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Gatos mantidos em situação de acumulação

Análise de um caso em busca de melhores abordagens para essas situações

Gatos em situação de acumulação, mantidos em cômodo com móveis improvisados formando prateleiras, recobertas com pano. Disponibilidade de potes limpos com alimentos e água. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos Gatos em situação de acumulação, mantidos em cômodo com móveis improvisados formando prateleiras, recobertas com pano. Disponibilidade de potes limpos com alimentos e água. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

Introdução

O acúmulo de animais é definido no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5-TR), da American Psychiatric Association, como o acúmulo de um grande número de animais e a falha em fornecer padrões mínimos de nutrição, saneamento e cuidados veterinários e em agir sobre a condição da sua deterioração (incluindo doenças, fome ou morte) e sobre o meio ambiente 1, com ausência de percepção e negação do problema 2,3.

As pessoas em situação de acumulação de animais estão firmemente convencidas de que suas ações são inofensivas e que os animais não poderiam sobreviver sem sua assistência, autoclassificando-se como protetoras de animais 3. Entretanto, as condições de vida oferecidas aos animais em situação de acumulação podem ser caracterizadas como maus-tratos 4, na maioria dos casos, do tipo não intencional 5.

O acúmulo de animais é um transtorno presente em todas as sociedades, atingindo cerca de 2% a 6% da população mundial 6. Em 2014, foi estimado um aumento, ao ano, de 700 para 2.000 casos de acúmulo de animais nos Estados Unidos. Os autores ressaltaram que esses dados devem estar subestimados, pois apenas os casos mais graves são notificados ou notados pela população 7.

Os indivíduos portadores desse transtorno apresentam dificuldade patológica em se desfazer daquilo que acumulam, mesmo que os produtos da acumulação não lhes sejam úteis 1,8,9,10,11. Na percepção do indivíduo em situação de acumulação, ele se sente mais seguro guardando os itens acumulados, pois acredita que no futuro seu uso será necessário, seja devido a um valor financeiro ou afetivo 1,2,11,12.

Os relatos de casos de acumulação indicam que de 31% a 100% dos indivíduos que acumulam animais também acumulam bens inanimados, inservíveis 13.

As mulheres estão entre os indivíduos que mais acumulam, e não está clara a razão dessa disparidade de gênero 3. São majoritariamente solteiras, de meia-idade e moram sozinhas 3,8,14. Alguns estudos sugerem que a compaixão excessiva, a superexposição nas redes sociais e a grande população de cães e gatos abandonados nas ruas, sem políticas públicas que controlem esses animais, podem ser determinantes para que muitas mulheres recebam em seus lares ou resgatem animais de forma descontrolada e se tornem potenciais acumuladoras 5.

Observou-se que o número médio de animais acumulados é de 39, mas é comum que exceda 100 indivíduos 15. A detenção de um elevado número de animais não é o único sintoma que deve ser considerado, pois nem sempre há uma correlação direta entre o número de animais mantidos e o acúmulo 16. Na situação de acúmulo, de maneira geral, os animais sofrem de:
• desnutrição, por não disporem de alimentação adequada ou pela escassez de alimento;
• infecções virais, bacterianas e fúngicas;
• parasitoses;
• diarreia;
• afecções respiratórias; 
• estresse;
• medo; e
• desidratação.

Esse cenário e a quantidade de animais em ambiente restrito promovem e disseminam agentes de doenças entre eles, e possivelmente até zoonoses, que podem ser transmitidas ao indivíduo que acumula, aos vizinhos próximos e aos agentes de saúde que vistoriam o local 2,4,10.

Acredita-se que eventos traumáticos e problemas de relacionamento podem estar associados ao início do TA 17. Analisaram-se as denúncias de maus-tratos aos animais registradas na Prefeitura de Curitiba, Paraná, no ano de 2012. No período estudado, foram recebidas 2.162 denúncias, sendo que 81 delas (3,7%) tratavam de acúmulo de animais 18. Outro levantamento, feito no mesmo município junto às Secretarias Municipais de Saúde, Meio Ambiente e Assistência Social no período entre 2013 e 2015, constatou que, dentre 226 denúncias, 113 (50%) foram confirmadas como acúmulo compulsivo, das quais 48 (42,5%) de objetos, 41 (36,3%) de animais e 24 (21,2%) de objetos e animais 19.

É importante destacar que, segundo o conceito de Saúde Única, os problemas que ocorrem em uma sociedade são responsabilidade de todos, tanto da sociedade civil como de entidades governamentais e não governamentais 20, e a situação de acumulação é um deles. O acúmulo de animais é um problema real e complexo, que envolve a vulnerabilidade de seres humanos e animais e necessita de muita atenção, pesquisas e métodos de atuação 5,21,22.

 

Objetivo

O presente estudo tem como objetivo descrever o acompanhamento de um caso de acumulação de animais no município de São Paulo, no período de 2022 e 2023, e apresentar os desafios inerentes a ele.

 

Descrição da situação

Acompanhamento realizado em 2022 de um caso de acumulação, notificado ao Serviço de Controle de Zoonoses da Prefeitura de São Paulo no ano de 2015, de uma senhora de 72 anos que recebe acompanhamento psiquiátrico desde 2016, com terapia em grupo na Unidade Básica de Saúde local.

Essa senhora tinha 48 gatos (felinos domésticos) em três cômodos contíguos à sua residência, na Zona Sul do município de São Paulo. Os 48 animais haviam sido castrados, a maior parte deles pela Unidade de Vigilância de Zoonoses (UVZ) local, parte por voluntários independentes, estando a colônia fechada. A UVZ realiza a contagem dos gatos trimestralmente.

Em janeiro de 2022, um grupo de pesquisadores independentes de medicina veterinária do coletivo de São Paulo recebeu uma solicitação de intervenção junto a essa senhora, e foi realizada uma visita técnica para diagnóstico da situação. 

Verificou-se que todos os animais apresentavam condição geral satisfatória, com bom escore corporal, mas com discreto comprometimento respiratório. 

A partir das ações do grupo de pesquisadores em medicina veterinária do coletivo de São Paulo, a senhora que cuidava dos animais assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordando com intervenções nos animais e no ambiente e com a retirada de gatos para adoção. 

O acompanhamento do caso era realizado periodicamente pela equipe, uma vez a cada dois meses aproximadamente, e observou-se que os recipientes de comida estavam sempre limpos, com ração comercial de baixa qualidade oferecida de dia e retirada à noite. O ambiente, de maneira geral, estava limpo, com água limpa oferecida ad libitum em recipiente higienizado.

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Água disponível em potes mantidos limpos. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Entretanto, os gatos não dispunham de caixa de eliminação e defecavam no chão de cimento, que era lavado diariamente apenas com água, de modo que as fezes desciam para o ralo. Era possível visualizar proglotes de parasitos nas fezes. 

Havia odor de amônia de leve a moderado no ambiente, além da presença de baratas mesmo nas horas de claridade do dia.

Os três cômodos utilizados pelos animais eram contíguos, sendo que o do meio tinha uma janela para um corredor fechado onde se alojava muito material. Somente os dois cômodos das extremidades tinham uma janela cada que permitia ventilação, que era deficiente no cômodo de trás, devido a um muro alto próximo à janela. Assim, somente o cômodo da frente possibilitava uma melhor ventilação por meio de uma janela pequena. Entretanto, o cômodo da frente tinha um forro no teto que dificultava a ventilação e deixava o ambiente mais quente. 

Os gatos podiam circular entre os três cômodos, mas evitavam ficar no cômodo do meio.

O ambiente era pobremente verticalizado, com um móvel com três prateleiras que acomodava aproximadamente 15 gatos e um outro móvel posicionado abaixo de uma janela, em que era possível que oito a dez gatos tivessem acesso ao sol.­

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Prateleira instalada abaixo da janela com tela, na qual gatos podem observar o lado de fora do ambiente. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Sete gatos em local com gaiola e papelão extendido e disponibilidade de pote com ração recém oferecida. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Gatos em móveis improvisados para estabelecer prateleiras recobertas com panos, nas quais os gatos podem permanecer em alturas diversas, longe do chão. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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É importante registrar que os animais, salvo alguma exceção, se mostravam muito confortáveis, aproximando-se e interagindo na presença da senhora e dos pesquisadores.

Destaca-se também que na parte de fora da residência havia uma câmera de filmagem para tentar coibir o abandono de animais por terceiros na frente do imóvel.

 

Intervenção realizada

Diante do diagnóstico da situação, propuseram-se ações imediatas que foram realizadas isoladamente pelo grupo de pesquisa – ou seja, o grupo atuou sem intercâmbio ou trabalho conjunto com a UVZ ou outro setor da Prefeitura.

 

Ações com os animais

Foram realizadas a avaliação clínica e a vermifugação dos gatos com duas doses de ivermectina 0,4mg/kg empregadas com 15 dias de intervalo. Especificamente para o atendimento dos animais, foram realizadas cinco visitas. 

O intervalo depois da visita para a aplicação da segunda dose de vermífugo foi de aproximadamente 40 dias.

 

Ações no ambiente

Ocorreram duas visitas para a intervenção no ambiente. O chão foi lavado com água e sabão, e o forro do teto foi retirado para melhorar a ventilação e amenizar a temperatura do ambiente. Foram instaladas 12 caixas de eliminação com areia.

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Voluntário lavando o chão com água e sabão. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Voluntários pintando a parede do local. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Disponibilização de caixas sanitárias para gatos como parte das ações oferecidas pelos voluntários. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Gatos utilizando as caixas sanitárias, inclusive como abrigo e poleiro. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Para promover a verticalização do ambiente, foram instalados prateleiras e degraus na sala da frente. Entretanto, e infelizmente, os materiais usados na verticalização, nos dias subsequentes, se desprenderam e caíram, devido à fragilidade das paredes. Outro problema que surgiu foi a falta de recursos para a compra permanente de areia higiênica, e muitas vezes colocava-se jornal picado no lugar da areia. Com o tempo a senhora desistiu e preferiu lavar e guardar as caixas individuais de eliminação, com os animais voltando a defecar e urinar diretamente no piso.

Na tentativa de refazer a verticalização do ambiente, sugeriu-se o reforço das paredes que tinham mais contato com o sol. Inicialmente ficou acordado que a senhora conseguiria um pedreiro para fazer o reforço de algumas paredes do ambiente, mas, infelizmente, isso não foi realizado. O tempo foi passando, e a senhora, que havia solicitado a um familiar que fizesse o reforço das paredes, não conseguiu essa ajuda. Ressalta-se que o grupo de pesquisadores informou que arcaria com os custos de um pedreiro profissional.

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Voluntário preparando a prateleira para ser instalada na parede do local. Gatos próximos, confortáveis com a presença de pessoa estranha ao ambiente. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Prateleiras sendo instaladas na parede, gato acomodado em prateleira já instalada, confortável com a presença de pessoa estranha ao local. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Ambiente já com as prateleiras instaladas na parede, móvel de prateleiras cobertas com panos à direita e disponibilidade de vasilha de água. Créditos: Paula Andrea de Santis Bastos

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Ações com a pessoa em situação de acumulação

A senhora recebe, pelo menos desde 2016, em Unidade Básica de Saúde (UBS) local, atenção médica psiquiátrica, sem necessidade de medicação, e participa de terapia em grupo semanal. Desde o primeiro contato com o grupo de pesquisadores, ela autorizou que os gatos fossem adotados.

A senhora foi informada pela UVZ local de que não pode mais introduzir novos animais na sua residência, e para tanto foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Repentinamente, a senhora sofreu um acidente vascular cerebral, e, apesar de ter-se recuperado bem, não se sentiu mais segura para cuidar dos gatos. Por isso, ela solicitou a ajuda do grupo de pesquisadores para a doação de todos os animais.

A partir de então começaram os processos para retirar os gatos e prepará-los para adoção. Ao saírem do local, os gatos tomaram banho, receberam vermífugo comercial Praziquantel e pamoato de pirantel oral por três dias, com dose de reforço após 15 dias, e medicação mensal com antipulgas Selamectina 6% tópico. A retirada dos animais foi realizada por três participantes do grupo de pesquisadores que assumiram os custos das intervenções realizadas nos animais e ofereceram lar temporário até o momento da adoção. Essa ação está no início, mas quatro gatos já foram removidos, e dois foram adotados. Dentre os quatro, houve necessidade de castração de dois filhotes que haviam sido introduzidos recentemente na colônia e que também receberam vacinação polivalente e antirrábica.

A senhora foi avisada de que a entrada de novos animais não deveria ocorrer, porém, infelizmente, ainda há prática de abandono de animais por parte de munícipes e vizinhos na porta da casa de pessoas em situação de acumulação de animais.

 

Pontos analisados sobre o caso

Esta análise tem início destacando-se que a situação de acumulação de animais envolve muito sofrimento, pois os animais sofrem, e o indivíduo que acumula e sua família também sofrem, bem como os vizinhos 21.

Diferentemente de outras situações de acúmulo de animais, no caso aqui descrito, a residência da senhora em questão foi preservada, e os cômodos mantiveram sua funcionalidade. Os banheiros funcionavam e não havia dejetos de animais, mofo, pragas e nem carcaças de animais. Isso pode ser resultado dos anos de acompanhamento psiquiátrico que a senhora recebeu da Prefeitura de São Paulo. Os gatos ficam em cômodos no mesmo terreno, mas sem acesso aos cômodos em que ela reside. Outro ponto diferente dos relatos da literatura 23 sobre animais em situação de acúmulo é que, de maneira geral, apesar da presença frequente de baratas, o ambiente sempre se encontrava limpo, sem sujeira excessiva. 

Entretanto, mesmo estando o ambiente quase sempre limpo, a queixa de vizinhos do odor desagradável de urina e fezes foi o que motivou o gestor da área do meio ambiente a procurar colaboração externa para o atendimento do caso descrito. Um fato que merece atenção é que, em uma das ações, os voluntários lavaram vigorosamente duas vezes o chão com água e sabão, o que fez com que o odor de amônia acabasse. Na visita subsequente, a senhora fez questão de relatar que “começou a fazer como viu que fora feito, e passou a lavar o chão esfregando sabão com a vassoura”. Dessa forma, não houve mais odor de amônia no ambiente. Uma atitude muito simples, mas que antes ela não sabia que deveria adotar.

Nesse sentido, é fundamental destacar que, segundo o conceito de Saúde Única, a responsabilidade é de todos, da sociedade civil e das entidades governamentais e não governamentais 20. O acúmulo de animais é considerado um problema subnotificado 7, e, diante dessa situação, que envolve a vulnerabilidade de seres humanos e animais, fica evidente o compromisso de todos os setores da sociedade.

Considerando a abordagem de casos de acumulação de animais e o envolvimento de setores da sociedade, o informe técnico “Atenção aos acumuladores de animais, leishmaniose visceral canina e esporotricose zoonótica”, da Coordenadoria Estadual de Defesa dos Animais (Ceda), do Ministério Público de Minas Gerais, refere de forma explícita que: 

“São necessárias, pelo menos, três ações intersetoriais, abrangendo todos os órgãos relacionados, para a criação e o funcionamento de um programa de atenção aos indivíduos humanos e também aos animais em situação de acumulação:
• 1ª – Criar/elaborar decretos, instruções normativas ou notas técnicas municipais para a formação do Comitê de Trabalho Intersetorial de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Acumulação (Ciasa);
• 2ª – Criar/elaborar a Gerência de Defesa Animal Municipal; e 
• 3ª – Criar/elaborar o Comitê de Trabalho Intersetorial de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Acumulação (Ciasa)” 24.

O acúmulo de animais é um fenômeno emergente subestimado 25, e a inexistência de comitê do tipo Ciasa nos municípios sinaliza a incorreta abordagem do problema até o momento na maioria dos municípios brasileiros. Normalmente as prefeituras atuam nas consequências:
• internação compulsória da pessoa em situação de acumulação;
• limpeza do terreno, com retirada de entulhos e lixo;
• remoção compulsória dos animais;
• encaminhamento para abrigos públicos lotados e sem condições de receber número elevado de animais, etc.,

e não atuam nas causas do problema:
• prevenção e acompanhamento de casos com gatilho para acumulação (histórico de traumas, doença ou violência, solidão, abandono familiar);
• mapeamento dos protetores de animais do município;
• censo anual dos casos já existentes;
• acompanhamento psicológico e psiquiátrico permanente das pessoas diagnosticadas com transtorno mental e possíveis situações de acumulação;
• ações para controlar o excesso populacional de cães e gatos, com medidas de manejo ético (castração, registro, microchipagem, educação para guarda responsável, coibição de abandono, incentivo à adoção responsável em detrimento da venda indiscriminada e às vezes clandestina de filhotes de animais de raça), entre outros.

Na figura 1 encontram-se as competências do Ciasa, conforme descrito no Informe Técnico da Ceda 2022 24.

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1. Elaborar o protocolo de atendimento e acompanhamento dos indivíduos em situação de acumulação com as responsabilidades compartilhadas entre os agentes importantes para a atenção integral dada a esses indivíduos.

2. Incluir nesse protocolo as especificidades de cada classificação de acumulador e as possibilidades de cada município, propondo a inclusão das famílias sempre que possível.

3. Mapear e quantificar as pessoas em situação de acumulação de animais em âmbito municipal e regional, preferencialmente.

4. Executar ou acionar os responsáveis pelas ações de atenção aos indivíduos em situação de acumulação de animais.

5. Proporcionar tratamento integral e continuado às pessoas e a seus animais utilizando a rede pública de saúde.

6. Estudar e disseminar soluções – reavaliação periódica.

7. Realizar treinamentos e capacitação dos servidores responsáveis pela execução das ações, incluindo os do setor de limpeza pública.

Figura 1 – Competências do Comitê de Trabalho Intersetorial de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Acumulação (Ciasa)

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É necessário definir um profissional sensibilizado para ser o elo entre o Ciasa e a pessoa em situação de acúmulo e auxiliar a equipe no manejo dos objetos e dos animais. Quando ocorrem a remoção de objetos e a limpeza do ambiente, os trabalhadores frequentemente ficam muito impactados com o serviço, e a pessoa em situação de acúmulo pode ter alterações comportamentais e físicas importantes durante as ações nas residências 24. No caso dos animais, a literatura recente reforça que o ideal é manejá-los no próprio local, em etapas contínuas que envolvem:
• o atendimento inicial (contagem simples, identificação de espécies, sexo, idade aproximada, animais doentes ou feridos, no cio ou com filhotes, alimentação, banho, análise comportamental);
• novas visitas para vermifugação, vacinas, esterilização cirúrgica, separação dos animais e melhoras estruturais;
• doações, quando possível e autorizadas pelo tutor; e
• acompanhamento periódico a médio e longo prazo para evitar recidivas.

A existência de uma ação conjunta e organizada é tão importante que já se afirmou que uma abordagem fragmentada para o gerenciamento de casos levou a várias recorrências, como no caso ocorrido na região de Lazio, Itália, em 2005, em que o bem-estar dos animais envolvidos foi significativamente afetado. No referido caso, havia queixa dos vizinhos devido aos latidos constantes e ao odor desagradável vindos da casa da acumuladora, aqui descrita como “senhora P.”. Houve então uma ação civil ajuizada às autoridades legais locais por uma Associação de Protetores Voluntários de Animais contra a senhora P. por abrigar 450 animais (principalmente cães, mas também gatos e cavalos) em condições consideradas incompatíveis com a natureza deles. Os animais, de maneira geral, apresentavam desnutrição, desidratação, endo e ectoparasitas, atrofia muscular, caquexia, lesões de pele, coprofagia e estereotipias, entre outras observações. A senhora P. foi condenada por abuso de animais e outros crimes relacionados e por nove vezes, entre 2005 e 2019, seus animais foram apreendidos. Entretanto, ela continuou, em curto espaço de tempo, a obter novos animais, recolhendo-os nas ruas, aceitando doação por meio de redes sociais e permitindo a reprodução dos que estavam em sua residência. Até 2019 o caso foi considerado como de insucesso. Destaca-se que os voluntários da Associação de Protetores Voluntários de Animais atuaram sozinhos, exceto pela atenção psiquiátrica que a senhora recebeu no serviço de saúde próximo. Esse isolamento na atuação provavelmente foi o responsável pelas limitações das ações ocorridas 25.

Como insucesso da atuação do grupo independente de pesquisadores em medicina veterinária do coletivo de São Paulo podem-se destacar alguns fatos. O primeiro é que os componentes do grupo, todos voluntários, por estarem envolvidos com intensa atividade profissional, não dispunham de tempo para atuar de forma mais adequada no caso. É necessário que um grupo tenha mais componentes, e que esses sejam profissionais do serviço público municipal, principalmente das áreas de saúde, do meio ambiente e da educação, com carga horária para atuar nos casos, inclusive para planejar melhor todo o processo de atuação e a possibilidade de execução. Um segundo ponto é que o grupo se comprometeu com a instalação de caixas individuais de eliminação e o oferecimento, em um primeiro período, de areia sanitária, e a senhora concordou em manter o uso das caixas, pois o grupo avaliou que isso seria possível. Entretanto, com o tempo, as caixas individuais de eliminação não foram mais usadas, pois a senhora alegou limitação financeira e não pôde mais comprar areia higiênica. Portanto, parte do recurso financeiro disponibilizado pelo grupo de pesquisadores foi mal empregado.

Um ponto importante que deve ser destacado é a corresponsabilidade da sociedade, que nesse estudo não ocorreu. Apesar da presença de câmera na fachada, os abandonos de animais na porta da residência da acumuladora continuaram a ocorrer. Esse ponto é extremamente importante, pois, enquanto não houver conscientização da sociedade sobre a guarda responsável de animais de estimação, bem como o debate sobre a corresponsabilidade da sociedade no acúmulo de animais, esse ciclo não será interrompido.

Foram identificados os seguintes pontos interpretados como desafios a vencer, a saber: 
• pequeno número de voluntários no grupo, o que limitava a constância das ações;
• limitação de tempo disponível dos voluntários para as ações devido à intensa atividade profissional;
• uso inadequado dos recursos financeiros;
• recursos financeiros limitados, pois eram de fonte particular dos voluntários;
• dificuldade de divulgação dos animais para adoção, por inabilidade, número e tempo reduzidos dos voluntários;
• dificuldade, ao longo do tempo, de manutenção do uso das caixas individuais de eliminação, pois não houve recursos financeiros suficientes;
• mudança do combinado da senhora com o grupo, o que ocorria de uma visita para outra; 
• continuidade do abandono de animais na porta da residência da senhora.

 

Considerações finais

A situação de acumulação de animais pode ser sentinela para uma série de problemas médicos, sociais e econômicos. Para atendê-la de forma eficiente deve-se, além do correto planejamento, envolver diferentes setores da sociedade e considerar o profundo sofrimento envolvido.

É importante corrigir a visão distorcida da sociedade, que considera o indivíduo que acumula como aquele que, propositalmente, promove maus-tratos aos seus animais. Essa postura demonstra o errôneo dimensionamento do problema, sem a consideração da sua real complexidade e sem o entendimento de que o transtorno de acumulação é uma psicopatologia cujas amplas necessidades devem ser corretamente atendidas. Promover ações informativas que expliquem à sociedade a dinâmica do fato e suas interferências na vida social da pessoa que acumula, em suas relações familiares e em sua saúde, deixando claro que se trata de uma doença que acomete o indivíduo que não tem percepção das condições de seus animais, pode facilitar o processo de compreensão desse quadro.

 

Referências

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