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Cães e gatos nas camas, nos shoppings e nos mercados

Uma abordagem de Saúde Única

Buldogue em carrinho de supermercado. Créditos: Meng Chatchai Buldogue em carrinho de supermercado. Créditos: Meng Chatchai

Cães e gatos na família brasileira

Na última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada no ano de 2013, 44,3% dos domicílios tinham ao menos um cão, e 17,7% ao menos um gato 1 (Figuras 1 e 2). Não causa surpresa que o Brasil tenha o segundo maior mercado pet do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos, com faturamento de 18,7 bilhões de reais do setor nesse mesmo ano, somando toda a cadeia produtiva, incluindo alimentação (maior área), medicamentos veterinários, criadouros de diversas espécies, serviços de hotéis, creches e cuidados, equipamentos, acessórios, produtos de higiene e beleza animal.

 

Figura 1 – Cães e gatos são considerados membros não humanos da família brasileira. Créditos: Fernando Gonsales
­

 

Figura 2 – Apesar de o Art. 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não permitir, quando estiverem no trânsito, animais soltos no colo dos ocupantes, no porta-malas ou na caçamba de picapes, ainda há muito por regular e educar. Créditos: Alexander W. Biondo

 

Na pesquisa, a área rural era responsável por 65% dos domicílios com cães e 39,4% dos domicílios com gatos, enquanto a área urbana apontava 41% com cães e 14,2% com gatos. A diferença era maior entre as regiões e os estados brasileiros (Figura 3). Especula-se que essa diferença pode ter sido resultado de diferenças culturais ou mesmo da eficiência dos programas de manejo populacional de animais de companhia 1.

 

Posição

Cão

Gato

Estado

(%)

Estado

(%)

PR

60,1

PI 34,2

RS

59,2

MA 31
RD

56,2

CE 28
MT

56,2

RD 27,4
AC

55,9

AC 24,5
SC

55,3

RR 24,5
MS

54,9

TO 23,6
RR

53,9

PA 23
GO

52,1

AP 22,9
10º PA

48,8

RS 22,8
11º PI

47,1

AL 22,3
12º MG

46,7

BA 21,3
13º AP

44,3

PB 21,1
14º SP

43,4

MS 20,1
15º AM

43,1

SE 19,9
16º MA

42,6

MT 19,7
17º TO

40,7

RN 19
18º ES

38,4

PE 18,8
19º RN

36,8

AM 18,3
20º PB

36,2

PR 16,4
21º RJ

35,7

SC 16,3
22º BA

35,5

MG 14,6
23º CE

35,2

SP 13,4
24º SE

34,9

RJ 12,6
25º AL

33,3

GO 12,5
26º PE

33,1

ES 11,1
27º DF

32,3

DF 6,9

Figura 3 – Ranking dos estados brasileiros com mais domicílios com cães e mais domicílios com gatos 1

 

O estudo confirmou que cães e gatos são parte integrante da família brasileira. Essas populações de entes familiares não humanos vêm crescendo no mundo todo, muito embora seu monitoramento se baseie ainda hoje apenas em estimativas tendo por base a população humana ou em pesquisas amostrais como essa, realizadas por demandas pontuais pelo IBGE.

Os cães e gatos são importantes sentinelas de doenças, pois a saúde dos animais de companhia pode refletir a exposição aos riscos de doenças a que estão sujeitos seus tutores. Os animais de companhia são sentinelas efetivas, pois compartilham o mesmo ambiente que seus tutores e, nesse contato íntimo com membros da família, frequentemente comem a mesma comida, tomam a mesma água, compartilham as camas e servem como companhia de viagem, fazendo com que o seu risco de contrair e transmitir doenças seja muito similar ao de seus tutores. Desse modo, a saúde do cão ou do gato é um espelho da saúde de seus tutores ou do risco de doenças das pessoas da casa em que moram 2.

A promoção da saúde e o bem-estar dos animais de companhia, dos seus tutores e do meio ambiente em que vivem torna evidente o papel do médico-veterinário como o profissional que zela pela Saúde Única, tanto no ambiente familiar como em áreas e estabelecimentos públicos e privados, particularmente naqueles em que houver restrições sanitárias, como praias, shopping centers, restaurantes e mercados de alimentos.

 

Dormindo com cães e gatos

A decisão de compartilhar ambientes externos e internos, incluindo quintal, garagem, sala, quartos e banheiro, é dos seres humanos responsáveis por esse lar. Eles podem ser os proprietários do imóvel, e, quando ele for alugado, faz-se necessária uma autorização direta do proprietário ou da imobiliária administradora. A presença de animais de companhia em apartamentos e/ou condomínios é assegurada pela Constituição Federal, com garantia do direito de propriedade ao cidadão (Art. 5º, XXII e Art. 170, II); ou seja, em um condomínio é possível ter animais em casa ou apartamento, desde que a presença deles não prejudique a saúde e bem-estar dos demais condôminos.

Como membros não humanos da família, cães e gatos têm cada vez mais compartilhado os ambientes internos dos lares, particularmente os sofás e as camas (Figura 4). Nos Estados Unidos, cerca de 56% das pessoas entrevistadas dormem com seus animais, enquanto 35% das crianças compartilham a cama com um animal durante a noite 3.

 

Figura 4 – Os cães e gatos são importantes sentinelas de saúde, pois animais de companhia saudáveis podem refletir a saúde de seus tutores, Créditos: Alexander W. Biondo

 

As vantagens e desvantagens de ter animais de companhia na cama foram resumidas na figura 5. Dentre as vantagens de dormir com seus animais de companhia estão:

• conforto e segurança: algumas pessoas escolhem um cão para lhes propiciar segurança e proteção. Ter um cão no lar aumenta a segurança e reduz os crimes de propriedade 4, e isso também é associado à percepção subjetiva de segurança. Em um estudo norte-americano, as mulheres que dormiam com cães relataram mais conforto e segurança 5;

• saúde mental: uma meta-análise de 17 estudos concluiu que os animais de companhia são geralmente benéficos à saúde mental, particularmente de pessoas com problemas mentais há muito tempo; os cães formam uma parte integral do suporte, mesmo que não sejam oficialmente cães de trabalho 6. Os animais de companhia podem ter efeito relaxante e desestressante nos membros humanos da família;

• imunidade: a presença de cães e gatos melhora significativamente a imunidade dos seres humanos que convivem com eles no mesmo ambiente, provavelmente pela diversidade de microorganismos presentes. Além disso, o contato com um cão pode também beneficiar o sistema imune por outros motivos além da simples presença do animal no lar 7;

• saúde: os animais de companhia têm sido associados à melhora da saúde humana, como decrescimento do colesterol e de triglicerídeos, além da redução da pressão sanguínea e da diminuição do risco de morte, provavelmente pela melhora do sistema cardiovascular 8.

 

Vantagens

Desvantagens

Conforto e segurança

Alergias

Melhora a saúde mental

Exposição a patógenos

Melhora a imunidade

Atrapalhar o sono

Melhora a saúde física

Agressão

Figura 5 – Resumo das vantagens e desvantagens de dormir com seu animal de companhia

 

Em contrapartida, alguns problemas listados a seguir também têm sido considerados:

• alergias: embora milhões de pessoas que têm alergia a cães e gatos em diferentes graus vivam com seus animais de companhia, o Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental dos Estados Unidos contraindica animais na cama, mesmo durante o dia, de modo a evitar pelos, caspa e secreções emitidas durante o sono 3. Os principais alérgenos dos cães incluem caspa, saliva, urina e sangue, que variam dependendo da raça. Nos gatos, o principal alérgeno é a saliva, que se prende ao pelo na higiene diária, mas também inclui secreção glandular na pele, caspa e urina nos gatos machos; os alérgenos são flutuantes, ou seja, podem permanecer no ar ambiente 9;

• exposição a patógenos: o carreamento de microrganismos pelos cães e gatos tem benefícios e malefícios, pois eles podem melhorar o sistema imune, mas também expor seus tutores a importantes zoonoses;

• atrapalhar o sono: em um estudo, 20% das pessoas relataram distúrbios do sono como resultado de dormir com o animal de companhia, uma vez que os seres humanos podem se mexer até três vezes mais e acordar até quatro vezes mais quando compartilham a cama com seu animal. O motivo tem sido associado às diferenças no padrão de sono entre pessoas e animais, que pode ser melhorado com um canto específico da cama para os cães e gatos ou ainda uma acomodação no quarto fora da cama do tutor;

• potencial agressão: em estudo recente, 6% dos cães envolvidos em mordeduras o fizeram logo após o despertar das pessoas 10, sendo as crianças mais suscetíveis a acidentes mais graves.

As dicas para melhorar o sono com um animal de companhia incluem usar um tamanho apropriado de colchão, lavar os lençóis e fronhas regularmente, estar em dia com as visitas ao médico-veterinário, evitar beijos e lambidas no rosto, garantir uma última oportunidade de urinar e/ou defecar antes do sono e manter uma rotina consistente dos horários de dormir e acordar.

 

Cães nos shopping centers 

Cada vez mais estabelecimentos estão se tornando adeptos ao sistema pet-friendly, incluindo hotéis, lojas e mercados que não vendam alimentos, cinemas, transportes coletivos, parques e praias de acesso público (Figura 6). O Projeto de Lei no. 207/21 regulamenta o transporte terrestre, aquaviário e aéreo de cães e gatos de pequeno porte (até 10 quilos) em todo o território brasileiro, garantindo aos tutores o direito de embarcar com até dois animais por viagem. Dependendo da cidade ou do estado, cães e gatos podem andar de ônibus municipais e metrô, como já acontece em capitais como Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Salvador, São Paulo, Recife e Rio de Janeiro.

 

Figura 6 – Apesar de o Brasil ter um dos maiores mercados pet do mundo, ainda está sendo construída a legislação mais adequada nas esferas municipais, estaduais e federal para determinar os lugares em que os cães e gatos podem ou não entrar. A entrada de cães tem sido permitida na maioria dos estabelecimentos das capitais estaduais brasileiras, incluindo shopping centers e lojas de departamentos. Créditos: Alexander W. Biondo

 

Muitos ou mesmo a maioria dos shopping centers das principais capitais estaduais brasileiras já permitem a entrada de animais de companhia. Recentemente, o Projeto de Lei Federal no 4.331/21 assegura o direito de os tutores ingressarem e permanecerem com animal doméstico em estabelecimento aberto ao público e de uso coletivo. Se aprovada, a futura lei definirá critérios mínimos para que a presença do animal doméstico não prejudique a saúde e o bem-estar das pessoas nem a limpeza e a higiene do local. Segundo a proposta, “a relação das pessoas com os animais de estimação é cada vez mais profunda, e é cada vez mais importante que elas possam circular pelas cidades e permanecer em espaços públicos, como shoppings, com os companheiros não humanos”.

Apesar de permitirem a entrada, os shopping centers proíbem o acesso de animais de companhia às praças de alimentação e aos restaurantes, cumprindo as leis vigentes de vigilância sanitária, mas respeitando o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia, segundo a Lei Federal no 11.126 de 27 de junho de 2005.

 

Cães nos mercados

Segundo o Decreto no 51.262 publicado no Diário Oficial do município em 5 de agosto de 2022, o Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade brasileira com rede de supermercados pet-friendly. A iniciativa do decreto partiu da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro, com adesão voluntária dos mercados ao sistema.

Segundo o decreto, “nos supermercados pet-friendly são admitidos o acesso e a permanência de animais por toda a área de comercialização de produtos, sendo vedados o ingresso e a circulação nas áreas de armazenamento, produção e manipulação de alimentos”. Além disso, é vedada a circulação interna de animais sem coleira fora dos ambientes permitidos, oferecer água ou alimento ou mesmo transportar os animais no compartimento de compras dos carrinhos. Para garantir a saúde desses ambientes, o Decreto nº 45.585 de 27 de dezembro de 2018 atualizou e estabeleceu o Código de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária do Município do Rio de Janeiro.

A permissão de entrada dos animais de companhia em supermercados varia nos países do mundo todo. A Food and Drug Administration (FDA), órgão responsável pela saúde dos alimentos nos Estados Unidos – com poucas exceções, como cães de trabalho –, proíbe animais vivos de qualquer tipo, incluindo cães, gatos, aves e outros em mercados de alimentos, restaurantes ou outros estabelecimentos de alimentos. Segundo a FDA, os animais podem transmitir patógenos, e a lei visa proteger o suprimento nacional de alimentos de contaminação por saliva, urina, fezes ou outro material que cães e gatos possam carrear em seus pelos e patas, contaminando as prateleiras ou os caixas dos estabelecimentos. 

A mesma legislação que proíbe animais vivos nos Estados Unidos também é vigente na Irlanda e no Canadá, onde apenas cães-guias, de assistência ou de trabalho podem entrar oficialmente em estabelecimentos de alimentos, cafés e restaurantes. No entanto, os animais são bem-vindos na maioria dos restaurantes da Itália, França, Alemanha, do Reino Unido, da Suíça, Holanda, Polônia, Grécia e de outros países europeus 11 (Figuras 7 e 8).

 

Figura 7 – Cães e gatos estão cada vez mais ocupando lugares antes reservados apenas para as pessoas, como restaurantes. Embora Estados Unidos e Canadá o proíbam, vários países da Europa já permitem animais de companhia em seu interior. Créditos: Alexander W. Biondo

 

Permitido

Proibido

Alemanha

Albânia

França

Brasil

Grécia

Canadá

Itália

Espanha

Holanda

Estados Unidos

Polônia

Irlanda

Reino Unido

Noruega

Suiça

Portugal

Figura 8 – Resumo dos países que permitem e proíbem animais de companhia em restaurantes

 

Considerações finais

Cães e gatos são parte integrante da família brasileira. Essas populações de entes familiares não humanos vêm crescendo no mundo todo, com aumento do acesso desses animais de companhia a locais públicos como hotéis, lojas, mercados, cinemas, transportes coletivos, parques e praias de acesso público.

A restrição ou a permissão da entrada de cães e gatos deve obedecer às leis sanitárias vigentes e ao bem-estar dos animais, além de respeitar os aspectos históricos, culturais, religiosos e políticos do município, estado, país ou região em que forem aplicadas. Nesse cenário, os médicos-veterinários são os profissionais qualificados para garantir a Saúde Única e a Saúde Pública – ou seja, tanto a saúde dos animais e dos tutores como do meio ambiente em que vivem.

 

Referências

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