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Previdência social para animais trabalhadores?


Cavalos trabalhando na tração de veículo. Créditos: Robert Kyllo

 

 

Não é possível ignorar que muitos animais não humanos, especialmente cães e equídeos, são usados para o trabalho. Explorados seria mais próprio dizer, dado que esses animais não trabalham por livre e espontânea vontade.

De qualquer forma, cães são usados em hospitais, como meio de assistência terapêutica, em tribunais, como meio de assistência em depoimentos, nos transportes, como meio de assistência emocional, nos resgates, junto aos bombeiros e à defesa civil. Ainda são encontrados cães usados para vigilância patrimonial, muito embora algumas leis já proíbam essa atividade. Mais conhecidos e visíveis são os cães usados em atividades policiais, inclusive na prospecção de drogas e entorpecentes.

Mais lamentável é a exploração cruel de equídeos na tração de veículos, prática reduzida no século vinte, ante o advento das novas tecnologias de transporte, sobretudo o automóvel, mas que continuam a permear, tanto o meio urbano, como o rural, ainda que muitas cidades – como Curitiba – proíbam por lei o trânsito desse tipo de veículo movido pelo sofrimento animal.

Queremos crer que em um futuro próximo esses meios de exploração da força de trabalho animal serão abolidos, como abolida deve ser toda forma de escravização de seres vivos sencientes.

Mas enquanto esse mundo novo não se realiza, devemos pensar em como lidar com essas persistentes práticas zoolaborais, de modo a garantir, de alguma forma, a dignidade animal.

Os animais têm direitos.

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Cão farejador trabalhando no resgate de sobreviventes. Créditos: Susan DeLoach

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Essa é uma conclusão a que se chega, na atualidade brasileira, por meio do farto conjunto normativo à disposição, notadamente a Constituição Federal, a qual, em seu art. 225, § 1º, VII, garante a todos os animais o direito fundamental a uma existência digna, posta a salvo de práticas humanas cruéis 1.

É por isso que não se pode excluir a atribuição de direitos trabalhistas e previdenciários/assistenciais aos animais explorados para trabalho.

Algumas leis já anteciparam essa possibilidade, como o art. 5º, V do Código de Direito e Bem-estar Animal da Paraíba, segundo o qual “todo animal tem o direito a um limite razoável de tempo e intensidade de trabalho” 2, dispositivo legal cuja redação também foi adotada pelo Código de Direito e Bem-estar Animal de Roraima (art. 5º, V) e pelo Código de Direito e Bem-estar Animal do Amazonas (art. 6º, V).

Essas leis, ainda que genericamente, reconhecem o direito animal a uma jornada de trabalho zoolaboral e à proteção do trabalho animal contra as práticas abusivas, que podem caracterizar o crime descrito no art. 32 da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais).

No âmbito municipal, a Lei 3.917/2021, do Município de São José dos Pinhais, PR, foi precursora em prever, para os animais de companhia e para os usados em tração veicular, o direito a “limitação de jornada de trabalho, repouso reparador e inatividade por tempo de serviço, no caso daqueles utilizados para trabalhos” (art. 5º, V). No mesmo sentido, seguiram várias outras leis municipais, como é o caso da Lei 8.454/2022, do Município de Campina Grande, PB; Lei 6.278/2022, do Município de Valinhos, SP (art. 2º, I); Lei 2.614/2023, do Município de Vila Flores, RS (art. 2º, I); e Lei 2.521/2023, do Município de Juranda, PR (art. 2º, I).

Essas leis municipais, além da previsão de direitos trabalhistas, também preveem direitos previdenciários/assistenciais para animais, especialmente a “inatividade por tempo de serviço”, o que poderia ser encarado como algo similar à aposentadoria, mesmo que de caráter não contributivo.

Animais trabalhadores têm direito a permanecer em inatividade pelo resto de suas vidas, até que advenha a sua morte natural.

Como ainda não se construiu um sistema público para seguridade animal, torna-se certo dizer que será o tutor ou o responsável pelo animal o primeiro obrigado a manter, com dignidade e qualidade de vida, o animal aposentado.

Mas, quando deve se iniciar a aposentadoria de um animal trabalhador? Esse é um dado que a medicina veterinária precisa esclarecer. Certamente, a depender da espécie animal, será possível determinar um prazo razoável de tempo de serviço, que cumpra as exigências da ciência do bem-estar animal e que seja compatível com a sua dignidade própria. No mesmo sentido, os cientistas veterinários podem melhor determinar as balizas da jornada zoolaboral.

Esses estudos médico-veterinários poderão auxiliar o legislador a melhor definir os critérios e requisitos de uma previdência social para animais, como meio protetivo essencial para todos os animais ainda explorados para o trabalho.

Nas reflexões para leis futuras – inclusive, no âmbito federal, para o Estatuto dos Animais (Cf. Projeto de Lei do Senado 2.070/2023)– será preciso definir em que casos o Poder Público – titular do dever fundamental de proteção dos animais – poderá ser chamado a custear as despesas com os animais em inatividade, iniciando, quem sabe, um sistema público de seguridade para animais.

 

Referências

1-ATAIDE JUNIOR, V. P. Capacidade processual dos animais: a judicialização do Direito Animal no Brasil. São Paulo: Thomson Reuters. p. 67-76, 2022.

2-ATAIDE JUNIOR, V. P. Comentários ao Código de Direito e Bem-Estar Animal da Paraíba: a positivação dos direitos fundamentais animais. 2. ed. Curitiba: Juruá. p. 136-144, 2024.