Investigação populacional de cães e gatos
Ferramenta para efetivo manejo populacional dos municípios
Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter estimado uma proporção cão:homem de 1:7 para países em desenvolvimento 1, diversos estudos têm demonstrado uma subestimativa da população de animais de companhia no Brasil. Infelizmente, o Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), órgão brasileiro responsável pela investigação de estatísticas sociais, demográficas, econômicas e de geociências, não incluiu animais de companhia no último censo geral da população brasileira em 2010, em que foram visitados e analisados todos os domicílios, contabilizando o montante de 200,4 milhões de brasileiros 2.
Em 2013, o próprio IBGE realizou uma pesquisa amostral para o Ministério da Saúde, chamada de Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que finalmente incluiu animais domésticos. Nessa pesquisa, uma população total de 52,2 milhões de cães e 22,1 milhões de gatos foi extrapolada para o Brasil 2,3, numa proporção de cão:homem 1,82 vez maior (1:3,84) que a estimada pela OMS. Essa pesquisa mostrou que 44,30% das casas brasileiras possuíam ao menos um cão, e 17,70%, ao menos um gato; e ainda que essa proporção nacional média não representava as variações regionais, e estas não representavam as de cada estado da Federação. A conclusão foi que existe variação na proporção – e, consequentemente, na população – de cães e gatos por região, estados e municípios brasileiros.
Ao se observar detalhadamente a realidade dos municípios, essa proporção tem sido ainda mais variável, a exemplo de diferentes pesquisas realizadas no estado do Paraná. Em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, essa relação foi de 1:2,69 4, ou seja, 78,53% das residências tinham no mínimo um animal de estimação 5; no município vizinho de Pinhais, 62,43% das casas tinham animais 6; e em São Mateus do Sul, na divisa sul com o estado de Santa Catarina, a relação foi de 1:3,92, ou seja, 70% das casas tinham animais de companhia.
A necessidade desse tipo de levantamento populacional dos animais tem sido considerada importante desde a década de 1970, em particular pelo início das campanhas de vacinação antirrábica em todo o território nacional 7. Porém, não existe um método pronto ou uma forma certa, pois muitas variáveis devem ser consideradas, adaptadas e aprimoradas com projeções e fórmulas matemáticas que auxiliam nesse tipo de contagem 8,9. Outra forma de contabilização da população total de cães por município brasileiro já foi abordada anteriormente 10, sugerindo a inclusão de duas perguntas no novo questionário do censo geral agendado pelo IBGE para 2020.
Cada vez mais a sociedade exige políticas públicas de manejo populacional de cães e gatos, particularmente por causa da grande quantidade de animais nas ruas. Os programas efetivos de manejo precisam ser baseados em dados confiáveis, evitando a utilização de dados populacionais imprecisos ou incorretos. Cada município deveria avaliar suas realidades econômicas e sociais e decidir as formas de obtenção de informações sobre o tamanho real da população canina e felina, incluindo se possível os semi e não domiciliados, não avaliados pelo censo geral, o que dificulta aos gestores estimativas de investimento das verbas de maneira específica e respaldada 11,12.
Modelos de investigação populacional
O censo analisa todos os elementos de uma população, o que significaria contabilizar todos os cães e gatos de um município. Sua realização pode se dar por meio de ligações ou entrevistas em todas as residências e bairros da cidade. O ideal também seria, nesse tipo de investigação, identificar os cães semi e não domiciliados, para se estimar o universo total da população. O censo, realizado pelo IBGE a cada 10 anos, é uma medição dificultada pela necessidade de acesso a todas as pessoas do grupo, o que o torna demorado.
A pesquisa amostral – ou amostragem – é a realização de generalizações (extrapolações) sobre o universo da população, ou seja, ela examina uma parcela representativa do todo. Estamos mais indiretamente acostumados com a pesquisa amostral, uma escolha aleatória representativa de toda a população por meio de inferências estatísticas, como, por exemplo, as pesquisas eleitorais ou pesquisas de satisfação (Figura 1).
Segundo o Instituto Pasteur, em seu Manual Técnico de Controle de Populações de Animais de Estimação 7, outro método, considerado mais simples e de fácil aplicação, principalmente por prefeituras, pode ser utilizado para a mensuração da população de animais domésticos – o registro de atividades diversas, no qual a triagem de informações é baseada nas atividades já executadas pelo órgão público/privado, como, por exemplo: registro de microchip, programa de esterilização, etc.
Pesquisa amostral baseada em questionário
O grupo da Medicina Veterinária do Coletivo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem avaliado vários métodos desenvolvidos e utilizados no Brasil, sugerindo abaixo um passo a passo simplificado de pesquisa amostral populacional de cães e gatos:
1. Elaboração de um questionário – O questionário (Figura 2) configura uma das partes mais importantes da pesquisa, pois, com uma boa elaboração de perguntas, além da dinâmica da população animal, é possível determinar a percepção dos moradores sobre a questão animal e outras questões de interesse do órgão aplicador. Para isso, quanto mais claras e objetivas forem as perguntas, preferencialmente com opções de sim ou não, melhor será a qualidade das suas análises e respostas.
2. Conhecimento da área da cidade e delineamento – É necessário conhecer o tamanho/forma do munícipio, ou seja, o perfil urbano (shape). O IBGE define os setores censitários (Figura 3) como um controle cadastral do número de domicílios em que um recenseador (ou entrevistador) consegue aplicar questionários por dia. Esses setores são apresentados no formato DGN, específico para leitura de mapas, e fornecem divisão em meso e microrregiões, setores urbanos e rurais de todas as cidades do país. Nos municípios, esses perfis urbanos são conhecidos e geralmente obtidos pelos dados do Programa Nacional de Controle da Dengue ou por empresas de água e/ou energia da cidade que utilizam o sistema de recenseadores para as suas atividades.
O uso de programas estatísticos (ambiente R, Excel, Epi Info e outros) e de geoprocessamento (Arc View Gis ® e outros) auxilia a definir o tamanho da amostra na distribuição das casas para a pesquisa e a realizar o sorteio aleatório das residências. O cálculo de amostragem de escolha por aglomerado determina a quantidade de questionários aplicados. Essa técnica visa explorar a variabilidade de grupos da população inteira (clusters), tendo como vantagem a facilidade de aplicação, por diminuir significativamente o deslocamento dos recenseadores. E, para determinar que domicílios serão entrevistados, utilizam-se programas de randomização, ou seja, um sorteio aleatório – a partir do cálculo estratificado para aglomerado (Figura 4), sempre marcando um ponto de partida em cada quarteirão, para facilitar e padronizar a saída.
3. Aplicação do questionário – O dia da aplicação deve ser preparado previamente, com a devida divulgação para os munícipes e a identificação das equipes, além da quantidade suficiente de material de trabalho, mapas, GPS e telefones para comunicação entre os recenseadores.
De acordo com a experiência do grupo, são necessárias 8-10 horas para a aplicação de 300-400 questionários, com uma equipe de 20 pessoas (10 duplas). O entrevistador deve se manter imparcial para não influenciar a resposta do entrevistado, e as explicações devem ser realizadas ao final da entrevista (por isso a necessidade de perguntas claras no questionário e o treinamento prévio dos recenseadores).
4. Tabulação, processamento dos resultados e divulgação dos dados – Os resultados devem ser tabulados e importados para os programas estatísticos, a fim de calcular, por amostragem complexa, a estimativa das populações de cães e gatos. Também deverão ser realizadas as análises descritivas de todas as perguntas e as associações com o teste de Fisher com valor de significância (confiabilidade) maior que 95% (p>0,05), além da criação de tabelas, gráficos e pirâmides etárias dos animais, que tornem visíveis para a população as informações geradas, auxiliando na divulgação dos resultados para a comunidade pela mídia institucional.
Todos os resultados obtidos pela pesquisa amostral ou pelo censo da população podem ser divulgados por meio de audiência pública no município e da publicação em outros meios (acadêmicos), para a divulgação dos dados e métodos utilizados.
Conclusões
Existe variação na proporção – e, consequentemente, na população – de cães e gatos por região, estados e municípios brasileiros. O censo municipal contabiliza todos os cães e gatos dentro das áreas urbana e rural de um município, enquanto a pesquisa amostral examina uma parcela da população que seja representativa do todo. Sem prévio censo ou pesquisa amostral do município, não há como estabelecer o ponto de partida nem os indicadores de eficiência, eficácia e efetividade dos diferentes programas de manejo populacional.
Referências
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