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Castração pediátrica: risco ou solução?

Cadelas e gatas castradas após uma cria, mesmo que na primeira, também colaboram com o aumento populacional. Algumas gatas podem atingir a maturidade sexual e a fertilidade com 3,5 a 4 meses de idade. Ilustração: Fernando Gonsales (2010) Cadelas e gatas castradas após uma cria, mesmo que na primeira, também colaboram com o aumento populacional. Algumas gatas podem atingir a maturidade sexual e a fertilidade com 3,5 a 4 meses de idade. Ilustração: Fernando Gonsales (2010)

A castração pediátrica tem sido considerada como um método seguro e eficaz para diminuir a superpopulação de animais, sendo um procedimento cirúrgico no qual fêmeas são submetidas à ovariosalpingohisterectomia desde as 14 semanas e os machos à orquiectomia desde as 4 semanas de idade. Embora essa esterilização cirúrgica precoce de cães e gatos seja ainda um assunto mistificado no Brasil para os cirurgiões veterinários, mesmo na comunidade universitária, já é realizada há pelo menos 40 anos em países como os Estados Unidos. Entre outras, a American Veterinary Medical Association (AVMA) 1, American Animal Hospital Association (AAHA), Association of Shelter Veterinarians (ASV), British Small Animal Veterinary Association (BSAVA), Canadian Veterinary Medical Association (CVMA) e a American Association of Feline Practitioners (AAFP) 2 apoiam a castração pediátrica como procedimento cirúrgico veterinário eficaz na contracepção individual e no manejo populacional.

Esse apoio tem sido embasado em pesquisas científicas sobre castração pediátrica 3,4 de cães e gatos com o acompanhamento e a comparação 5 em diversas faixas etárias, não sendo relatado nenhum aumento da morbidade de efeitos indesejados ou mortalidade a curto e médio prazo nesses animais precoces. O tópico castração pediátrica é inclusive um capítulo completo do livro “Shelter Medicine” 6, já em sua segunda edição, lançada em 2013. Para os abrigos (shelter) americanos, os benefícios com a castração pediátrica superam qualquer risco relatado nos estudos, e os resultados afetam diretamente na redução da quantidade de animais abandonados, na superpopulação dos abrigos e na diminuição das eutanásias realizadas.

No Brasil, o abandono de animais de companhia continua sendo um problema recorrente, agravado pela falta de estimativas ou informações reais da quantidade de animais nas ruas. Na maioria, senão totalidade das vezes, a idade mínima para encaminhamento de cães e gatos em campanhas de castração ou esterilizações particulares, quer sejam fêmeas ou machos, tem sido de seis meses de idade. Embora esse cenário pareça ser provavelmente um reflexo histórico do conforto cirúrgico e/ou maior confiança anestésica, pelo término do esquema vacinal e/ou maturidade sexual do animal, não mais se aplica ao manejo populacional de animais de companhia na atualidade.

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Equipe de médicos-veterinários brasileiros que realizaram a capacitação à técnica em castração pediátrica pela dra. Cristie Kamiya (destaque)

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Preparação do campo operatório para a castração pediátrica de uma gata filhote de aproximadamente 3 meses de idade

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Muito se fala sobre os prejuízos causados pela castração pediátrica 7, mas pouco disso é amparado em dados concretos na rotina médico-cirúrgica. Em 2016, a médica-veterinária Cristie Kamiya, chefe do “Shelter Humane Society Silicon Valley”, na Califórnia, EUA, realizou o I Curso Teórico-Prático de Castração Pediátrica na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) com a oportunidade de discussão dos riscos e benefícios, além da realização prática da técnica utilizada em filhotes por ela e a equipe de médicos-veterinários participantes (Figuras 1 e 2).

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Protocolo Classe Concentração Dose Via
Cloridrato de cetamina Dissociativo 5% a 10% 8 – 15 mg/kg IM
Maleato de midazolam Benzodiazepínico 5 mg/mL 0,3 – 0,5 mg/kg IM
Maleato de acepromazina Fenotiazínico 0,2% 0,01 – 0,03 mg/kg IM
Cloridrato de petidina Opioide 50 mg/mL 2 – 5 mg/kg IM
Figura 1 – Protocolo utilizado no “I Curso internacional teórico-prático de castração pediátrica de cães e gatos da UFPR”, 2016

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Protocolo 1 Classe Concentração Dose Via
Dexmedetomidina Α-2 agonista

0,5 mg/mL

0,011mg/kg – 0,02 mL/kg

IM
Cloridrato de cetamina Dissociativo 100 mg/mL

2,21 mg/kg – 0,02 mL/kg

IM

Tartarato de butorfanol

Opioide

10 mg/mL

0,22 mg/kg – 0,02 mL/kg

IM

Hidrocloridrato de atipamezole (reversor)

Antagonista α-2 adrenérgico 5 mg/mL

0,1 mg/kg – 0,02 mL/kg

IM
Protocolo 2 Classe Concentração

Dose

Via

Dexmedetomidina

Α-2 agonista 0,5 mg/mL

0,015 mg/kg – 0,03 mL/kg

IM

Cloridrato de cetamina

Dissociativo 100 mg/mL

5 mg/kg – 0,05 mL/kg

IM

Sulfato de morfina

Opioide 15 mg/mL

0,2 mg/kg – 0,01 mL/kg

IM

Hidrocloridrato de atipamezole (reversor)

Antagonista α-2 adrenérgico 5 mg/mL

0,1 mg/kg – 0,02 mL/kg

IM

Protocolo 3

Classe Concentração

Dose

Via

Pré-anestésicos

   

 

 

Sulfato de morfina

Opioide 15 mg/mL

0,5 mg/kg – 0,03 mL/kg

SC ou IM

Maleato de acepromazina

Fenotiazínico 1 mg/mL

0,01 mg/kg – 0,01 mL/kg

SC ou IM

Indutores

   

 

 

Cloridrato de cetamina

Dissociativo 100 mg/mL

5,5 mg/kg – 0,055 mL/kg

IV ou IM

Maleato de midazolam

Benzodiazepínico 5 mg/mL

0,275 mg/kg – 0,055 mL/kg

IV ou IM

Analgésicos

  Dose

Tempo

 

Meloxicam

Antinflamatório

não esteroidal

Gatos: 0,3 mg/kg única

Cães: 0,2 mg/kg única

Cães: 0,1 mg/kg SID

3-5 dias

Oral

Cloridrato de buprenorfina

Opioide 0,01 – 0,02 mg/kg BID ou TID

3-5 dias

Oral

Cloridrato de tramadol

Opioide 2 mg/kg BID ou SID

3-5 dias

Oral

Anestésicos locais

Local

Dose

Cloridrato de lidocaina 2%

Testicular ou bloqueio incisional

1,1 mg/kg / 0,055 mL/kg

Cloridrato de bupivicaina 0,5%

Testicular ou bloqueio incisional

1,1 mg/kg / 0,055 mL/kg

Figura 2 – Protocolos 1, 2 e 3, bem como lista de analgésicos e anestésicos locais recomendados pela dra. Cristie Kamiya durante seu curso no Brasil, baseados na sua rotina de trabalho no “Shelter Humane Society Silicon Valley”, Califórnia, EUA

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O principal objetivo deste texto é descrever os riscos e benefícios citados na literatura para a castração pediátrica, principalmente para populações de cães de abrigos ou em situação de rua. Antes de começar, deve-se lembrar que todos os procedimentos cirúrgicos envolvem riscos, e que a decisão de se optar pela esterilização precoce deve ser tomada pelo responsável pelo animal, em consulta com um médico-veterinário.

 

Procedimento cirúrgico pediátrico

A esterilização cirúrgica é um procedimento eletivo, ou seja, realizada em pacientes saudáveis, resultando em baixo risco anestésico. Para ser considerada eletiva na pediatria veterinária, os filhotes (4 a 14 semanas) que não ingeriram o colostro após o nascimento devem completar o protocolo vacinal e, se houver necessidade, ser desverminados antes da cirurgia. De forma geral, nessa faixa etária, cães e gatos apresentam recuperação anestésica e cirúrgica rápidas 8.

Em estudo comparativo entre populações de cães adultos e pediátricos, os cirurgiões relataram maior facilidade e confiança na realização de anestesias e cirurgias em pacientes pediátricos, além de o tempo de cirurgia ter sido 85% menor em relação a cães adultos 9. Após esse e outros estudos semelhantes, a introdução da castração pediátrica no ensino de estudantes de medicina veterinária nos Estados Unidos resultou em melhora das práticas cirúrgicas gerais e não apenas na cirurgia de esterilização 10.

Pacientes pediátricos representam um desafio maior, principalmente para médicos veterinários inexperientes. Estresse, maior predisposição à hipotermia, hipoglicemia e doenças infecciosas, somados às dificuldades relacionadas ao equipamento anestésico inadequado ao tamanho do paciente, compõem o quadro dos principais fatores de complicação encontrados nesses procedimentos 8,11.

 

Estresse

O desenvolvimento comportamental é algo que muitas vezes é negligenciado em um ambiente hospitalar ou até mesmo domiciliar. O período de socialização para gatinhos é em torno de 2 a 7 semanas e para cães em torno de 8 a 12 semanas, quando então começam a desenvolver comportamentos de medo (podendo se tornar ferais). Para minimizar esse problema, o alojamento dos animais deve ser feito em grupos como mãe e os irmãos ou com idades próximas. O ambiente deve possuir também uma sala de preparo anestésico silenciosa e calma, promovendo sedação e tranquilização adequadas do paciente. Finalmente, sempre que possível, a recuperação deve permitir que vários animais fiquem juntos 7,12.

 

Hipotermia

A hipotermia é um dos maiores vilões da anestesia dos pacientes neonatais e pediátricos, pois a maior área de superfície corporal, a pequena quantidade de tecido adiposo, o sistema nervoso menos desenvolvido e a menor capacidade de termogênese por tremores, acabam por levar a uma perda muito mais rápida de temperatura corporal. Dessa forma, os animais devem ser aquecidos durante todo o procedimento e mantidos em um ambiente com a temperatura controlada entre 18 e 28°C 7,13,14.

 

Hipoglicemia

Filhotes possuem menor massa muscular, consequentemente menor reserva de glicogênio. Além disso, apresentam função hepática imatura e menor capacidade de conversão da glicemia por glicogenólise ou gluconeogênese hepáticas.

Dessa forma, não é recomendável a realização de jejum prolongado nesses animais (máximo de 2 a 4 horas) e a glicemia deve ser monitorada durante a anestesia e no período pós-operatório imediato (até 24 horas). Quando o animal conseguir permanecer em posição esternal, deve ser fornecida alimentação 12,15.

 

Doenças infecciosas

Os benefícios da castração pediátrica ultrapassam os riscos de propagação de doenças infecciosas. Animais com suspeita de doença infecciosa necessitam de um exame físico minucioso para que não haja riscos de agravamento. Em caso de liberação do médico veterinário, podem ser submetidos a castração pediátrica.

Caso se opte pela cirurgia em animais com suspeita de doenças infecciosas, os animais saudáveis devem ser protegidos tomando os seguintes cuidados:

1. Reduzir o risco de exposição;

2. Estabelecer procedimentos padrão de limpeza, desinfecção e contenção de doenças infecciosas; 

3. Desinfetar todo o equipamento com contato direto com o paciente entre os usos;

4. Lavar/desinfetar mãos e trocar de luvas entre pacientes;

5. Utilizar barreiras entre pacientes (por exemplo, cobertores, toalhas);

6. Manipular e operar os animais saudáveis primeiro 6.

 

Aparelhos e protocolos anestésicos

Além dos efeitos depressores causados diretamente pelos anestésicos, o sistema cardiovascular desses animais tem pouca capacidade compensatória, possuem menor massa cardíaca (portanto menor contratilidade), o sistema simpático é imaturo (respondem menos a vasoativos e inotrópicos) 15,16,17, apresentam concentrações mais baixas de proteínas plasmáticas circulantes, maior consumo de oxigênio tecidual em comparação a adultos e menores valores de hemoglobina 15. Essas particularidades devem ser consideradas durante a escolha do protocolo anestésico 15,16,17,18. Apesar dessas desvantagens fisiológicas, os filhotes aparentam maior resiliência e demonstram recuperação anestésica mais rápida que animais adultos 19.

Protocolos com anestesia inalatória não são recomendados para indução da anestesia em campanhas de castração pediátrica, pois apresentam maior risco de excitação durante a indução, não fornecem analgesia e aumentam o risco de complicações e mortalidade. Os anestésicos inalatórios são mais depressores dos sistemas cardiovascular e respiratório e são rapidamente absorvidos nestes animais, aumentando o risco de sobredose na indução por máscara 8.

A anestesia dissociativa associada a tranquilizantes, analgésicos, sedativos e relaxantes musculares tem demonstrado os melhores resultados em campanhas de castração pediátrica, tendo sido descrito o uso de agentes como os alfa-2 agonistas mais seletivos 6,20,21,22, benzodiazepínicos e cetamina 6,15,22, com a vantagem de serem todos fármacos disponíveis para aquisição regular no Brasil. A manutenção anestésica pode ser realizada com bolus de propofol, repiques de subdoses de cetamina associada a midazolam ou isofluorano fornecido por máscara facial ou tubo endotraqueal 6. Como protocolo de analgesia, pode-se associar bloqueio intratesticular com lidocaína nos machos, administração de analgésicos nos protocolos de sedação e anestesia dissociativa nas fêmeas e administração de anti-inflamatório em ambos os sexos 6.

 

Técnica cirúrgica

As técnicas cirúrgicas utilizadas em filhotes são as mesmas utilizadas para animais adultos, mas devem ser realizadas a fim de reduzir o trauma cirúrgico e o tempo de exposição à anestesia, ou seja, a incisão deve ser mínima (utilização de gancho) para otimizar a recuperação do paciente. Animais jovens são mais susceptíveis a hemorragias e apresentam tecido visceral mais friável, necessitando de manipulação muito mais cuidadosa 13,23. Para animais criptorquidas, há indicação de espera até a idade tradicional para garantir que o testículo remanescente não irá migrar para a bolsa escrotal, sem a necessidade de uma cirurgia mais extensa (laparotomia) para removê-lo 13.

Os vasos uterinos e testiculares podem ser suturados com fios de sutura absorvíveis, como a Poliglactina 910 (Sutura Vicryl® Revestida). A linha alba, musculatura, tecido subcutâneo e a pele podem ser suturados com fio absorvível ou não absorvível (como o náilon), com preferência para padrões de sutura que dificultem a automutilação 23. Não se recomenda utilização de colas como meio de sutura de pele, pois existe alto risco de contaminação e de não cicatrização dos tecidos.

As taxas de complicações pós-cirúrgicas estão entre 6 a 27% para cães e 2 a 33% para gatos, independentemente da idade em que ocorra a cirurgia 24,25. Em contrapartida, hemorragias causadas pelo ciclo estral são sempre as complicações mais preocupantes e frequentes em adultos, não sendo uma preocupação em animais pediátricos 13,25.

 

Mitos e verdades

Obesidade

A obesidade é influenciada por uma série de fatores, como procriação, nível de atividade física, dieta e estado reprodutivo. Um estudo com mais de 1.900 animais mostrou que os animais castrados podem ganhar mais peso nos dois primeiros anos de vida, não importando a idade depois disso e cães inteiros também ficando acima do peso 26.

 

Deficiência de crescimento ósseo e musculoesquelético

Esteroides gonadais estimulam o crescimento esquelético, ganho de peso, gordura corporal, características sexuais secundárias e desenvolvimento comportamental. Em um estudo feito com mais de 3.000 animais observou-se que a taxa de crescimento, o ganho de peso ou a quantidade da gordura depositada não foram afetados por esse hormônio, mas o período de crescimento prolongado resultou em maior comprimento final radial/ulnar em todos os animais castrados precocemente. O desenvolvimento do pénis também se apresentou imaturo nos machos e nas vulvas das fêmeas, quando comparados com animais castrados posteriormente 27.

 

Obstrução urinária em gatos

Após mais de 30 gatos machos serem acompanhados por quase quatro anos, não foi observada diferença no tamanho da abertura uretral ou na ocorrência de extrusão peniana. O diâmetro da uretra aos 22 meses de idade não difere entre gatos machos inteiros e os que foram castrados às sete semanas ou sete meses 28,29.

 

Incontinência urinária e cistite

Foi relatado leve aumento na incidência de incontinência em fêmeas castradas com idade inferior a 3 meses (12,9%), em comparação com aquelas castradas após os 3 meses (5,0%) 28. Outros autores também observaram baixa predisposição dos filhotes apresentarem problemas de incontinência urinária, tendo concluído que mesmo com a ocorrência de incontinência, ainda foi mais benéfico o procedimento precoce, pois a incontinência urinária se mostrou de tratamento fácil e barato, responsiva ao estrogênio 29,30. A incidência de cistite e infecções recorrentes da bexiga também foi investigada e relacionada à idade de castração, com fêmeas castradas precocemente demonstrando maior probabilidade de cistite quando comparadas àquelas castradas com 6-12 meses de idade 30.

 

Neoplasias

Um estudo demonstrou que a incidência de osteossarcomas em cães de diversas raças castrados foi duas vezes maior que em cães não castrados 31, mas não foi avaliada a idade em que os animais foram esterilizados. Em rottweilers castrados antes do primeiro ano de vida, machos tiveram risco duas vezes maior e fêmeas três vezes maior de desenvolver a doença, quando comparados com animais inteiros 32. Em cães da raça golden retriever, foi encontrada incidência três vezes maior de linfossarcoma e quatro vezes maior de hemangiossarcoma em animais castrados precocemente do que em animais não castrados 33. Outros estudos também demonstraram maior incidência de neoplasias malignas em animais castrados do que em animais inteiros, sem identificar relação com a castração precoce 34.

Sabe-se que os hormônios sexuais, como a testosterona e o estrogênio, têm função nos agentes pró-diferenciação celular dos osteoblastos e, dessa forma, têm a capacidade de inibir a transformação em células malignas 35.

 

Afinal, a castração pediátrica tem desvantagens?

Aparentemente, a interferência da castração precoce no sistema urinário seria a maior desvantagem real do procedimento. Doenças como cistite e incontinência urinária foram associadas à castração pediátrica por anos e, embora exista um aumento na incidência dessas doenças em animais castrados antes do primeiro estro, não há como correlacionar esse aumento unicamente à esterilização pediátrica 36,37.

Apesar de existirem evidências de que a castração pode desempenhar um papel importante na incidência de alguns tipos de tumor em cães e gatos, pouco se sabe sobre a influência da idade em que esses animais são castrados. Outro aspecto importante tem sido que provavelmente fatores genéticos e ambientais sejam mais relevantes no risco do desenvolvimento de tumores 8,33.

 

E  as vantagens da castração pediátrica?

A castração pediátrica pode causar uma redução na incidência de tumores mamários malignos e benignos, pois 50% dos tumores são malignos nos cães e aumenta para 90% em gatos. Cadelas submetidas ao procedimento antes do primeiro ciclo estral apresentaram uma redução de 99,5% dos tumores mamários quando comparadas às fêmeas não castradas. A castração após o primeiro cio reduz em aproximadamente 92% dos casos e entre o segundo e quarto ciclo a redução cai para 74%. Após o quarto ciclo não há efeito redutor da incidência de tumores mamários 38. Em estudo semelhante em gatas, ficou demonstrado que a castração antes do sexto mês de vida pode reduzir a incidência de neoplasias mamárias em até 91%, sendo que após o sexto mês a redução é inferior a 87% 39.

Para machos a castração precoce não influencia diretamente na proteção contra neoplasia prostática, mas tem fator protetor contra hiperplasia benigna da próstata, hiperplasia prostática cística, metaplasia escamosa, cistos paraprostáticos e prostatite 6.

Com relação ao manejo populacional, castrar os animais de companhia antes da maturidade sexual tem influência direta no controle populacional e abandono de animais, com redução de 15 a 20% nas ninhadas indesejadas como resultado direto da castração pediátrica 40.

Embora ainda não publicado (Kreisler R., 2016 comunicação em palestra da dra. Christie kamiya), estudo multicêntrico retrospectivo de corte em 81 Clínicas HQHVSN (High-Quality High-Volume Spay/Neuter) com mais de 1,2 milhões registros (511.975 cães e 689.163 gatos) demonstrou taxas de mortalidade para gatos domiciliados de 0,08% (0,07-0,08%), gatos comunitários de 0,18% (0,16-0,20%) e cães de 0,04% (0,04-0,05%). Em gatos, o fator de risco cirúrgico com o aumento de idade foi de aproximadamente 2% de aumento por mês. Em cães, houve um aumento de risco de 1,5 até 4 meses de idade, com menor risco de 4 até 24 meses de idade, com aumento de risco com aumento de idade após os 24 meses. Estes resultados são originais em cães pois demonstram que há um risco menor na castração dos filhotes de 4 aos 24 meses do que em adultos após os 2 anos de vida.

 

Conclusões

Em resumo, os dados científicos disponíveis mostram claramente a viabilidade do uso da castração pediátrica, principalmente pelo poder público e no manejo da população de animais de companhia em centros urbanos. A aplicação dessa técnica aos animais de abrigos e/ou campanhas de controle populacional deve buscar a garantia de que todos os animais adotados, jovens ou adultos, estejam esterilizados. Aos clínicos particulares, fica a recomendação para prevenção de possível reprodução acidental em animais pertencentes a clientes, bem como oportunidade de trabalho nas áreas de cirurgia e anestesiologia pediátricas veterinárias.

 

Referências

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