Introdução
O vírus da varíola dos macacos – ou Monkeypox virus (MPV) – é um DNA vírus que pertence ao gênero Ortopoxvirus e à família Poxviridae, o mesmo do vírus da varíola humana, erradicado em 1980 1. O vírus da varíola dos macacos foi inicialmente isolado de lesões de pele de macaco em um laboratório dinamarquês no ano de 1958, após dois surtos ocorridos em primatas em cativeiro 2 (Figura 1). Casos em seres humanos foram primeiramente relatados em 1970 na República Democrática do Congo, época em que a varíola humana ainda circulava na região, com posterior disseminação para outros dez países africanos até o momento 3,4. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a transmissão ocorre pelo contato direto com fluidos, lesões de infectados e materiais contaminados 5.
Como uma zoonose silvestre, desde 1970 casos humanos de MPV e surtos pontuais foram associados a interações com animais ou indivíduos infectados 3. Os principais suspeitos para reservatório natural são roedores das florestas tropicais da África 6. O perfil de indivíduos infectados variou desde então, com casos predominantemente em crianças na década de 1970, e com o passar do tempo também em jovens, provavelmente associados à ausência de proteção vacinal para varíola humana 3. Na população em geral, o período de incubação é de aproximadamente 6 a 13 dias, podendo ocorrer febre, cefaleia, linfadenopatia e surgimento de erupções cutâneas, com evolução autolimitada de até 4 semanas e letalidade que varia entre 0 e 11% 4. Podem ocorrer sequelas e cicatrizes, e também casos graves em alguns indivíduos 2,7.
O tratamento é de suporte para alívio dos sintomas, e existem fármacos antivirais para tratar a varíola humana cujo uso é aprovado para a MPV 4. Nesse contexto, o diagnóstico laboratorial é essencial, uma vez que a doença clínica pode ser muito semelhante à provocada por outros poxvírus, como os causadores da catapora e mesmo da varíola humana 2. Devido ao temor do surgimento de novas pandemias e epidemias como a da Covid-19, com o registro de casos de MPV na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, as autoridades de saúde ligaram o alerta para o crescimento de casos notificados em áreas não endêmicas até o momento 3,8 (Figura 2).
O que é a doença varíola dos macacos? | É uma doença parecida com a varíola humana, já erradicada do mundo, porém muito menos grave. Geralmente é benigna, autolimitante, com mortalidade muito baixa. Foi identificada em primatas não humanos na África, mas na verdade é causada por um poxvírus que infecta pequenos roedores e, ocasionalmente, pessoas. Ficou por décadas restrita à África Central, com alguns casos anuais, sem chamar muita atenção. Recentemente surgiu na Europa, o que despertou a atenção da mídia e de autoridades sanitárias. |
O surto dessa doença já era esperado ou foi uma surpresa? | Foi uma surpresa, mas esse tipo de surto tem ocorrido ao longo dos tempos com outras doenças, com vírus que são introduzidos em populações suscetíveis. |
Qual é o risco de uma pandemia de varíola dos macacos? | Muito baixo. A doença é bem conhecida, e sabe-se como controlá-la; existem vacinas em desenvolvimento ou já desenvolvidas, e a transmissibilidade é muito mais baixa que a do SARS-CoV-2, por exemplo. Além disso, já há esse alerta, o que vai agilizar a tomada de medidas de controle. |
Há vacina para o vírus da varíola dos macacos? | Como o Monkeypox se aproxima ao da varíola humana, a vacina se mostra eficaz na proteção contra ambas as doenças. |
Como os médicos-veterinários podem fazer frente a esse surto? | Por meio do esclarecimento da população, enfatizando que não há motivo para pânico, que os sinais são bem típicos (feridas, pústulas e vesículas na pele). E frisando que, em caso de aparecerem esses sinais, deve-se procurar ajuda médica. |
Figura 2 – Orientações do especialista prof. Eduardo Flores
Diferença da varíola dos macacos para a varíola dos seres humanos
As primeiras investigações que caracterizaram as diferenças entre o MPV e o vírus da varíola humana ocorreram a partir de cultura de células e estudos experimentais 9. Devido à resposta imune semelhante, a exposição ao MPV e à varíola humana não pode ser diferenciada de forma confiável por diagnóstico sorológico 9. Apesar de menos contagioso que o vírus humano, o MPV se assemelha a ele pelo período de incubação de 10-16 dias e pela sintomatologia, com febre, mialgia e lesões pustulosas no corpo 1,10. No MPV, a descamação das crostas de pele ocorre após 21 dias, enquanto na varíola humana ela se dá após 14 dias 1. Além disso, as duas doenças se diferenciam também na profundidade da lesão cutânea, com lesão superficial no MPV e profunda na varíola humana, que pode levar a desfiguração 1.
Para casos de infecção com MPV, a letalidade pode variar entre 0 e 11%, enquanto a da varíola pode chegar a 30% 1,4,10. De acordo com a literatura, devido à proximidade filogenética, as vacinas utilizadas no programa de erradicação do vírus da varíola humana também parecem fornecer proteção imunológica contra o MPV 5. Além dessa proteção cruzada, outras vacinas estão sendo desenvolvidas especificamente para a varíola dos macacos 5.
Casos humanos de varíola dos macacos em países não endêmicos
A partir do dia 30 de março de 2022 e até 28 de junho, 49 países confirmaram 4.607 casos humanos de varíola dos macacos em indivíduos sem histórico de viagem ou ligação direta com áreas endêmicas, a maioria deles no Reino Unido (1.076 casos) 8,11. Os países não endêmicos e com surto da doença no momento e seus respectivos casos são: Alemanha (838), Espanha (736), Portugal (373), França (330), Países Baixos (257), Estados Unidos da América (244), Canadá (235), Itália (127), Bélgica (77), Suíça (68), Israel (29), Irlanda (28), Brasil (21), Áustria (20), Dinamarca (16), Emirados Arabes (13), Suécia (13), México (11), Austrália (10), Eslovênia (9), Hungria (7), Polonia (7), República Tcheca (7), Romênia (6), Chile (6), Argentina (4), Finlândia (4), Noruega (4, Colômbia (3), Grécia (3), Islândia (3), Luxemburgo (3), Bulgária (2, Letônia (2), Malta (2), África do Sul (1), Coreia do Sul (1), Croácia (1), Georgia (1), Gibraltar (1), Líbano (1), Marrocos (1), Peru (1), Sérvia (1), Singapura (1), Tailândia (1), Taiwan (1) e Venezuela (1) 8,11,12. Os casos foram confirmados por diagnóstico molecular (PCR), e nenhum óbito foi relatado até o momento 8. Os países considerados endêmicos para a varíola dos macacos estão situados na África Central e Ocidental: Benin, Camarões, Gabão, Gana, Costa do Marfim, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Libéria, Nigéria, Serra Leoa e Sudão do Sul 8.
No Brasil, o Ministério da Saúde (MS) criou a Sala de Situação de Monkeypox em 23 de maio de 2022, com o objetivo de monitorar e investigar os casos que estão ocorrendo no mundo e elaborar documentos técnicos para ações públicas 6. No momento, há 23 casos suspeitos de varíola dos macacos no Brasil, em Santa Catarina, Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Paraná, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Goiás, além de 51 casos descartados 13.
De acordo com o MS, caso suspeito se refere ao de um indivíduo de qualquer idade que, a partir da data de 15 de março de 2022, tenha apresentado febre súbita, adenomegalia e progressiva erupção cutânea papulovesicular” 14. Já caso provável se refere ao de um indivíduo que atende à definição de caso suspeito, além de ter vínculo epidemiológico com caso suspeito ou confirmado, ou ainda histórico de viagem para país endêmico ou com casos confirmados de Monkeypox nos 21 dias anteriores ao início dos sintomas, sem confirmação laboratorial 14. Caso confirmado refere-se ao do indivíduo que atende à definição de caso suspeito ou provável e que tenha sido confirmado laboratorialmente para o MPV por diagnóstico molecular (qPCR e/ou sequenciamento) 14. Caso descartado é aquele que não foi confirmado laboratorialmente para o MPV, com diagnóstico para outro patógeno como varicela, herpes zóster, sarampo, zika, dengue, chikungunya, herpes simples, infecções bacterianas da pele, infecção gonocócica disseminada, sífilis primária ou secundária, cancroide, linfogranuloma venéreo, granuloma inguinal, molusco contagioso (poxvírus) e reação alérgica 14.
Como mencionado anteriormente, o surto de MPV nos países com notificação tem ocorrido pela transmissão comunitária de pessoa a pessoa, e que apesar do nome, os primatas não humanos não são considerados reservatórios do vírus, mas suscetíveis ao vírus, assim como esquilos, ratos, gambianos e arganazes 15. Conforme destacou recentemente o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), o médico-veterinário, como profissional de Saúde Pública, além do papel da educação e esclarecimento, deve considerar algumas medidas ao atender animais suscetíveis e suspeitos para o MPV: descartar adequadamente o lixo infectante; higienizar as superfícies com detergente e desinfetante; lavar as roupas possivelmente contaminadas com água quente e detergente sem chacoalhar para não dispersar partículas virais; manter a comunicação com os serviços de vida selvagem, os serviços veterinários e os serviços de saúde pública; coletar amostras de swab das lesões, de secreções orais e nasais, e sangue para teste em laboratório de referência oficial; notificar caso suspeito à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) e a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) 15.
Considerações finais
Apesar do surto em 49 países, neste momento a preocupação de uma nova pandemia como a da Covid-19 não se sustenta, uma vez que o padrão de transmissão e infecção do vírus da varíola de macacos é muito diferente do do SARS-CoV-2 (via aerógena), com transmissão por contato direto de pessoa a pessoa ou materiais contaminados. O surto de MPV tem ocorrido pela transmissão de pessoa a pessoa, e primatas-não-humanos não são considerados reservatórios da doença, mas sim suscetíveis ao vírus. Nesse contexto, os médicos-veterinários têm como responsabilidade esclarecer que, apesar da denominação, o monkeypox vírus é transmitido principalmente pelo contato de pessoa a pessoa em áreas não endêmicas, e que nenhuma violência ou preconceito se justifica em relação aos primatas não-humanos ou outros animais silvestres suscetíveis.
Referências
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