A eutanásia dos animais por arma de fogo em Brumadinho
A eutanásia dos animais por arma de fogo em Brumadinho
A cidade de Brumadinho, MG, foi atingida pelo rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão no dia 25 de janeiro de 2019. O desastre provocou extensa destruição local, além de isolamento e morte de centenas de animais. Dentre esses, alguns se destacaram por sobreviver, atolados, durante alguns dias em locais aos quais a equipe de resgate não tinha acesso. Assim, os animais submetidos a essa situação de sofrimento receberam eutanásia, aplicada por profissionais capacitados sob a supervisão de um médico-veterinário, por meio do uso de arma de fogo. O objetivo do trabalho é apresentar as condutas adotadas pelas equipes compostas por voluntários, médicos-veterinários e órgãos policiais, que foram designadas para o resgate de animais localizados em meio aos rejeitos, bem como as legislações que respaldam essas condutas.
Muitos desses animais ficaram parcialmente imersos nos dejetos, submetidos a intenso sofrimento por vários dias. Quando havia possibilidade de acesso, a equipe encarregada estabelecia estratégias para minimizar o sofrimento dessas vítimas, baseadas em dessedentação, alimentação e posterior resgate, com o auxílio de helicópteros 1 (Figuras 1 e 2).
Alguns desses animais, nesse caso bovinos e equinos, localizavam-se em regiões sem acesso a água, alimentação, sombra nem possibilidade de movimentação; além disso, sofriam enorme pressão nas regiões corporais que estavam submersas, devido ao processo de evaporação da água presente na lama e ao aumento da sua densidade com o passar dos dias. Dessa forma, o bem-estar desses animais estava comprometido de forma irreversível.
Ademais, não havia pontos de sustentação nos quais a equipe de resgate pudesse se apoiar em segurança para chegar aos animais, reduzir a pressão da lama sobre eles e, posteriormente, içá-los. Desse modo, ficou acordado que os resgates nessas circunstâncias seriam inexecutáveis e de alto risco para os socorristas. Portanto, a eutanásia foi adotada como a maneira mais adequada de fazer cessar o sofrimento desses animais, utilizando métodos previstos (disparos de arma de fogo 2) de acordo com as espécies envolvidas. Ela foi realizada por um profissional qualificado – nesse caso, um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), supervisionado por um médico-veterinário.
De acordo com a Resolução nº 1.236/2018 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), define-se maus-tratos como quaisquer atos diretos ou indiretos, comissivos ou omissivos, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoquem dor ou sofrimento desnecessário aos animais. Ademais, essa resolução considera que a definição de maus-tratos inclui não adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento aos animais, além de mantê-los impedidos de movimentação e descanso, sem acesso a água, alimentação e temperatura adequadas. Por fim, estabelece que os médicos-veterinários são os profissionais capacitados para identificar, diagnosticar, prevenir e adotar medidas que façam cessar as situações de maus-tratos e sofrimento dos animais 3. Uma das medidas permitidas pela Resolução nº 1.138/2016 do CFMV, que aprova o código de ética do médico-veterinário, consiste em realizar a eutanásia nos casos devidamente justificados, observando os princípios de saúde pública, a legislação de proteção aos animais e as normas do CFMV 4.
A eutanásia consiste em fazer cessar a vida animal por meio de método tecnicamente aceitável e cientificamente comprovado, observando os princípios éticos definidos nessa resolução e em outros atos do CFMV. É um procedimento indicado em situações nas quais o bem-estar do animal esteja comprometido de forma irreversível, a fim de eliminar a dor ou o sofrimento que não possam ser controlados por meio de analgésicos, sedativos ou outros tratamentos. A participação do médico-veterinário é obrigatória na supervisão ou na execução da eutanásia e em todas as circunstâncias em que ela se faça necessária. Em casos de supervisão, a técnica deve ser executada por indivíduo treinado e habilitado, e ambos devem conhecer e evitar os riscos inerentes ao método escolhido. A escolha do método depende das espécies animais envolvidas, da idade e do estado fisiológico dos animais, bem como dos meios disponíveis para a sua contenção, da capacidade técnica do executador e do número de animais 5. Com relação ao cumprimento da eutanásia, os métodos aceitáveis e aceitos sob restrição são descritos no Anexo I da Resolução nº 1.000/2012 5 e variam de acordo com a espécie envolvida. Na situação descrita, a utilização de arma de fogo é um método físico aceito pelo Concea sob restrição para a eutanásia de equinos e ruminantes, por ser rápido, prático e causar menos estresse em relação a outros procedimentos 6.
Para utilização da arma de fogo como método de eutanásia, deve-se escolher um calibre compatível com a espécie animal envolvida. A pressão provocada pela alta velocidade de colisão e penetração do projétil no crânio do animal leva à perda de consciência instantânea, devido ao trauma cranioencefálico gerado e à consequente depressão do sistema nervoso central 7.
Diante do exposto, esse cenário de alto risco e difícil acesso para os socorristas induziu os responsáveis pelo resgate dos animais a adotarem a eutanásia por disparo de arma de fogo, executada por profissional competente. Esse posicionamento da equipe é respaldado nas legislações e amplamente aceito no âmbito médico-veterinário nessas condições. Sendo assim, a atuação da equipe para com os animais é considerada ética.
Referências
1-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Nota de apoio à atuação dos médicos-veterinários em Brumadinho, MG. CFMV, 2019. Disponível em: <http://portal.cfmv.gov.br/noticia/index/id/5985/secao/6>. Acesso em 11 de abril de 2019.
2-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Guia brasileiro de boas práticas para a eutanásia em animais: conceitos e procedimentos recomendados. 1. ed. Brasília: CFMV, 2013. 62 p.
3-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1236, de 26 de outubro de 2018. Define e caracteriza crueldade, abuso e maus-tratos contra animais vertebrados, dispõe sobre a conduta de médicos veterinários e zootecnistas e dá outras providências. CFMV, 2018.
4-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1138, de 16 de dezembro de 2016. Aprova o código de ética do médico veterinário. CFMV, 2016.
5-CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Resolução nº 1000, de 11 de maio de 2012. Dispõe sobre procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências. CFMV, 2012.
6-CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE DE EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL. Resolução Normativa nº 13, de 20.09.2013. Diretrizes da prática de eutanásia do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA. 2013.
7-AMERICAN VETERINARY MEDICAL ASSOCIATION. AVMA guidelines for the euthanasia of animals: 2013 edition. Schaumburg: AVMA, 2013. 102 p.