Animais de estimação da fauna silvestre
A legalização de animais silvestres como animais de companhia diminui o tráfico?
Introdução
O Brasil é considerado o quarto país do mundo em número de animais de estimação, com aproximadamente 52,2 milhões de cães, 22,1 milhões de gatos, 37,9 milhões de aves e 2,2 milhões de outras espécies, incluindo répteis e pequenos mamíferos ¹.
Ainda hoje, muitos animais silvestres criados em cativeiro são obtidos de forma irregular, contribuindo assim para o tráfico, que é considerado o terceiro maior mercado ilegal do mundo e responsável pela retirada anual de 38 milhões de animais da natureza no Brasil ².
Além do impacto negativo na fauna nativa, o tráfico contribui para a introdução de espécies exóticas invasoras e para a circulação de diferentes zoonoses ². Considerando o impacto da retirada de espécies silvestres da fauna nativa, os órgãos e entidades da administração pública estadual relacionados à proteção e à gestão ambiental podem conceder a autorização para criação e/ou comércio, respeitando a lista de espécies permitidas nos estados para essa finalidade 3. A regularização visa diminuir o mercado ilegal no Brasil, em que 82% dos animais contrabandeados são aves, principalmente os passeriformes 4 (Figura 1).
Ranking de passeriformes mais criados no Sispass | Nome Científico | Ranking de animais mais apreendidos pelo Ibama |
1° – Curió | (Sporophila angolensis) | 7º |
2° – Canário-da-terra | (Sicalis flaveola) | 1º |
3° – Trinca-ferro | (Saltator similis) | 3º |
4° – Papa-capim | (Sporophila nigricollis) | 2º |
5°– Azulão | (Cyanoloxia brissonii) | 9º |
Figura 1 – Comparação do ranking de passeriformes mais criados no Sispass (Sistema Gestão de criadores de Passeriformes Silvestres) e dos mais apreendidos pelo Ibama18,28
O que diz a legislação brasileira sobre animais de estimação da fauna nativa
Por definição, fauna nativa é o conjunto dos animais pertencentes às espécies migratórias e a quaisquer outras espécies aquáticas ou terrestres cujo ciclo de vida ocorra – todo ou parte – dentro dos limites do território brasileiro (terra e águas jurisdicionais). Já a fauna exótica, que compreende espécies com distribuição geográfica original, não inclui o território brasileiro e suas águas jurisdicionais 5. Desde a Lei de Proteção à Fauna de no.197 de 1967 5, o Brasil aborda em sua legislação a criação de animais da fauna silvestre para fins comerciais 6. Segundo a legislação brasileira, é permitido criar, recriar, terminar, reproduzir e manter algumas espécies da fauna silvestre em cativeiro, e comercializá-las como animais de companhia ou estimação, com o objetivo de evitar a apanha na natureza, desde que o estabelecimento esteja cadastrado e em situação regular 7. Nesse contexto, entende-se por animal de estimação ou de companhia da fauna nativa brasileira aquele nascido em criadouro comercial autorizado a ser mantido em cativeiro domiciliar 7.
Para a regularização do empreendimento de criação de animais da fauna silvestre, a partir de 2011, segundo a Lei Complementar no 140, cada estado passou a fiscalizar a manutenção de animais silvestres em cativeiro, regulamentando-a à sua maneira, com autonomia para relacionar as espécies cuja criação e comercialização são permitidas 8.
Por exemplo, no Paraná há três tipos de autorizações necessárias, solicitadas por meio de preenchimento de formulário eletrônico disponível no Sistema Nacional de Gestão de Fauna Silvestre (SisFauna), emitidas pelo órgão ambiental competente:
• a Autorização Prévia (AP), que especifica a finalidade do empreendimento, bem como aprova a sua localização e as espécies escolhidas;
• a Autorização de Instalação (AI), que dá a licença para a instalação do empreendimento, de acordo com as especificações constantes no projeto arquitetônico e no plano de trabalho, bem como estabelece as medidas de controle a serem cumpridas. Ainda é necessária a cópia da identificação do representante legal do empreendimento e a declaração da Prefeitura Municipal de que o local e o tipo de empreendimento/atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e à ocupação do solo;
• a Autorização de Uso e Manejo (AM), que permite o manejo e o uso da fauna silvestre e que deve ser afixada no empreendimento em local visível. Além dos criadouros, há os comerciantes de animais vivos da fauna silvestre, que devem apresentar projeto técnico descrevendo as instalações, o plantel pretendido e o manejo a ser executado. Vale lembrar que é vedada a reprodução de espécimes nesse empreendimento 9.
Seguindo a autonomia dos estados, nem todas as espécies da fauna silvestre nativa podem ser criadas e comercializadas para atender ao mercado de animais de estimação. Para regulamentar essa lista de espécies permitidas, a legislação estadual fiscalizadora baseia-se na verificação dos seguintes critérios:
• se há potencial de invasão da espécie em ecossistemas fora da sua área de ocorrência geográfica original;
• histórico de invasão da espécie em outros ecossistemas no Brasil ou em outros países;
• risco potencial à saúde humana e animal, como, por exemplo, pela introdução de agentes biológicos;
• risco para o equilíbrio ecológico das populações naturais;
• risco de soltura ou fuga de espécimes;
• possibilidade de identificar individualmente e de forma definitiva o animal – por exemplo, pela colocação de anilhas fechadas, no caso de aves, ou com a implantação de microchips em répteis e mamíferos;
• se há conhecimento suficiente sobre a biologia, a sistemática, a taxonomia e a zoogeografia da espécie;
• se a espécie é adaptável à vida em cativeiro e como animal de estimação 8. No estado do Paraná, por exemplo, há uma lista elaborada com os critérios anteriores que conta com mais de 150 espécies de aves de pequeno porte, 8 espécies de aves de rapina (curso de falcoaria necessário como pré-requisito para manejo) e 6 espécies de répteis que podem ser criadas e comercializadas por empreendimento autorizado para utilização como animais de estimação 9.
Portanto, no Brasil, espécies nativas como animais de estimação somente são legais se forem compradas de um criadouro/comerciante autorizado e em situação regular nos respectivos estados (Figura 2) 9. Qualquer outro meio de obtenção do animal é considerado crime ambiental, por tráfico ilegal e caça de animais silvestres, segundo a Lei nº 9.605 de 1998, com pena de detenção de seis meses a um ano e multa que varia de R$ 500 a R$ 5 mil por animal em situação irregular 8,10. Ainda conforme o artigo 29 dessa lei, o ato de matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente é crime e pode levar a pena de detenção de seis meses a um ano acrescida de multa 8,10.
1 – Como posso ser tutor de um animal da fauna nativa? | Comprando um animal identificado em criadouro comercial autorizado pelo órgão ambiental de fiscalização, que deve ter a Autorização de Uso e Manejo afixada em local visível para a espécie comercializada. |
2 – É possível adotar um animal da fauna nativa? | Sim. Pessoas físicas podem ter a guarda provisória de animais silvestres que foram apreendidos ou resgatados por órgãos ambientais de fiscalização. Os interessados devem realizar cadastro nos respectivos órgãos ambientais municipais e estaduais com seus dados pessoais, o local e o espaço disponíveis para a manutenção doméstica do animal e o responsável técnico – médico-veterinário ou biólogo. O interessado se tornará apto somente após a vistoria do órgão fiscalizador e a emissão do Termo de Guarda Provisória. |
3 – Todos os animais da fauna silvestre brasileira podem ser também animais de estimação? | Não. Há uma lista de espécies para cada estado cuja criação e comercialização são permitidas, com critérios que visam o possível impacto nos ecossistemas locais e na Saúde Única. |
4 – Como devem ser identificados os animais de estimação da fauna nativa? | De forma individual e definitiva, cujo método de marcação varia de acordo com a espécie animal e a legislação vigente. A identificação dos animais é de responsabilidade dos criadouros e dos depositários/guardiões. Por exemplo, as aves devem ser anilhadas, e os répteis devem ser microchipados. |
5 – Quais são os documentos necessários para que um animal silvestre esteja em situação legal? | 1o – Nota fiscal com todas as informações do criadouro/comerciante autorizado, do destinatário e do animal (nome científico, nome popular, sexo, data de nascimento, método de marcação e local de identificação). 2o – Certificado de registro do animal, emitido no momento da compra. |
6 – É possível legalizar no Ibama um animal silvestre que foi obtido de forma irregular? | Não. A única forma de possuir um animal silvestre legalizado é adquirindo-o de um criadouro comercial autorizado pelo Ibama. Uma alternativa à apreensão do animal irregular é o depósito, que deve ser requerido voluntariamente pelo indivíduo autuado, com o compromisso de prestar o manejo adequado do animal apreendido objeto da infração, enquanto não houver a destinação nos termos da lei. |
Figura 2 – Perguntas e respostas sobre animais de estimação da fauna nativa 6,12
De acordo com a legislação, todo animal a ser comercializado deve ser identificado de forma definitiva com método autorizado para a espécie 8,9. Além da nota fiscal contendo todas as informações do criadouro/comerciante e do animal (espécie, sexo, método de identificação e local de identificação), o indivíduo que adquire animal silvestre deve comprovar a origem legal mediante apresentação de certificado de registro do animal, emitido na compra 8,9.
Na vertente da proteção e do bem-estar animal, recentemente, o plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei n° 27 de 2018, que dispôs sobre a natureza jurídica dos animais não humanos. O projeto prevê que os animais têm natureza jurídica sui generis, sendo sujeitos de direitos despersonificados. Assim, os animais não humanos devem gozar e obter tutela jurisdicional para pacificar e resolver conflitos em caso de violação, sendo assim vedado seu tratamento como coisa ou bens móveis. Apesar disso, o projeto não compromete o comércio e a criação de animais, mas reconhece-os como seres sencientes, ou seja, passíveis de sofrimento 11.
Papagaio de estimação Capitão
Procurar previamente o aconselhamento técnico de um médico-veterinário especializado em animais de estimação da fauna silvestre é essencial para o sucesso da relação entre o tutor e a espécie. Um exemplo disso é a história do papagaio Capitão (Figura 3).
O exemplar de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) foi obtido como animal de companhia de forma regular, pela compra de criador comercial autorizado, mediante nota fiscal e selo de garantia (Figuras 4 e 5).
A sexagem do animal e uma ficha técnica com informações sobre hábitos, alimentação, distribuição e reprodução da espécie também foram entregues à tutora (Figuras 6 e 7).
Figura 7 – Ficha técnica com informações sobre os hábitos, a alimentação, a distribuição e a reprodução da espécie entregue à tutora do papagaio Capitão no momento da compra
Criado como membro da família e sem a interação social com outro papagaio, durante mais de dez anos o animal apresentou boa relação com os familiares. Para surpresa da tutora e dos familiares, com a chegada da maturidade sexual e após tentativas frustradas de cópula, o papagaio tornou-se agressivo com ela, com bicadas frequentes e até mesmo voos para atacá-la.
Diante disso, a responsável buscou uma equipe de médicos-veterinários especializados, que realizaram uma bateria de exames clínicos, constatando a saúde do animal, e as causas da mudança de comportamento foram explicadas à família. Mesmo com o grande apego e o vínculo, a tutora decidiu encaminhá-lo para um instituto conservacionista, mediante a transferência de sua titularidade da nota fiscal para o santuário (Figura 8). Esse desfecho é um exemplo pouco comum de destino de animais da fauna silvestre, devido não só à superlotação de criadouros parceiros com espécies comumente utilizadas como animais de estimação, mas também à falta de procura de aconselhamento técnico médico-veterinário, que pode culminar em soltura indiscriminada desses animais pelos tutores.
Como funcionam a guarda provisória e o depósito de animais da fauna nativa
Além da compra de animais da fauna silvestre, é possível “adotá-los” na forma de guarda provisória por pessoa física de espécies apreendidas ou resgatadas por órgãos ambientais municipais, estaduais ou federais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como também oriundas de entrega espontânea, com justificativa da impossibilidade de outras destinações previstas, como os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) 12. Animais silvestres apreendidos são aqueles oriundos de guarda ou posse ilegal, cujo acusado foi flagrado durante uma ação policial ou de fiscalização. Já os animais silvestres resgatados são aqueles recolhidos sem identificação, que requerem tratamento, cuidados ou realocação 10,12. Há também os animais silvestres que foram entregues espontaneamente ao poder público antes da abordagem policial ou fiscalizatória 12.
Nem todas as espécies da fauna silvestre poderão ser destinadas para depósito ou guarda, sendo proibidas:
• as espécies com reconhecido potencial de invasão de ecossistemas;
• que estejam nas listas oficiais da fauna brasileira ameaçada de extinção;
• cujo manejo seja incompatível com as condições disponibilizadas pelo interessado;
• das classes Amphibia, Reptilia e da ordem de Aves Passeriformes, com distribuição geográfica que coincida com o local da apreensão;
• e animais silvestres vítimas de maus-tratos 12.
Todos os interessados em se tornarem guardiões ou depositários de animais da fauna silvestre devem realizar um cadastro nos respectivos órgãos municipais, estaduais e federal com seus dados pessoais, o local e o espaço disponíveis para manutenção doméstica do animal e a indicação de um responsável técnico – médico-veterinário ou biólogo 10,12.
Ainda há a possibilidade de o indivíduo portador irregular de espécie silvestre nativa que tenha sido autuado por órgão ambiental assumir voluntariamente o dever de prestar a devida manutenção e o manejo do animal apreendido e objeto da infração enquanto não houver a destinação nos termos legais sob a forma de depositário, conforme estabelecido pela Resolução nº 457/2013 do Conama. Como condição presente no termo, o depositário deverá regularizar as impropriedades encontradas durante a fiscalização, nos casos e prazos determinados pelo órgão ambiental fiscalizador 10,12.
O interessado se tornará apto após vistoria pelo órgão de fiscalização, homologação e emissão do Termo de Depósito ou de Guarda Provisória 10,12. A identificação do animal é de responsabilidade do depositário ou guardião, por colocação de microchip (transponder) ou anilha, conforme a espécie animal 10,12. O referido órgão de fiscalização deve ser informado sobre qualquer movimentação do animal e mudança de endereço 10,12. Além disso, um relatório anual sobre as condições do animal deve ser encaminhado, contendo: marcação utilizada (numeração); fotos do recinto e do animal; laudo veterinário sobre o estado de saúde e a alimentação fornecida ao animal 12.
O destino de animais para a guarda provisória visa o bem-estar do espécime, que em muitos casos nasceu ou cresceu em cativeiro e não se adaptaria mais à vida na natureza, e que nos Cetas poderia estar mais exposto a doenças 12. O depósito se justifica também pelo bem-estar dos animais, que já desenvolveram um vínculo positivo com seus donos 10,12. Vale ressaltar que o manejo realizado pelo depositário será monitorado periodicamente e que a presença de irregularidades resulta em rescisão do termo de depósito e retirada do espécime 10,12. Por fim, os termos de depósito e guarda são de caráter provisório, como uma alternativa enquanto não houver uma destinação final de acordo com a lei, considerando a lotação dos Cetas 10,12.
Mas, afinal, a legalização de animais silvestres como animais de estimação pode diminuir o tráfico?
Há uma grande discussão sobre a legalização da criação de animais silvestres. No Brasil, há registro de 573 criadouros comerciais de animais silvestres 13. Dentre eles, 246 são de aves, os animais de estimação da fauna silvestre mais populares entre os brasileiros, sendo 89 de psitacídeos e o restante de passeriformes 13. Entre os psitacídeos, o que tem o maior número de criadouros comerciais é o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), com 74 criadouros 14. Mesmo com o número de criadouros legalizados, essa espécie é a segunda mais apreendida no comércio ilegal no Brasil 15.
Os passeriformes correspondem à ordem de animais mais traficados no Brasil 15. Além do número de criadores comerciais, existem também 406.790 criadores amadores que produzem esses animais 18. O canário-da-terra (Sicalis flaveola), por exemplo, é o segundo animal mais criado no Sistema de Gestão de Criadores de Passeriformes Silvestres (Sispass), e o mais apreendido pelo Ibama 18.
Em relação aos répteis e mamíferos, a correlação entre criadouros autorizados e tráfico não é clara, uma vez que há menor número de criadouros e de espécies que podem ser criadas em cativeiro 19. Além disso, a procura por esses animais no mercado ilegal recebe incremento do mercado internacional, que os comercializa não somente para a estimação, como também para a utilização da pele, do couro e de partes do corpo 19.
Um aspecto importante que envolve a legalização é que ainda não são conhecidas todas as características dos animais de estimação da fauna silvestre, e outras delas podem não ser expressas naturalmente em cativeiro 21. Por exemplo, algumas espécies de papagaios voam quilômetros por dia e vivem em bandos de mais de 100 animais, o que em cativeiro não seria possível 20. Com isso, os animais silvestres podem apresentar alterações comportamentais e de saúde, originadas pela falta de conhecimento e de cuidados adequados por parte dos tutores 21. Além desses fatores, há a possibilidade de circulação de zoonoses; os agentes Aspergillus, Candida, Chlamydia e Staphylococcus são os mais comuns entre as aves 22. No tocante aos mamíferos, a lista das doenças de potencial zoonótico é extensa 22. Esses animais podem atuar como reservatórios e transmissores de raiva, febre amarela, leptospirose, leishmaniose, hantavirose, pasteurelose, salmonelose, tétano, tuberculose, sarampo, varíola, criptosporidiose e malária 22.
Segundo a Comissão Nacional de Animais Selvagens (CNAS), é importante entender que há um hábito cultural brasileiro arraigado de apego a animais de estimação não convencionais, e que a sua obtenção se dá tradicionalmente por meio de busca e apanha na natureza. Não há um critério moral de que isso seja errado, mas esse comportamento precisa ser modificado mediante amplos e contínuos projetos educativos 23. O entusiasmo pela posse de animais silvestres de estimação está presente em todos as classes sociais e em todos os recantos do país. O número de criadouros legais ainda é insuficiente para atender à demanda, e os preços ainda são elevados 17. Vale ressaltar que o custo da produção de animais silvestres em cativeiro ainda é elevado, em decorrência da falta de um pacote zootécnico de sucesso comercial para as diferentes espécies a serem exploradas 23.
Impacto da soltura de animais de estimação da fauna nativa
Devido à falta de adaptação do animal e de apoio técnico ao tutor, os animais de estimação da fauna nativa acabam sendo soltos ou fugindo, causando uma série de prejuízos 24. Por mais que sejam nativos do país, eles podem se tornar exóticos à medida que estão presentes em outras áreas que não as de sua distribuição natural 25,26.
A população de animais exóticos pode aumentar com a ausência de um predador natural e a oferta de alimento abundante, fazendo com que eles se estabeleçam e se tornem invasores, concorrendo por alimento e ambiente com a população nativa, o que gera um desequilíbrio no ecossistema 25. Quando esses animais são soltos em áreas urbanas, como é o caso de algumas aves – como gansos e marrecos em parques –, apesar de não se tornarem invasores por definição, ainda podem causar desequilíbrio, visto que suas fezes diminuem a oxigenação da água e prejudicam os peixes, por exemplo 24.
Mesmo quando os animais são soltos em áreas de ocorrência, ainda assim podem ocasionar impacto ao meio ambiente 27, com riscos genéticos e ecológicos às populações nativas e pela introdução de novos patógenos, por exemplo 27.
Considerações finais
Diversas espécies nativas despertam o interesse dos seres humanos como animais de estimação. A regulamentação de que espécies podem ser criadas e comercializadas tem por objetivo garantir o bem-estar, inibir a apanha desses animais na natureza e eliminar o tráfico ilegal. A comercialização autorizada desses animais pode ainda auxiliar em sua conservação, à medida que sejam reproduzidos dentro das normas legais, garantindo a sua genética. No entanto, ainda é controverso o impacto positivo que a legalização teria no combate do tráfico, já que a maioria das espécies legalizadas ainda são comercializadas ilegalmente em ampla escala. A soltura irregular desses animais também ocasiona danos ao meio ambiente, gerados por competição, destruição e propagação de doenças.
Nesse contexto, é importante ressaltar a posição ocupada pelos médicos-veterinários clínicos que atendem espécies nativas, pois eles são o elo entre a legislação vigente, a saúde e o bem-estar geral desses animais como companhia e dos seres humanos, devido à possibilidade de transmissão de doenças. Além da capacitação desses profissionais dentro das peculiaridades clínicas, cirúrgicas e de manejo de cada espécie, é necessário o conhecimento sobre as consequências de seu escape ou soltura nos ecossistemas naturais e nas áreas urbanas.
É inegável o hábito cultural brasileiro de manter espécies silvestres nativas como animais de estimação – o tráfico reflete essa realidade. Esse hábito pode ser usado a favor da conservação. Há que se buscar um caminho legal para atender a essa demanda. Deve-se fortalecer a cultura da legalidade e da reverência à fauna nativa. A criação de animais silvestres em cativeiro pode, sim, cooperar com a conservação das espécies nativas, aliviando a pressão da sua retirada da natureza. Há exemplos de sucesso, como a criação de curiós, em que os animais mais valorizados pelos criadores de elite são nascidos em cativeiro, fruto de esforço zootécnico que busca a seleção e a fixação de características canoras. No entanto, estamos ainda distantes da obtenção desse sucesso para todas as espécies. A ilegalidade ainda tem um atrativo de baixo custo, a fiscalização é insuficiente e a mudança de hábitos é lenta, acontecendo com o esclarecimento das crianças em processo de aprendizado. A somatória dessas mudanças e o esforço da educação culminarão com a mudança de hábitos e o direcionamento legal do entusiasmo pelos animais silvestres como uma ferramenta de conservação. Afinal, atribuir valor a espécies ameaçadas é a melhor forma de obter esse resultado.
Referências
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