Planos de saúde veterinários
Um mercado para profissionais e equipes preparadas para enfrentar os problemas
É sabido que a medicina veterinária anda no mesmo caminho da medicina humana – um pouco atrás, é verdade. Sendo assim, todas as novidades em medicamentos e técnicas vêm da medicina humana para a veterinária. Nessa linha, temos visto um crescimento em planos de saúde veterinária, uma realidade na medicina humana que começa a ganhar força na medicina veterinária, e consideramos que esse caminho é inevitável e vai ampliar suas bases por todo o Brasil.
A saúde veterinária é composta de um sistema particular no qual algumas ONGs e protetores também atuam, arcando com os custos subsidiados pela bondade popular e pela colaboração e o diletantismo de colegas. Diversas universidades e inúmeras prefeituras têm adotado um sistema público que, embora necessário, ainda é incipiente e seguramente tende a crescer. Nesse campo surge o sistema suplementar – os planos de saúde –, aos moldes da realidade da medicina humana.
Existem planos nacionais, estaduais, regionais e até mesmo locais. Nessa vertente, é importante destacarmos duas facetas: a primeira é relacionada aos planos nacionais de grandes empresas, nos quais o conveniado pode buscar inúmeros especialistas pelo Brasil. Esses planos conseguem sustentabilidade pela sua ampla base de arrecadação, sendo que a variada lista de especialistas é um atrativo para novos clientes, e a base de arrecadação dá suporte financeiro à demanda inicial de contratação, além de sofrer menos com os tratamentos de maior custo; a segunda faceta é a do plano próprio.
Neste último caso, a situação já é bem diferente, primeiro porque o plano próprio geralmente é vinculado a uma única clínica ou hospital veterinário, e nesse caso já se torna menos atraente, pois a relação de profissionais que dão atendimento é bem menor, e muitas vezes essas instituições nem dispõem de todas as especialidades. Outra situação é a base de arrecadação, que gera uma distorção, pois em cidades menores o plano acaba sendo concorrente da própria clínica em relação aos particulares, e assim diminui o fluxo de caixa da empresa, pois todo plano vendido gera uma demanda inicial alta, e nem sempre a arrecadação acompanha o nível de gastos.
Atualmente, várias empresas têm oferecido um programa, ou APP, para que as clínicas e hospitais veterinários comecem um plano próprio, proporcionando gestão e controles. Mas pode-se questionar: há viabilidade econômica? – ou seja, será que vale a pena?
Outro dilema a analisar relaciona-se a discussões e problemas legais, ou seja: que lei será usada?
É importante destacar que ainda não existe um disciplinamento no setor pet, e assim o embasamento legal vai ser relacionado às regras do setor humano. Aí entra em cena a Lei no. 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
É nesse ponto que os incautos serão surpreendidos e poderão ser condenados a suportar um grande prejuízo.
Os planos de saúde humanos devem respeitar inúmeras regras, e não será diferente com os planos veterinários, que também serão obrigados a se adequar. Afinal, quem busca um plano de saúde quer uma cobertura de gastos em um contrato aleatório que depende de um evento futuro e incerto, ou seja, paga para ter uma cobertura em caso de uma necessidade; em suma, trata-se de uma obrigação de resultados, pois está implícita uma prestação de serviços de qualidade.
É importante que os médicos-veterinários atentem para alguns pontos já sedimentados em relação aos planos de saúde humanos.
Os contratos de planos de saúde são:
[…] revestidos de características especiais que envolvem um feixe de relações, com prestação de serviços contínuos, massificados, prestados por pequeno grupo de empresas, no geral com a utilização de terceiros para a realização do verdadeiro objetivo contratual, ou seja, a prestação direta do serviço ao consumidor. Para a realização de tal desiderato, ocorre uma cadeia invisível de fornecedores diretos e indiretos, isto é, médicos, paramédicos, prepostos dos hospitais, laboratórios, etc. (BAÚ, 2001, p. 48)
Ainda sobre a conceituação dos contratos de plano de saúde, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu:
O plano de assistência à saúde é contrato de trato sucessivo, por prazo indeterminado, a envolver transferência onerosa de riscos que possam afetar futuramente a saúde do consumidor e seus dependentes, mediante a prestação de serviços de assistência médico-ambulatorial e hospitalar, diretamente ou por meio de rede credenciada, ou ainda pelo simples reembolso das despesas. (Excertos do AgRg no REsp 707.286/RJ, Rel. ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 18/12/2009) (grifou-se).
Sob esse aspecto, é necessária uma análise mais apurada em relação aos contratos de adesão impostos pelos planos veterinários, suas regras de doenças preexistentes, coberturas e garantias. Imaginem, por exemplo, um contrato que preveja 15 dias de internação por ano – a lei citada assegurou a internação hospitalar pelo tempo que for preciso para a recuperação do paciente, não podendo haver limite de dias. Nesse ponto, a empresa poderá ser obrigada a custear a internação de forma indeterminada, o que certamente irá gerar um desequilíbrio nas contas e poderá inviabilizar a sobrevivência do plano.
Existem na lei regras em relação à carência, em que os prazos foram padronizados e limitados a períodos efetivamente necessários para coibir o risco na utilização do plano. Não se podem também esquecer as regras em relação à cobertura de planos, por meio das quais não se permite restringir essa cobertura a determinadas doenças e busca-se compatibilizar a necessária atualização tecnológica dos procedimentos em saúde com a sustentabilidade do setor.
Também existem regras em relação à seleção de risco, estabelecendo que as operadoras são proibidas de negar o atendimento a clientes por conta de alguma deficiência, doença preexistente ou idade.
Fixam-se regras em relação à urgência e à emergência, estabelecendo esses conceitos e firmando a obrigatoriedade de cobertura de tais atendimentos, após cumpridos os prazos de carência.
É preciso lembrar também que o plano referência de assistência à saúde tem requisitos mínimos para operar, previstos no Art. 10 da referida legislação.
Considerando esses poucos questionamentos, tenho a certeza de que “os cabelos já ficaram em pé”, levantando um grande problema e uma séria discussão para a viabilidade do empreendimento – além, claro, do cálculo atuarial para a viabilidade econômica do plano.
O cálculo atuarial é de vital importância para o sucesso do plano, já que a realização de cálculos equivocados pode implicar prejuízo para o plano, que poderá resultar em impossibilidade de pagamento dos segurados.
É importante dizer que quem busca um plano de saúde pensa na segurança em momentos de aflição e na garantia da realização de serviços de alto custo, uma vez que a álea (risco) faz parte desse tipo de contratação.
Inevitavelmente, caberá ao Poder Judiciário a missão de avaliar as demandas, analisando caso a caso, levando em conta o Código de Defesa do Consumidor e a legislação vigente relacionada aos planos de saúde, sopesando o princípio da dignidade da vida animal, conceito que vem sendo fortalecido pelo direito animal.
Afora o que já foi exposto, ressalto que existem outros problemas a analisar – assim, fica aqui um alerta para os incautos que “aproveitam a maré” e começam um negócio sem a devida análise.
O caminho dos planos de saúde é irreversível no atual mercado, mas não é para amadores e “oportunistas” – é um mercado para profissionais e equipes preparadas para enfrentar os problemas.