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Além da castração e da redução do número de cães

Contribuições da modelagem matemática para os estudos de dinâmica populacional de cães domiciliados e cães de rua

Matéria escrita por:

Oswaldo Santos Baquero, Marcos Amaku, Alexander Welker Biondo

15 de jul de 2017

Modelos matemáticos podem fornecer informações que auxiliem a estimar os efeitos das estratégias de controle, como esterilização e eutanásia. Créditos: Fernando Gonsales Modelos matemáticos podem fornecer informações que auxiliem a estimar os efeitos das estratégias de controle, como esterilização e eutanásia. Créditos: Fernando Gonsales

A redução ou equilíbrio da quantidade de cães de rua é condizente com a saúde pública, o bem-estar animal e a proteção do meio ambiente (saúde única). Para alcançá-la, é preciso entender o que determina essa quantidade e qual seria o efeito potencial das possíveis intervenções.

A dinâmica populacional refere-se às mudanças no tamanho das populações e aos determinantes dessas mudanças 1, enquanto o manejo populacional refere-se ao conjunto de estratégias, que, ajustadas à realidade sociocultural e sanitária do local que se pretende atingir, modificam ou mantêm estável a dinâmica populacional 2.

O ideal seria modificar todos os determinantes que se opõem aos objetivos de um programa de manejo populacional, fazendo com que a mudança atingisse toda a população. No entanto, os recursos necessários para alcançar esse objetivo normalmente excedem os recursos disponíveis, e essas intervenções de base populacional dificilmente têm uma cobertura integral 2. Frente à limitação de recursos, deveriam ser priorizadas as intervenções mais efetivas, ou, em outras palavras, as que modificam os determinantes mais influentes da dinâmica populacional. Embora exista um grande número de determinantes demográficos, socioeconômicos, culturais e ambientais, todos modificam a dinâmica populacional pelo efeito que exercem em outros quatro determinantes principais: natalidade, mortalidade, imigração e emigração (por exemplo, a esterilização reduz a natalidade).

Com o surgimento de modelos matemáticos, tem sido possível representar a dinâmica populacional de cães para entender melhor o efeito e a relação entre determinantes, visando à identificação das intervenções mais efetivas. Modelos matemáticos podem fornecer informações que auxiliem a estimar os efeitos das estratégias de controle, como esterilização e eutanásia. O objetivo principal tem sido a construção de um modelo mais simples que responda às questões de interesse, tendo como ponto de partida habitual um modelo com poucos componentes, ao qual se acrescentam componentes adicionais, conforme a necessidade.

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Cães recolhidos pela “carrocinha” na região metropolitana de Curitiba, em 2004, sem impacto no controle populacional. A diferença entre a carrocinha e a castração tem sido que esta última mantém o animal no ambiente, equilibrando sua capacidade suporte

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Os modelos compartimentais são modelos matemáticos nos quais os compartimentos são sub-populações, e a relação entre as mesmas é representada por flechas indicando fluxos entre os compartimentos. Os compartimentos das populações de cães domiciliados e de cães de rua – com os fluxos referentes ao abandono e à adoção de cães, a contribuição da esterilização, das taxas vitais (natalidade e mortalidade) e de fontes externas de recrutamento, como canis comerciais e cães vindos de outros locais – podem ser representados de maneira esquemática. Modelos encontrados na literatura não são exatamente iguais a essa representação, mas seguem o mesmo raciocínio, e representam os compartimentos e flechas em sistemas de equações.

Em relação às taxas vitais (natalidade e mortalidade), há modelos que as limitam considerando a capacidade de suporte 3,4,5. Recursos como o alimento, a água e o abrigo são limitados e impedem que as populações cresçam indefinidamente. Define-se como capacidade de suporte o número máximo de animais em um ambiente específico, determinado principalmente pelos recursos disponíveis 5. Conforme a quantidade de animais se aproxima da capacidade de suporte, a natalidade diminui ou a mortalidade aumenta, ou ambas ocorrem, mantendo, desse modo, o equilíbrio populacional.

Nas populações de cães domiciliados, tem-se considerado que a capacidade de suporte reduz a natalidade e é determinada pela quantidade de cães com que as pessoas optam por conviver 3,4, ou seja, a capacidade de suporte seria determinada pela razão entre cães e habitantes de uma determinada localidade. Nas populações não domiciliadas, tem-se considerado que esse efeito de dependência do tamanho populacional aumenta a mortalidade e é determinado pela disponibilidade de recursos presentes no ambiente 4,6. Mesmo se os efeitos da capacidade de suporte forem mais complexos, as considerações mencionadas são simplificações que limitam o crescimento populacional e, ao mesmo tempo, facilitam a modelagem.

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A importância de caracterizar a demografia das populações caninas, simular cenários de intervenção usando modelos matemáticos e estatísticos baseados nas próprias características da população-alvo e monitorar as intervenções implementadas. Créditos: Fernando Gonsales

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Os modelos que consideram processos migratórios têm-se concentrado na imigração, entendida como recrutamento de cães de fontes externas tais como populações de outros locais ou populações destinadas ao comércio 3,4. Nesses estudos, a emigração não tem sido incluída explicitamente, o que seria equivalente à ausência de emigração ou à consideração implícita da emigração absoluta, ou seja, depois de descontar a imigração. Nesse cenário, o abandono seria um processo de emigração na população domiciliada e de imigração na população não domiciliada; a adoção seria o processo inverso.

A modelagem tem mostrado o modo pelo qual a imigração dilui o efeito de intervenções de manejo populacional, especialmente no caso do abandono, quando o tamanho da população de cães de rua equivale a uma pequena fração da população domiciliada. Nessa situação, os efeitos das taxas de adoção e esterilização de 1% na população de cães de rua chegam a ser revertidos por uma taxa de abandono de 1%, pois, em termos absolutos, o número de cães que entram é maior do que o que sai 4. Se somarmos a isso o pressuposto de que a população de cães de rua tende à extinção, porque a mortalidade induzida pelas condições de rua não é compensada pela natalidade, o abandono, além de ser problemático pelo seu efeito diluente, é o fator determinante que sustenta a existência de cães de rua.

Voltando à necessidade de priorizar intervenções, quais são os parâmetros mais influentes? Em um modelo proposto recentemente 4, incluíram-se outros parâmetros além das taxas vitais e da migração, em uma população com estrutura de sexos na qual as taxas vitais e de esterilização eram diferentes para as fêmeas e os machos. A esse modelo se aplicou uma análise de sensibilidade para quantificar o efeito que perturbações no valor dos parâmetros produzem na dinâmica populacional, obtendo-se, assim, uma medida da influência de cada parâmetro.

Ao usar esse modelo para simular taxas estimadas nos municípios de Votorantim, SP4, e Campinas, SP7, apesar do resultado não ter sido igual nos dois municípios, em ambos os casos a capacidade de suporte foi o parâmetro mais influente.

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Esquema de compartimentos das populações de cães domiciliados e cães de rua, com os fluxos referentes ao abandono de cães domiciliados, à adoção de cães abandonados, à esterilização de cães, às taxas de natalidade e mortalidade e à contribuição de fontes externas, como canis comerciais e cães vindos de outras localidades

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Embora a capacidade de suporte seja o maior determinante da dinâmica populacional, a priorização de intervenções para diminuição da população domiciliada implicaria numa redução da coexistência entre humanos e cães. Isso não só pode ser difícil de conseguir como também é questionável, devido aos benefícios mútuos derivados dessa coexistência 8. Pelo contrário, a priorização da redução da capacidade de suporte (fontes de alimento a abrigo) pode ser conveniente na população não domiciliada, mas associada à redução do abandono e ao aumento da adoção, para evitar que a mortalidade por falta de recursos seja a causa da diminuição do tamanho populacional.

Além da influência da imigração e, em especial, do abandono, os estudos realizados em Votorantim e Campinas mostram que a esterilização é um parâmetro influente cujos efeitos são mais notáveis quando avaliados na dinâmica dos animais esterilizados. Isso levanta duas questões que não devem ser ignoradas. Em primeiro lugar, se os efeitos da esterilização forem avaliados apenas pelas mudanças no tamanho do total da população, o efeito dessa intervenção será subestimado. Em segundo lugar, o efeito esperado da esterilização deve ser, principalmente, o aumento da fração populacional estéril, não o decréscimo da população domiciliada, pois a quantidade de cães nos domicílios está determinada pelas pessoas que optaram em conviver com eles. Assim, quando essa opção se mantém inalterada, a redução populacional causada pela esterilização tende a ser compensada por outros mecanismos, como a aquisição de fontes externas. O estudo de Campinas mostrou ainda que, apesar do potencial da esterilização, seus efeitos são diluídos no tempo quando ela é aplicada uma única vez. Mesmo em uma população de cães domiciliados em que não haja a aquisição de animais de fontes externas, os efeitos de campanhas de esterilização podem não ser observados de imediato, demorando para serem notados 3.

Concluindo, quando a população de cães de rua equivale a uma pequena fração da população domiciliada, os modelos matemáticos citados sugerem que intervenções voltadas aos cães domiciliados são as mais eficientes para diminuir a quantidade de cães nas ruas, e as intervenções concentradas nos próprios cães de rua são complementares. Nessa população de cães de rua, o principal alvo da intervenção deve ser a redução da capacidade de suporte, mas sempre acompanhada da prevenção do abandono e da promoção da adoção. Quanto à esterilização de cães domiciliados, o efeito deve ser mensurado em termos da proporção de cães férteis.

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1. A capacidade de suporte é o maior determinante da dinâmica populacional em cães domiciliados, mas sua diminuição implicaria numa redução da coexistência entre seres humanos e cães, o que poderia ser questionável devido aos atuais benefícios dessa relação.
2. A capacidade de suporte é o maior determinante da dinâmica populacional em cães de rua, mas sua diminuição (fontes de alimento, água e abrigo) deveria ser acompanhada da redução do abandono e do aumento da adoção, para evitar que a diminuição no tamanho populacional seja por mortalidade de cães por privação de recursos.
3. O percentual de cães castrados, e não o total de cães, parece ser o melhor indicador do efeito populacional da castração.
Conclusões importantes, tendo por base o estudo no município de Votorantim, SP4

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Contudo, tais conclusões não são necessariamente aplicáveis em todas as situações, pois se sabe que a realidade não é homogênea, e a estratégia mais adequada pode variar de local para local e até em um mesmo local ao longo do tempo. Daí a importância de caracterizar a demografia das populações caninas alvo de intervenção, de simular cenários de intervenção usando modelos matemáticos e estatísticos baseados nas próprias características da população-alvo e de monitorar as intervenções implementadas 2,9.

 

Referências

1-SKALSKI, J. R. ; RYDING, K. E. ; MILLSPAUGH, J. J. Wildlife demography: analysis of sex, age, and count data. 1. ed. San Diego: Elsevier Academic Press, 2005. 656 p. ISBN: 978-0120887736. Disponível em: <http://books.google.com.br/books/about/Wildlife_Demography.html?id=Jp_FzZkKKB4C&pgis=1>.

2-BAQUERO, O. S. Manejo populacional de cães e gatos: métodos quantitativos para caracterizar populações, identificar prioridades e estabelecer indicadores. 2015. 87 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Faculade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

3-AMAKU, M. ; DIAS, R. A. ; FERREIRA, F. Dinâmica populacional canina: potenciais efeitos de campanhas de esterilização. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 25, n. 4,(4), p. 300-304, 2009. Disponível em: <https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v25n4/03.pdf>.

4-BAQUERO, O. S. ; AKAMINE, L. A. ; AMAKU, M. ; FERREIRA, F. Defining priorities for dog population management through mathematical modeling. Preventive Veterinary Medicine, v. 123, n. 1, p. 121-127, 2016. doi: 10.1016/j.prevetmed.2015.11.009.

5-GOTELLI, N. J. A primer of ecology. 4. ed. Sunderland: Sinauer Associates, 2008. 290 p. ISBN: 978-0878933181.

6-AMAKU, M. ; DIAS, R. A. ; FERREIRA, F. Dynamics and control of stray dog populations. Mathematical Population Studies, v. 17, n. 2, p. 69-78, 2010. doi: 10.1080/08898481003689452.

7-DIAS, R. A. ; BAQUERO, O. S. ; GUILLOUX, A. G. A. ; MORETTI, C. F. ; DE LUCCA, T. ; RODRIGUES, R. C. A. ; CASTAGNA, C. L. ; PRESOTTO, D. ; KRONITZKY, Y. C. ; GRISI-FILHO, J. H. H. ; FERREIRA, F. ; AMAKU, M. Dog and cat management through sterilization: implications for population dynamics and veterinary public policies. Preventive Veterinary Medicine, v. 122, n. 1-2, p. 154-163, 2015. doi: 10.1016/j.prevetmed.2015.10.004.

8-PODBERSCEK, A. L. Positive and negative aspects of our relationship with companion animals. Veterinary Research Communications, v. 30, n. 1, p. 21-27, 2006. doi: 10.1007/s11259-006-0005-0.

9-GARCIA, R. C. M. ; CALDERÓN, N. ; FERREIRA, F. Consolidação de diretrizes internacionais de manejo de populações caninas em áreas urbanas e proposta de indicadores para seu gerenciamento. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 32, n. 2, p. 140-144, 2012. Disponível em:  <http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v32n2/v32n2a08.pdf>