A importância do direito médico-veterinário na atualidade da medicina veterinária
A importância do direito médico-veterinário na atualidade da medicina veterinária
A relação entre seres humanos e animais, ainda que de maneira tardia, está mudando drasticamente. Prova disso é que até junho de 2019 o Brasil somava a quantia de 139,3 milhões de animais de estimação 1, colocando-nos no segundo lugar no ranking de crescimento do setor no mercado, suplantado apenas pelos Estados Unidos.
Sob essa constatação, a comunidade jurídica também começou a prestar mais atenção aos direitos dos animais, iniciando-se as discussões sobre a sua personalidade jurídica e as relações estabelecidas em cada segmento de atuação, especialmente a relação entre o animal, o tutor e o médico-veterinário.
Com o reconhecimento de que os animais são seres sencientes, é cada vez mais comum ver o Poder Judiciário ser acionado para proteção dos direitos fundamentais – instituídos pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais (Duda), pela Constituição Federal e pela legislação de proteção ambiental – por autores de demandas, representados por entidades de proteção animal ou por seus tutores.
A partir do reconhecimento da família multiespécie – “aquela lastreada essencialmente na afetividade inerente na relação ser humano/animal” 2 –, diversos ramos do direito estão empenhados em encontrar as soluções jurídicas para os problemas que envolvem essa relação. O direito de família, por exemplo, preocupa-se em regulamentar a guarda, o direito de visitas e a eventual necessidade de pensão alimentícia para o animal de estimação na hipótese de rompimento de uma sociedade conjugal.
É necessário, portanto, diferenciar o direito dos animais, o direito do animal e o direito médico-veterinário.
O direito dos animais visa proteger os animais abstratamente entendidos enquanto parte de um ecossistema, incluindo a preservação das espécies. Já o direito do animal tem por objetivo a proteção dos animais como seres individualizados capazes de sentir sofrimento e prazer. Ambos podem ser considerados ramos autonomizáveis do direito ambiental.
Por sua vez, o direito médico-veterinário debruça-se sobre os estudos da regulação ética, sanitária, ambiental e das responsabilidades de todos os atores envolvidos na prática da medicina veterinária, principalmente sob o enfoque da relação entre médico-veterinário, tutor e animal.
Infelizmente, muitas vezes o médico-veterinário desconhece o seu próprio Código de Ética e todas as demais legislações que regulam a sua atividade direta ou indiretamente. Esse desconhecimento traz uma grande sensação de vulnerabilidade, especialmente quando tratamos da relação direta entre médico-veterinário e tutor.
Muitas vezes, o veterinário é refém de determinada situação, e o tutor cria uma expectativa irreal com base no entendimento equivocado de que é o detentor de todos os direitos ao intitular-se consumidor.
Ao contar com uma assessoria jurídica especializada, o médico-veterinário terá segurança para exercer a profissão, conscientizando-se do que é permitido ou proibido – o que lhe permitirá avaliar e gerenciar os riscos na tomada de qualquer decisão.
Estará amparado sempre que a prática clínica trouxer situações nem sempre de fácil solução e que podem acarretar graves consequências jurídicas à moral e ao patrimônio dos profissionais e a suas clínicas, hospitais, laboratórios, etc.
Também poderá divulgar os seus serviços de maneira segura, respeitando as regras impostas para a publicidade, incluindo as redes sociais, a fim de evitar dissabores desnecessários.
De igual maneira, com uma assessoria especializada o profissional estará amparado na elaboração e na guarda dos seus documentos médicos, adotando estratégias específicas para garantir o cumprimento dos deveres de informação e comunicação e adequando-se à capacidade cognitiva de cada tutor de paciente, além de comprovar o uso correto dos protocolos clínicos, protegendo-se contra eventuais acusações de negligência, imprudência ou imperícia nas esferas administrativas e judiciais.
Os documentos médicos que integram o prontuário do paciente devem ser muito bem redigidos, porque constituem o maior aliado no exercício profissional para garantir a isenção de responsabilidades e o recebimento pelos serviços prestados.
Como prevenir é melhor do que remediar, contar com auxílio jurídico no momento da ocorrência dos fatos traz resultados positivos na prevenção, evitando processos administrativos e judiciais.
Quando for inevitável a solução pelos meios legais, administrativos ou judiciais, o profissional contará com uma defesa técnica bem-estruturada e fundamentada para afastar eventuais responsabilidades ou mitigar os prejuízos quando se verificar qualquer caracterização da culpa.
O direito médico-veterinário também pode auxiliar o médico-veterinário a implantar protocolos seguros para o gerenciamento dos riscos inerentes à rotina profissional, o treinamento da equipe e do próprio profissional na construção de uma boa relação com o tutor do animal e a padronização da prestação dos seus serviços a fim de garantir maior segurança de atuação.
A diferença entre o profissional generalista e o especialista se refere ao objeto de estudo, ou seja: o generalista não se dedica a estudar as especificidades de uma matéria ou de uma atuação e se concentra em conhecer as regras gerais; por outro lado, o especialista dedica-se a entender tudo o que envolve determinada matéria em minúcias.
O generalista costuma resolver parte do problema até o momento que exige o conhecimento técnico, reunindo as legislações específicas e a sua correta interpretação e aplicação ao exercício da medicina veterinária. Essa é a regra para quem deseja ter segurança jurídica efetiva, e os veterinários não são uma exceção.
Ao perceber isso, o médico-veterinário se convence de que os seus direitos estarão mais bem protegidos nas mãos de um especialista, porque, sendo o direito médico-veterinário um ramo ainda pouco explorado pelos operadores do direito, os conflitos serão normalmente enfrentados contra profissionais generalistas, viabilizando maiores chances de êxito na preservação de seus legítimos interesses.
O grande desafio está em conscientizar os profissionais da importância de estarem bem assessorados juridicamente para o cumprimento das exigências regulatórias e sanitárias, e para a proteção contratual entre prestadores, fornecedores e colaboradores, a observância dos deveres éticos, a garantia dos direitos do tutor na qualidade de consumidor, as exigências ambientais e, especialmente, a prevenção das mais diversas e inusitadas situações da prática clínica em que se observa um aumento exponencial do requerimento do Poder Judiciário para solucionar esses problemas.
Referências
1–http://institutopetbrasil.com/imprensa/censo-pet-1393-milhoes-de-animais-de-estimacao-no-brasil/