso de uma emergência, e possibilita o trabalho de reabilitação das aves provenientes de plataformas e embarcações.

 

Cotidiano

Além de todas as atividades voltadas à reabilitação de animais e, sendo que o dia a dia da Aiuká nem sempre é composto por atendimentos a emergências ambientais, há também uma rotina de preparação que envolve a todos. Estar com os profissionais e os equipamentos preparados para situações de emergência envolve a rotina diária e é o que assegura ter uma boa resposta nessas ocasiões.

 

Elaboração de estratégias e planejamento para Planos de Proteção à Fauna (PPAFs)

Tais planos de contingência são elaborados para situações específicas de cada operação (Figura 18), considerando a área de atuação e onde está situado o poço.­

 

Figura 18 – Elaboração de planos e estratégias em diferentes cenários. A) Situação de campo de emergência. Da esquerda para a direita: Carolina Galvão, Hudson Lemos, Danielle Mello. B) Escritório, equipe durante simulado interno. Da esquerda para a direita: Aline Nascimento, Juan Medeiros, Renato Yoshimine, Hudson Lemos e Débora Silva (estagiária de medicina veterinária). Créditos: Aiuká

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Nessa tarefa, a equipe multidisciplinar reúne todas as informações disponíveis para determinar qual será a melhor estratégia para atender a uma emergência com suas características especificas. Com o plano pronto e, a fim de colocá-lo em prática e buscar melhorias, exercícios simulados são realizados anualmente para que todos compreendam e exercitem a sua participação numa emergência.

Os exercícios simulados criam uma situação correspondente a um acidente real, e permitem que cada setor de atendimento da emergência treine suas habilidades, faça seu planejamento, determine a logística necessária e os recursos a serem utilizados. Os exercícios contemplam desde o acionamento da equipe, o deslocamento, a mobilização de pessoas e equipamentos, até o briefing final do primeiro dia de uma emergência, levantando os pontos positivos e aqueles passíveis de melhoria diante de uma situação real (Figura 19). ­

 

Figura 19 – Exercícios simulados do Porto de Santos. A) À direita, Jamenson Silva. B) Murilo Pratezi ministrando treinamento embarcado para o monitoramento e a captura de fauna. C) Instalação móvel preparada para estabilização da fauna capturada antes do transporte ao centro de reabilitação. D) Transporte até o centro de reabilitação. À esquerda, Débora Silva, no centro Murilo Pratezi, e, à direita, Jaqueline Caetano (estagiária de medicina veterinária. E) Admissão do animal no centro de reabilitação. À esquerda, Guilherme Pozzer (estagiário de medicina veterinária); à direita, Rodolfo Silva. F) Briefing com a equipe de reabilitação para alinhamento das tarefas. Créditos: Aiuká

 

­Elaboração e execução do PMAVE  (Projeto de monitoramento de impactos de plataformas e embarcações sobre a avifauna)

Esse projeto tem como finalidade principal elucidar a ocorrência das aves em plataformas, embarcações e/ou unidades marítimas e entender o possível impacto delas, especialmente para as aves marinhas. Seu desenvolvimento envolve a elaboração do projeto com as características específicas de cada operação e o treinamento dos Técnicos Embarcados Responsáveis (TER). Esses técnicos conciliam a rotina de trabalho nas unidades marítimas com a função de observadores de oportunidade. Uma vez que avistem ou encontrem uma ave que necessite de cuidados específicos, entram em contato com os técnicos da Aiuká para realizarem o atendimento com auxílio remoto, até o desembarque do animal. O treinamento capacita-os a identificar um animal doente, realizar a captura e acondicionamento até o seu desembarque, além da preparação da documentação necessária para os órgãos ambientais.

A verificação da documentação pertinente dentro de parâmetros estabelecidos pelos órgãos ambientais é parte fundamental do processo.

O atendimento remoto das aves por meio de comunicação com o TER auxilia na manutenção da ave enquanto aguarda o desembarque para o atendimento completo, quando do resgate e do transporte da ave acometida até um dos centros de reabilitação.

Pode ocorrer também o embarque de um médico-veterinário em unidades marítimas (plataformas, embarcações, etc) quando há ocorrência de animal instável clinicamente e que tenha status alto de conservação. Para isso, os médicos-veterinários da Aiuká passam por treinamentos específicos que viabilizam o embarque nessas unidades.

Os treinamentos requeridos para o ambiente offshore, o T-Huet (Tropical Helicopter Underwater Escape Training) e o CBSP (Curso Básico de Segurança de Plataforma), são treinamentos de salvatagem considerados vitais para o trabalho em embarcações e unidades marítimas, como um pré-requisito de segurança. Por isso, a equipe técnica da Aiuká mantém essas exigências em dia para não ter qualquer impedimento num cenário de emergência.

Dentre os acionamentos para atendimento de aves, por vezes há surpresas nas diferentes espécies encontradas em unidades marítimas. Um dos casos mais notáveis foi o de uma jiboia (Boa constrictor constrictor). Não é possível saber ao certo como o animal acessou a embarcação, mas uma vez encontrado por um dos técnicos à bordo gerou insegurança na unidade e, para isso, um dos profissionais da Aiuká embarcou por aeronave até a unidade para realizar o resgate (Figura 20). Ressalta-se que todas as ocorrências que fogem ao escopo do projeto são devidamente comunicadas aos órgãos ambientais para obter as autorizações pertinentes às ações de resgate e reabilitação.­

 

Figura 20 – A) Renato Yoshimine após a captura e resgate de uma jiboia (Boa constrictor constrictor). B) O animal foi resgatado de um equipamento de uma embarcação de apoio de plataforma de produção de petróleo. Créditos: Aiuká

 

 

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Reabilitação de fauna oleada 

O procedimento ocorre durante emergências envolvendo vazamento de óleo ou de forma esporádica, quando animais acometidos por óleo ou derivados, provenientes de outras instituições, são destinados à Aiuká para sua reabilitação.

Para a reabilitação desses animais, é utilizado um protocolo padrão internacional, ou seja, todos os participantes do GOWRS Project utilizam a mesma metodologia para a reabilitação. Essa padronização simplifica o trabalho em equipe quando há cooperação internacional de instituições e permite realizar melhorias de acordo com a experiência de todos. Pertencem ao processo as seguintes etapas (Figura 21):

1. Admissão no centro de reabilitação

Recepção do animal com exame físico para triagem. É importante salientar que o atendimento veterinário em eventos com um alto número de animais acometidos funciona semelhantemente a um hospital de campanha numa guerra, onde os pacientes serão triados segundo a severidade do seu quadro clínico para o tratamento. 

Essa etapa também é composta por um exame de sangue simples (hematócrito e proteínas plasmáticas totais).

Nesse momento há limpeza dos excessos do produto contaminante dos olhos e mucosas, enfatizando que esse não é o momento para a limpeza completa do corpo dos indivíduos.

2. Estabilização

Após a determinação de seu estado, os animais são separados em grupos de mesma espécie e com estado clínico semelhante, inclusive no grau de contaminação por óleo. Esses animais são primeiramente estabilizados, recuperando peso, hidratação e condição clínica estável para então serem encaminhados para a limpeza do produto contaminante.

3. Limpeza do óleo, enxágue e secagem

O procedimento completo de limpeza dos animais é um assunto extenso e merece atenção e dedicação especial. De maneira generalista, é o momento em que é retirado todo o produto contaminante do animal, seguido por um enxague completo para que não reste qualquer resíduo. Após a secagem do corpo, é possível avaliar a eficácia do banho. O ideal é que seja um procedimento único, sem necessidade de repetição. O tempo do procedimento completo varia de acordo com a espécie e nível de contaminação.

Vale acrescentar que os animais passam por uma nova avaliação clínica prévia à sua limpeza assegurando sua estabilidade clínica para suportar esse procedimento. 

4. Recondicionamento

Essa é a etapa final. Nela o animal será acondicionado em recinto com água limpa disponível e será constantemente estimulado a fazer o alinhamento de suas penas (no caso das aves). Receberá também uma dieta equilibrada já visando sua soltura.

5. Exame pré-soltura + anilhamento

Ocorre nova avaliação clínica, agora para verificar se os animais apresentam quadro clínico condizente com sua espécie. Além disso, passam por uma importante avaliação chamada “Teste de impermeabilização”. Tal avaliação visa verificar se as aves recuperaram sua capacidade de impermeabilização de penas, ou seja, as penas externas precisam funcionar como uma barreira impermeável e impedir que as plumas e a pele do animal se molhem. Aprovados nesses dois testes, os animais são anilhados ou marcados para sua soltura, de acordo com a sua espécie.

6. Soltura

Deve ser sempre realizada em local de ocorrência da espécie. Neste caso, é importante determinar se a área afetada pelo acidente já foi recuperada para que o animal não volte a se contaminar. Ainda assim, é recomendável liberar o animal em área distante à do acidente. ­

 

Figura 21 – Etapas da reabilitação de fauna oleada. Biguás (Phalacrocorax brasilianus) contaminados por óleo diesel. A) Admissão: B) Estabilização: hidratação e alimentação dos animais antes do banho. C e D) Limpeza do contaminante. E e F) Enxágue. G) Secagem de aves utilizando secadores pet. À esquerda, Débora Silva; à direita, Murilo Pratezi. Créditos: Aiuká

 

­Atualidades

Em agosto de 2019, manchas de óleo começaram a aparecer em praias do litoral nordestino. Com origem incerta, a mancha proveniente de mar aberto começou a assustar moradores e turistas de, pelo menos, 4 estados. No início de setembro, após grupos locais iniciarem uma resposta voluntária com intuito de limpar as áreas acometidas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), passou a organizar a resposta e fornecer informações necessárias para que o trabalho de limpeza de praia e de reabilitação de fauna fosse feito de maneira ordenada e segura. De forma sistemática, o Ibama listou instituições que já trabalhavam com animais marinhos e silvestres que pudessem participar de forma voluntária da reabilitação de fauna acometida e passou também a organizar todas as informações no seu site (https://www.ibama.gov.br/manchasdeoleo).

Em novembro, quando resíduos contaminantes foram encontrados no litoral do Sudeste, a Aiuká cooperou voluntariamente com o órgão ambiental a fim de receber animais provenientes da emergência com o óleo, seja em seus municípios de atuação, seja por meio de parceiros ou outras instituições que desejassem encaminhar os animais aos seus cuidados. Nas últimas atualizações, os resíduos de óleo chegaram a 12 estados, totalizando 1.004 pontos; destes, 570 estão limpos e 434 localidades ainda seguem com vestígios esparsos de contaminação. As atualizações são publicadas semanalmente no site do Ibama.

 

Aiuká
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