Medicina veterinária do coletivo em territórios tradicionais e originários
Uma abordagem socioambiental em saúde única
Introdução
A medicina veterinária do coletivo (MVC) originou-se da necessidade de promover a saúde animal de forma integrada, especialmente em abrigos, levando em conta não apenas o bem-estar dos animais, mas também a saúde pública e a proteção ambiental. Com o tempo, a MVC evoluiu para abordar questões sociais, como o controle de zoonoses, a proteção dos animais em comunidades vulnerabilizadas e a promoção de práticas sustentáveis 1. Hoje, a MVC desempenha um papel fundamental na educação comunitária, na vacinação em massa e em campanhas de sensibilização, contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida de animais e humanos. Além disso, busca soluções colaborativas que envolvem governança, organizações não governamentais e a sociedade civil, fortalecendo e reconhecendo a interconexão entre a saúde dos animais, dos seres humanos, das plantas e do ecossistema, fundamentando-se na abordagem de saúde única, ou, uma só saúde 2.
A inter-relação entre ser humano, animal e ambiente, proposta pelo conceito da medicina veterinária do coletivo permite elucidar a existência de problemas ambientais, sanitários e até mesmo sociais – como a vulnerabilidade socieconômica e a relação entre o crime de maus-tratos aos animais e a violência interpessoal humana – e desenvolver ações intersetoriais, em consonância com muitos dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU 3,4.
No cenário atual, quando as doenças zoonóticas e a crise climática são desafios crescentes, é imperativo que profissionais da medicina veterinária, da saúde coletiva, antropologia, assistência social, psicologia e outras especializações atuem de maneira colaborativa e interdisciplinar na formulação de estratégias de intervenção que visam não apenas a prevenção e o tratamento de doenças, mas também a promoção do bem-estar único, considerando os aspectos humanos, animais e ambientais 5. Nesse contexto, os Povos e Comunidades Tradicionais e Originárias do Brasil (PCTO) são essenciais para a conservação da biodiversidade e a promoção de práticas sustentáveis, ocupando cerca de 25% do território nacional. Reconhecer e valorizar esses povos é crucial para a justiça social e a sustentabilidade ambiental.
Este artigo tem como objetivo apresentar e aprofundar os princípios e práticas que sustentam essa abordagem integrada, promovendo um entendimento abrangente das relações intrinsecas que existem nos ecossistemas e nos territórios dos PCTOs, utilizando como modelo de relato, quatro territórios indígenas do estado de Minas Gerais, Brasil.
Medicina veterinária do coletivo
A medicina veterinária do coletivo é uma abordagem integrativa que se concentra na saúde e bem-estar de animais, seres humanos e ecossistemas, reconhecendo a interconexão entre esses elementos na promoção da saúde coletiva. Essa prática se fundamenta na abordagem de saúde única, que enfatiza a importância da colaboração entre diferentes disciplinas e setores para abordar os determinantes e agravos sociais e ambientais que afetam a saúde animal, humana, vegetal e ambiental.
A medicina veterinária do coletivo busca promover a saúde de populações de animais em contextos comunitários, adotando práticas que englobam educação em saúde, prevenção de doenças e promoção de intervenções sustentáveis que impactem positivamente nas comunidades 6.
As abordagens da medicina veterinária do coletivo são amplas e adaptáveis a diversas realidades, promovendo a inclusão dos saberes locais e a colaboração com as comunidades para o desenvolvimento de soluções contextualizadas e personalizadas. Contudo, apenas recentemente no Brasil, medidas da MVC direcionadas aos povos originários, com uma visão em saúde única, e não unicamente sanitarista, tem sido aplicada. Apesar da riqueza de pesquisas com a temática em territórios indígenas, grande parte foca em levantamentos 7,8,9, mais do que na troca dos saberes e intervenções centradas na problemática aplicada.
A medicina veterinária faz uso dessa abordagem multifatorial e interdisciplinar que contribui para a redução dos agravos à saúde pública associados a doenças zoonóticas, a fim de promover a sustentabilidade na relação homem-animal-ambiente, que por sua vez possibilita a sinergia que potencializa o impacto de suas intervenções integradas.
Saúde única e sua complementaridade com a medicina veterinária do coletivo
A saúde única é um conceito que reconhece a interdependência entre a saúde humana, a saúde animal, a saúde vegetal e a saúde ambiental/ecossistêmica, promovendo uma abordagem integrada para o manejo de questões de saúde em um mundo cada vez mais interconectado 2.
A saúde única é essencial para o controle de doenças zoonóticas, a resistência a antimicrobianos e as crises ambientais que representam uma crescente ameaça à saúde pública global, ressaltando a importância de uma abordagem interdisciplinar 11. Nesse contexto, a medicina veterinária do coletivo se destaca como uma prática complementar essencial, alinhada com os princípios da saúde única, ao buscar estratégias que atendam não apenas às necessidades de saúde animal, mas também ao bem-estar das comunidades e dos ecossistemas. Além disso, busca promover intervenções em saúde e educativas que consideram o contexto local, valorizando as práticas tradicionais e o conhecimento das comunidades para melhorar a saúde do coletivo 11,12. Ao unir os princípios da saúde única à medicina veterinária do coletivo, consegue-se criar uma rede mais eficaz para enfrentar desafios de saúde multifatoriais, promovendo, assim, uma relação harmoniosa entre saúde humana, animal, vegetal e ambiental 13.
Povos e comunidades tradicionais e originários do Brasil
Os povos e comunidades tradicionais e originárias do Brasil (PCTOs), desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade e na promoção de práticas sustentáveis 14,15. Essas comunidades, que preservam conhecimentos ancestrais sobre o manejo dos recursos naturais, ocupam aproximadamente 25% do território brasileiro e são responsáveis pela proteção de ecossistemas cruciais, como florestas tropicais e áreas de cerrado. Segundo o relatório da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) de 2020 16, as terras indígenas têm uma taxa de desmatamento significativamente menor em comparação com áreas não protegidas, evidenciando a eficácia das práticas tradicionais de uso da terra na conservação ambiental. Além disso, o trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) 17 destaca a importância de um modelo de agricultura familiar que respeite a diversidade biológica e promova a soberania alimentar 18. Dessa forma, esses grupos têm suas raízes profundamente ligadas à terra, e seus saberes, práticas e filosofias de vida são moldados por séculos de interações com os ecossistemas em que habitam, sendo necessária a valorização e o reconhecimento dos direitos dos povos tradicionais não apenas para a preservação de suas culturas, mas também para a sustentabilidade ambiental no Brasil 19.
Nesse contexto, destacam-se anbirobeiras, apanhadores de sempre-vivas, caatingueiros, castanheiras, catadores de mangaba, ciganos, cipozeiros, extrativistas, faxinalenses, fundo e feixo de pasto, geraizeiros, ilhéus, indígenas, isqueiros, morroquianos, pantaneiros, pescadores artesanais, piaçaveiros, pomeranos, povos de terreiro, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, ribeirinhos, retireiros, seringueiros, vazanteiros, veredeiros, dentre outros ainda em reconhecimento.
Com destaque aos povos originários, o Brasil possui cerca de 1,2 milhão de indígenas distribuídos em mais de 300 etnias. O Censo de 2022 (Figura 1) realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 20 revela que aproximadamente 1.694.836 milhões de pessoas se autodeclaram indígenas, englobando diversas etnias e línguas, como o Guarani, o Tikuna e o Yanomami, que são algumas das mais representativas. Estima-se que há cerca de 274 línguas indígenas faladas no Brasil, destacando a enorme diversidade cultural presente no país.
Os territórios indígenas desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade, abrigando aproximadamente 22% da superfície terrestre e, preservando cerca de 80% da biodiversidade florestal remanescente mundialmente 21. Esse fenômeno é evidenciado pelo fato de que as terras indígenas são frequentemente menos degradadas e apresentam uma rica diversidade de flora e fauna, devido às práticas tradicionais de manejo sustentável adotadas por esses povos. O etnozoneamento de terras indígenas chega como uma ferramenta importante pois cria uma série de instrumentos e produtos vitais para ajudar as comunidades na tomada de decisão sobre o próprio futuro e o uso dos elementos naturais e culturais (ECAM) 22. Além disso, a proteção dos territórios indígenas pode ser uma estratégia eficaz para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, garantindo a resiliência dos ecossistemas 6,23. Assim, o reconhecimento e a valorização dos territórios indígenas são vitais para promover a biodiversidade e a sustentabilidade ambiental em nível global.
Os povos originários mantêm uma relação intrínseca com a terra, como um elemento sagrado que sustenta suas culturas e identidades. Infelizmente, esses grupos têm enfrentado desafios ao longo da história, incluindo a colonização, a exploração econômica e a violação de seus direitos territoriais. Essa luta pela preservação de suas terras e culturas continua, como uma forma de resistência e resiliência 24. Uma contribuição central das bases teóricas indígenas sobre as relações ecológicas é a ausência de separação entre contextos sociais e naturais. As abordagens indígenas também captam variáveis e relações ecológicas sutis, muitas vezes ignoradas pelas ciências ocidentais tradicionais, mas apoiadas pelas teorias socioecológicas contemporâneas em diálogo com as ciências indígenas, que também mostram que tratar os seres humanos como agentes excepcionais separados dos ecossistemas é menos eficaz para entender o funcionamento e a dinâmica ecológica do que considerar os seres humanos como participantes dos ecossistemas 25.
Essa compreensão da história e das realidades atuais dos povos originários é essencial para promover a justiça social e os direitos humanos no Brasil, pois reconhecer e respeitar suas lutas é um passo fundamental para construir um futuro mais justo, no qual a diversidade cultural seja valorizada.
Justificativa para ações de saúde única e MVC em PCTOs
A abordagem holística da saúde única em PCTOs é a única capaz de interagir com a complexidade da relação entre a saúde humana, animal. vegetal e ambiental, respeitando e valorizando o conhecimento e as práticas locais 26.
Além disso, a valorização dos conhecimentos tradicionais e a participação das comunidades na elaboração e implementação de estratégias de saúde são aspectos fundamentais para o sucesso dessas ações. Ao integrar a MVC com a Saúde Única, é possível desenvolver programas que além de promover saúde e tratar doenças, se transformam em instrumentos fortalecedores da resiliência nas comunidades, protegendo tanto a biodiversidade local quanto os modos de vida tradicionais. Esse modelo de atuação, portanto, é uma estratégia eficaz para promover a saúde e o bem-estar em regiões que são, muitas vezes, vulnerabilizadas e marginalizadas.
Dentre as justificativas para a implementação de ações de saúde única em territórios tradicionais e originários, destaca-se a conexão cultural e espiritual que essas comunidades têm com seu ambiente. As práticas e crenças culturais estão profundamente ligadas à saúde, tornando essencial a integração desse conhecimento nas ações de saúde 27. Além disso, PCTOs frequentemente abrigam uma rica biodiversidade, que é fundamental para a medicina tradicional e o manejo de recursos naturais; assim, a promoção da saúde deve considerar as interações ecológicas e valorizar o conhecimento local sobre plantas medicinais e práticas sustentáveis 21,28.
Essas comunidades também enfrentam vulnerabilidades sociais e ambientais, como o acesso limitado a serviços de saúde, a degradação ambiental e os impactos das mudanças climáticas 29. A abordagem de saúde única pode abordar essas questões de forma holística, promovendo a resiliência comunitária. O envolvimento ativo das comunidades nas decisões que afetam seu bem-estar é outro aspecto importante, pois isso contribui para a efetividade das ações de saúde ao considerar as necessidades e prioridades locais 30.
A saúde única ainda enfatiza a sustentabilidade ambiental e o uso responsável dos recursos naturais, especialmente em territórios tradicionais, onde os hábitos de consumo e produção impactam diretamente a saúde da população e do ecossistema 21,31. A prevenção de doenças zoonóticas é crucial, uma vez que muitas doenças emergentes surgem da interação entre seres humanos, animais e o meio ambiente. Em comunidades próximas a áreas silvestres ou que praticam o manejo de animais, as ações de saúde única e a medicina veterinária coletiva são fundamentais para a prevenção e controle de zoonoses 32.
Por fim, a implementação dessas ações pode promover políticas públicas inclusivas que respeitem e integrem a diversidade cultural, garantindo que os serviços de saúde sejam mais acessíveis e equitativos para todos 33.
Ações implementadas
Após demanda da comunidade, foram realizadas ações para promoção de saúde única que tiveram início no ano de 2022 em quatro aldeias na região metropolitana de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais: Aldeia Arapowãna Kakyá da etnia Xucuru-Kariri na região de Brumadinho; Aldeia Kamakã-Mongoió da etnia Kamakã na região de Brumadinho; Aldeia Katurãma da etnia Pataxó e Pataxó hã hã hae em São Joaquim de Bicas; Aldeia Naô Xohã da etnia Pataxó em São Joaquim de Bicas (Figura 2).
As ações de saúde única são comumente estruturadas em cinco etapas: diagnóstico situacional e socioambiental, planejamento participativo, capacitação da comunidade, implementação das ações e avaliação dos resultados. Os dados apresentados nesse artigo representam apenas os aspectos associados às etapas de intervenção em saúde animal e ambiental realizadas entre os anos de 2022 e 2024.
Diagnóstico situacional e socioambiental
Esta etapa inicial é realizada por meio de entrevistas com os moradores, que visa entender as demandas, dificuldades, oportunidades e as relações com o meio (Figuras 3 e 4). A intervenção utilizando questionários específicos foi realizado nas aldeais Arapowãna Kakyá e Kamakã-Mongoió pelo Projeto Rondon Minas com a participação de uma equipe transdisciplinar com professores e estudantes dos cursos de ciências socioambientais, ciências sociais, gestão pública, enfermagem, serviço social, psicologia, engenharia civil, medicina, medicina veterinária, pedagogia, sistema de informação e fisioterapia de várias faculdades de Minas Gerais. Esse formulário engloba questões diretas, que são divididas em blocos: Perfil familiar, Serviços públicos, direito à cidade e moradia, perfil de saúde, situação econômica, envolvimento comunitário, esporte e lazer e problemas na comunidade além da e análise de dados disponíveis.
Através desse diagnóstico, é possível, por exemplo, entender a dinâmica de cada comunidade, em termos de organizações sociais, taxa de desemprego, principais doenças que afetam, principais desafios ambientais (Figura 5), e, os aspectos demográficos locais, como demonstrado pelas figuras 6 e 7. No geral, observa-se uma distribuição equilibrda entre homens e mulheres, tanto adultos como crianças, nas aldeias, como pode-se observar na aldeia Arapowãna Kakyá (29 homens, 19 mulheres), na aldeia Kamakã-Mongoió (12 homens e 13 mulheres), Katurãma (27 homens e 28 mulheres), e, Naô-Xohã (26 homens e 12 mulheres).
Além disso, a colaboração com lideranças locais e a inclusão de médicos-veterinários asseguram que as informações coletadas sejam relevantes e respeitem a cultura da comunidade, em especial as questões que envolvem animais e as relações ecossistêmicas.
Em consideração aos aspectos de saúde única, além do diagnóstico situacional e socioambiental a partir dos questionários, realiza-se um levantamento de dados anteriores disponíveis pelas lideranças e pelo sistema de saúde local (se disponível). Além disso, com foco no mapeamento ambiental e no monitoramento das espécies que ocorrem, ferramentas como o veículo aéreo não-tripulado (Vant) (Figuras 8 e 9), e, o monitoramento passivo através do armadilhamento fotográfico (câmeras trap) (Figuras 10 e 11), também são utilizados.
Planejamento participativo
Com base no diagnóstico, um plano de ação é desenvolvido em conjunto com a comunidade. Esse plano leva em consideração as necessidades específicas identificadas e as capacidades locais. Reuniões comunitárias são fundamentais para discutir possíveis intervenções, estabelecer prioridades e definir o papel de cada membro da comunidade. Este planejamento deve também incluir discussões sobre a importância da saúde animal na saúde coletiva, evidenciando o conceito de saúde única.
Capacitação da comunidade com base na ecologia dos saberes
A capacitação dos moradores, especialmente aqueles que atuam como agentes de saúde coletiva, é crucial para a sustentabilidade das ações. Encontros sobre educação ambiental com foco em cuidados básicos com animais, manejo sanitário e reconhecimento de doenças comuns também são fundamentais, associados à parceria e treinamento de líderes comunitários para garantir o sucesso das intervenções. Além disso, faz-se necessário o processo de escuta ativa e reflexiva das equipes de intervenção, aprendendo com a comunidade as formas de enfrentamento das questões em saúde única, especialmente, no que tange esse artigo, as questões em saúde animal. Com base na ecologia dos saberes, deve-se também realizar as práticas de educação sanitária em saúde e meio ambiente, que busca integrar e fazer parte do processo de aprendizagem em uma via de mão dupla: associação do conhecimento tradicional com o conhecimento científico-acadêmico 34 (Figuras 12, 13 e 14).
Implementação das ações
As ações de atendimento com foco nas abordagens em saúde única são amplas e devem ser realizados de acordo com as demandas locais, tanto nas questões em saúde humana (atendimento médico, odontológico, psicológico), como em saúde animal. Como foco desse trabalho, as questões em saúde animal geralmente são mais negligenciadas pela falta de apoio de equipamentos públicos para a promoção de qualidade de vida animal. Dessa forma, a demanda por atendimentos para a saúde de animais de pequeno porte, animais de grande porte, e, até mesmo da fauna silvestre, são recorrentes.
Ao longo do diagnóstico participativo, uma informação importante para a intervenção de sucesso é o levantamento demográfico animal, como demonstrado pela Figura 15. A partir deste levantamento, as expectativas de custos e formas de abordagem devem ser consideradas, permitindo um planejamento mais assertivo das ações. Geralmente se observa nessas localidades que as aves domésticas são os animais de maior densidade, seguidas pelos cães e gatos. Contudo, em algumas localidades, os suínos e equinos (Figura 16) também são comuns, assim como pets não-convencionais (PNC’s) como porquinhos-da-índia (Cavia porcellus), periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus), e até mesmo animais silvestres como o quati (Nasua nasua) (Figura 17).
Como medida direta de intervenção em saúde única para os animais com maior proximidade da comunidade, medidas voltadas para cães e gatos, como campanhas de vacinação antirrábica e espécie-específicas, atendimentos clínicos e tratamento de doenças, castração cirúrgica e cuidados preventivos (controle de endoparasitos, e, ectoparasitos) (Figuras 18, 19 e 20). Contudo, é importante o atendimento de outras espécies animais, especialmente as espécies comumente utilizadas para a finalidade econômica, tais como aves domésticas, bovinos e suínos (Figura 21). A ausência de orientações sobre a saúde desses animais leva a sérios riscos não apenas para o bem-estar desses indivíduos, mas também nos riscos associados a seguridade alimentar.
A equipe de saúde animal, composta por profissionais da medicina veterinária, estudantes de graduação e multiplicadores geralmente se organizam em duplas ou trios em locais estratégicos da comunidade, garantindo que os serviços sejam acessíveis a todos. É importante também oferecer orientações sobre saúde coletiva, incluindo a relação entre a saúde animal, a saúde do ambiente e a saúde das pessoas, evitando a disseminação de notícias falsas ou de risco para a relação ser humano-animal.
Avaliação dos resultados
A avaliação do impacto das ações é realizada de forma contínua e participativa, com indicadores que considerem tanto a saúde animal quanto a percepção da comunidade sobre as melhorias alcançadas. Reuniões de feedback podem ser realizadas para discutir os resultados e ajustar as ações conforme necessário. Além disso, a documentação e a divulgação dos trabalhos, quando apropriado, podem contribuir para a sensibilização externa sobre a importância da medicina veterinária do coletivo e saúde única em contextos indígenas.
Este método integrado visa não apenas promover a saúde dos animais, mas também sensibilizar a comunidade sobre a interconexão entre o bem-estar dos animais, a saúde humana e a conservação dos ecossistemas, consolidando a importância da MVC nos territórios indígenas.
Durante a avaliação e intervenção, as ferramentas disponíveis para facilitar a comunicação com os territórios são essenciais. A exemplo, para a realização de cirurgias de castração, é importante a divulgação não apenas através das ferramentas digitais em uma linguagem simples e atrativa, mas também no “boca-a-boca”, permitindo que todos tenham acesso à informação. Anterior a isso, especialmente em cenários de parcerias, como pelos Centros de Controle de Zoonoses (CCZs), é importante a avaliação clínica, colheita de exames complementares (quando possíveis), e o diálogo aberto com a população, reduzindo os riscos de preconceitos ou informações errôneas sobre a cirurgia e seus benefícios, inclusive a contraindicação do procedimento para alguns animais (Figura 22).
Como aspecto importante de avaliação dos resultados, pode-se citar o acompanhamento da casuística de agravos e doenças, mas também as ferramentas disponíveis para facilitar a comunicação com os territórios. Ao longo desse processo, entender como as ações têm sido realizadas e fomentar um diagnóstico adequado é essencial, principalmente considerando a busca de investimentos mais precisos em ferramentas diagnósticas e terapêuticas. Por exemplo, nos territórios apresentados nesse artigo, os agravos por parasitismo externo, especialmente, tungíase, dermatobiose (Figura 23), puliciose, ixodidiose, e, miíases são os mais comumente observados, incluindo casos de dermatobiose e tungíase em pessoas. Secundariamente, observam-se casos de doenças infectocontagiosas, como os vírus da cinomose canina (CDV) e da parvovirose canina (CPV), mas também de hemopatógenos, como a ehrlichiose monocítica canina, a babesiose canina, a leishmaniose visceral canina (Figura 24), e, quadros de dermatofitose. Além disso, em uma aldeia, casos de neonatologia, especialmente infecções secundárias a traumas e aspectos associados ao cuidado parental têm sido observados. Esse panorama do perfil epidemiológico de casos nos territórios atendidos é demonstrado na figura 25.
Considerações finais
A abordagem da medicina veterinária do coletivo, com foco em saúde única nos territórios tradicionais, é essencial para promover um bem-estar integrado capaz de abranger a saúde animal, humana, vegetal e ambiental. Tais iniciativas são imprescindíveis para prevenir agravos e doenças zoonóticas, manejar de forma ética a população de animais domésticos, além de fortalecer práticas sustentáveis que respeitam as tradições locais. A realização de imunizações, castrações cirúrgicas e exames clínicos é crucial para assegurar a saúde dos animais e, por consequência, das comunidades.
É fundamental destacar a importância das equipes multidisciplinares e transdisciplinares, pois a colaboração entre diferentes áreas é vital para a efetividade da saúde coletiva. Além disso, as atividades de educação ambiental e em saúde desempenham papel significativo ao fomentar a sensibilização sobre a interdependência entre os seres vivos e os ecossistemas que habitam.
Ressalta-se que a saúde e a autonomia dos povos tradicionais devem estar no centro dessas ações, uma vez que estes são os principais guardiões e regeneradores do meio ambiente, contribuindo de forma essencial para a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas. A valorização do conhecimento ancestral e das práticas sustentáveis dessas comunidades é vital para a proteção ambiental e a prevenção de crises climáticas. Engajar essas populações em práticas de saúde coletiva não só melhora sua qualidade de vida, mas também fortalece a resiliência dos ecossistemas locais.
Assim, a integração da medicina veterinária do coletivo com os princípios da saúde única em territórios tradicionais configura-se como um pilar para a construção de uma sociedade mais equilibrada e sustentável, na qual a saúde dos seres humanos e do planeta estejam interligadas.
Agradecimentos
As intervenções do Instituto Awêry foram realizadas a partir da parceria com as seguintes instituições: Projeto Rondon Minas, Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo, Centro Universitário UNA, campus Linha Verde e campus Liberdade, Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Hospital Veterinário da Faculdade Arnaldo, Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Brumadinho (médica-veterinária Talissa Faria e médica-veterinária Júlia Goulart), Laboratório Biopet, Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad).
Agradecemos ao Cacique Sucupira, à Cacica Ãgohó, ao Cacique Rogério, ao Cacique Arapowãnã, à Jizelma, à Katorã por abrir as portas dos territórios e permitir que tudo isso seja possível!
Agradecemos também a todos os voluntários que se dedicam com tanto amor em nossas ações.
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