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Abrigos vazios. Será que é possível?

Estratégias para aumentar as taxas de adoções!

Matéria escrita por:

Ana Lucia Baldan

29 de mar de 2025


O abandono de animais aliado a programas ineficientes de controle populacional corroboram o aumento exponencial de abrigos superlotados com diferentes capacidades de acolhimento, uns com até cem e outros com mais de mil animais. Segundo o Instituto Pet Brasil, 2022 1, mais de 180 mil animais estão amontoados em mais de 400 Organizações da Sociedade Civil (OSC) espalhadas por todo o Brasil. Ter um programa completo de manejo populacional de cães e gatos que, além de controlar a reprodução animal, consiga conscientizar toda a população sobre a guarda responsável poderá apoiar ações de combate a esse problema que assola muitos municípios do nosso país 2.

Para sanar a problematica da superlotação em abrigos contamos com os eventos de adoção de cães e gatos no Brasil, um processo que não é fácil, e no qual cães e gatos ficam expostos a ambientes totalmente desconhecidos. A população no Brasil não está habituada a visitar abrigos, e aquelas que o fazem pouco interagem com os animais oferecidos para adoção e com isso, as chances de adoção são pequenas e às vezes nulas 3.

Estudos internacionais 4,5 em conjunto com a Maddie’s® Foundation, uma ONG internacional, mostraram alternativas para aumentar a chance no processo de adoção de cães em situações, por meio da aplicação de dois programas, o Field Trip e o Sleepover, programas onde famílias voluntárias podem levar um cão de abrigo para passear ou dormir fora do abrigo. O Sleepover foi aplicado como projeto piloto da dissertação de mestrado na cidade de Pirassununga no interior de São Paulo com resultados positivos, pois todos os cães participantes do projeto foram adotados 6.

Para aplicar no Brasil os dois programas internacionais, foi feita uma adaptação, com diferentes nomes – o Field trip passou a se chamar Passeio para adoção (PA) e o Sleepover foi chamado de Lar Adotivo (LA) – e a resposta desses programas no país foi analisada. Esses programas foram lançados com o objetivo principal de criar uma nova estratégia para aumentar a taxa de adoção de cães em situação de abrigo.

 

Como colocar em prática esses programas

O Passeio para adoção (PA) é o programa em que famílias voluntárias se cadastram por meio de um formulário (Google forms) e, após o aceite pelo responsável do abrigo, vão até o abrigo buscar um cão para passear por até 4 horas (o total de horas fica a critério do abrigo) em locais da cidade onde os cães são aceitos, como parques, restaurantes, lojas etc. Os cães saem do abrigo usando um colete onde está escrito “me adote” (Figura 1). Dessa forma, podem ser vistos pela sociedade, aumentando assim sua chance de adoção. 

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Figura 1 – Cão vestindo colete com os dizeres “ME ADOTE” durante o PA. Créditos: Lu Baldan

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Para dar mais segurança aos cães participantes do PA, eles devem usar um crachá de identificação com várias informações importantes, como, “por favor se certifique de que estou preso na guia o tempo todo”, “lembre-se de fazer muitas fotos e vídeos, pois isso pode me ajudar a encontrar meu lar definitivo”, e no verso do crachá deve constar o nome do cão e o contato do abrigo, caso aconteça algum problema durante o passeio (Figura 2).

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Figura 2 – Modelo do crachá usado no programa PA em um abrigo

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As famílias voluntárias podem receber um relatório físico, lúdico e de fácil preenchimento, adaptado do “Animal Care and Adoption Center”, um abrigo da cidade de Montgomery County no estado de Virginia nos Estados Unidos (Figura 3) para levar durante o passeio e preencher de acordo com a perspectiva do voluntário em relação a vários itens – por exemplo, se o cão sabe andar na guia, se é sociável, se encontrou outros cães, entre outros itens. Na figura 4, há descritores feitos pela família voluntária com informações sobre o comportamento do cão. Essas informações são importantes para mapear o cão e dar embasamento para que o abrigo encontre um futuro adotante com o perfil do cão descrito.

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Figura 3 – Relatório físico a ser preenchido pela família voluntária durante o PA

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Descritores N %
Dócil/amoroso/carinhoso/fofo 11 73,33
Sociável/simpático/amigável 6 40
Obediente/educado/comportado 9 60
Calmo/tranquilo 7 46,67
Alegre/feliz 4 26,67
Forte 1 6,67
Querido/bonzinho 3 20
Brincalhão 2 13,33
Carente 1 6,67
Medroso/tímido 2 13,33
Agitado/animado 2 13,33
Comilão 1 6,67
Centrado/inteligente 2 13,33
Explorador/curioso 4 26,67

Figura 4 – Descritores sobre o comportamento do cão, sob a perspectiva da família voluntária durante o PA . N= frequência absoluta; %= frequência relativa

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O lar adotivo (LA) é o programa em que o cão pode sair do abrigo para dormir fora, dormir na casa de famílias voluntárias que se cadastraram e foram aceitas pelo responsável do abrigo, da mesma forma que no programa PA, e a definição de quantas noites eles podem dormir fora fica a cargo de cada abrigo. Esse programa permite que os cães e a família voluntária se conheçam melhor, e que o cão possa ter a experiencia de viver em um lar que pode vir a ser sua futura casa, facilitando a resposta dessa possível adoção. Os voluntários assinam um termo de responsabilidade e compromisso, como mostra a figura 5, no qual consta a data de saída e de retorno do cão ao abrigo. Vale notar, porém, que esse termo não é o termo de adoção definitivo e sim um compromisso de participação no programa Lar Adotivo. Assim, caso o cão seja adotado, o abrigo deve gerar o termo próprio e definitivo de adoção.

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Figura 5 – Termo de responsabilidade e compromisso a ser preenchido pela família voluntária e pelo abrigo para participação no LA

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O que é importante saber antes de implantar os programas nos abrigos

Antes de implantar os programas de adoção é importante que o abrigo se preocupe em conhecer o comportamento dos cães participantes. Isso é fundamental para que o cão e a família voluntária não corram nenhum risco ou passem por algum desconforto, tanto no passeio quanto na estadia. O abrigo poderá também participar da capacitação do curso MECA (Manejo Etológico de Cães em Abrigos), que prepara os cães e os colaboradores com protocolos já desenvolvidos e testados 6,7,8, como o de interação humano-cão (IHC) e o de treinamento (TR).

 

Resultados obtidos com os programas PA e LA aplicados em um abrigo

Para os dois programas, o abrigo selecionou 20 cães que estavam prontos, vacinados, desverminados, microchipados, castrados e, o mais importante, haviam passado pelos protocolos IHC e TR, e com isso o abrigo conhecia muito bem o comportamento de cada cão e todos tinham treinamento básico e sabiam passear com coleira e guia 9.

Para o PA, o abrigo destinou 15 cães, do total de 20 que passearam com as famílias voluntárias. O resultado foi que 80% (12/15) desses cães foram adotados, e 20% (3/15) não (Figura 6). Vale notar que alguns cães (4/11) saíram para passear mais de uma vez, o que não contribuiu necessariamente para sua adoção.

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Variável N %
Número de passeios 1 11 73,33
3 4 26,67
Fui adotado sim 12 80
não 2 20
Figura 6 – Número de passeios e de cães adotados

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O resultado do programa LA foi surpreendente, já que os nove cães que saíram do abrigo para dormir fora com famílias voluntárias foram todos adotados e, desses nove, sete foram adotados pela mesma família participante do programa. Isso corrobora o objetivo desse programa, que é promover e fortalecer uma interação e vivência do cão com a futura família adotiva durante vários dias e noites no futuro lar (Figura 7).

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Variável Sim Não
N %lin N %lin
Adotado 9 100 0 0
Adotado pela mesma família 7 77,8 2 22,2
Figura 7 – Frequências dos cães do PA que foram adotados e dos que foram adotados pela mesma família voluntária. N= Frequência absoluta; %lin= Frequência relativa

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Considerações finais importantes que elucidam a aplicação dos programas de adoção

Os programas PA e LA contribuíram fortemente para o processo da adoção e comprovam que podem ser usados como uma nova estratégia para aumentar a taxa de adoção dos cães em situação de abrigo. As pesquisas mostram que o adotante às vezes decide adotar um cão com base na aparência, mas pode mudar de ideia quando percebe alguns aspectos comportamentais do animal 10,11,12. Ou seja, quando o voluntário sai com um cão do abrigo para passear ou quando o leva a dormir em sua casa pode perceber seu comportamento, e a interação e a convivência são testadas com resultados positivos.

O convívio das famílias voluntárias com os cães foi positivo de modo geral, já que dos 15 cães do PA, 12 tiveram um final feliz (Figura 4), e no LA os resultados foram ainda mais surpreendentes, pois todos os 9 cães participantes foram adotados e, melhor ainda, sete deles foram adotados por famílias que haviam levado o cão para suas casas (Figura 7).

Os programas de adoção apresentados foram conduzidos de forma inédita no Brasil no período de um ano, entre outubro de 2022 a setembro de 2023, no abrigo municipal da cidade de Curitiba, PR, com resultados positivos 9. E o intuito de divulgar a apresentação dos programas LA e PA é fazer com que todos os abrigos e ONGs possam usá-los como uma nova estratégia de adoção.

No PA, o fato de os cães saírem do abrigo e serem vistos pela sociedade não só aumentou a chance de adoção, mas também contribuiu para que esses cães pudessem aliviar o estresse do confinamento e experimentar novos ares, novas texturas e interagir com novas pessoas, novos cães e até outros animais.

O LA mostrou ser um programa eficiente como facilitador da convivência e experiência de passar um tempo com um cão que se pretende adotar, e por propiciar que o cão durma fora do abrigo, o que demostrou ser excelente para o seu bem-estar e para amenizar o estresse do confinamento.

Os dois programas favorecem também o aumento da saída dos cães abrigados e das adoções, e consequentemente contribui para que o abrigo se justifique como uma casa de passagem.

 

Referências

01-Instituto Pet Brasil. País tem mais de 180 milhões de animais abandonados. São Paulo, 2022. Disponível em: <http://www.institutopetbrasil.com>. Acessado 31 de outubro de 2023.

02-GARCIA, R. C. M. ; CALDERÓN, N. ; BRANDESPIN, F. Medicina veterinária do coletivo: fundamentos e práticas. 1. ed. Campo Limpo Paulista: Integrativa Vet. 2019.

03-TRAVNIK, I. C. ; BALDAN, A. L. Promoção da adoção. In: GALDIOLI, L. ; GARCIA, R. Medicina de abrigos: princípios e diretrizes. 1. ed. Curitiba: Edição do Autor. 2022. p. 713-24.

04-GUNTER, L. M. ; FEUERBACHER, E. N. ; GILCHRIST, R. J. ; WYNNE, C. D. L. Evaluating the effects of a temporary fostering program on shelter dog welfare. Peer J, 2019. v. 7, e6620. doi: 10.7717/peerj.6620.

05-GUNTER, L. M. ; GILCHRIST, R. J. ; BLADE, E. M.  BARBER, R. T. ; FEUERBACHER, E. N. ; PLATER, J. M. ; WYNNE, C. D. L. Investigating the impact of brief outings on the welfare of dogs living in US shelters. Animals, v. 11, n. 11, p. 548,  2021. doi: 10.3390/ani11020548.

06-BALDAN, A. L. Treinamento e interação humano-cão têm efeito sobre o bem-estar e a adoção em cães de abrigos? Dissertação (Mestrado). Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo. 2021. Doi: 10.11606/D.59.2021.tde-22112021-153020.

07-BALDAN, A. L. Modulação comportamental e adestramento de cães em abrigos. In: GALDIOLI, L. ; GARCIA, R. C. M. Medicina de abrigos: princípios e diretrizes. 1. ed. Curitiba: Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo; 2022. p. 420-30. 

08-BALDAN, A. L. ; ROCHA, Y. S. G. ; GALDIOLI, L. ; GARCIA, R. C. M. Protocolo de interação humano-cão (IHC) e treinamento (TR) para cães em situação de abrigo. Curitiba: UFPR. 2023. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/81932>.

09-BALDAN, A. L. ; GARCIA, R. C. M. Strategies to increase the number of dog adoptions in a Brazilian shelter. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v. 61, e218031, 2024. Doi: 10.11606/issn.1678-4456.bjvras.2024.218031.

10-WELLS, D. ; HEPPER, P. G. The behaviour of dogs in a rescue shelter. Animal Welfare, v. 1, n. 3, p. 171-186, 1992. Doi 10.1017/S0962728600014998.

11-COE, J. B. ; YOUNG, I. ; LAMBERT, K. ; DYSART, L. ; NOGUEIRA BORDEN, L. ; RAJIĆ, A. A scoping review of published research on the relinquishment of companion animals. Journal do Applied Animal Welfare Science, v. 17, n. 3, p. 253-273. 2014. Doi: 10.1080/10888705.2014.899910.

12-PROTOPOPOVA, A. ; WYNNE, C. D. L. Adopter-dog interactions at the shelter: behavioral and contextual predictors of adoption. Applied Animal Behaviour Science, v. 157, p. 109-116, 2014. Doi: 10.1016/j.applanim.2014.04.007.