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Portaria nº 288/2022

Agenda Nacional de Proteção e Defesa de Cães e Gatos - passo importante para o seu manejo populacional ético e humanitário

Página inicial da Portaria GM/MMA nº 288, publicada em 11 de novembro de 2022 Página inicial da Portaria GM/MMA nº 288, publicada em 11 de novembro de 2022

Introdução

O Ministério do Meio Ambiente instituiu a Portaria nº.288, de 11 de novembro de 2022, que cria a Agenda Nacional de Proteção e Defesa de Cães e Gatos. A referida portaria, que entrou em vigor em 24 de novembro de 2022, traz alguns conceitos-chaves, tais como: controle populacional de cães e gatos; atenção médico-veterinária; zoonoses; guarda responsável ou tutela responsável; maus-tratos; e bem-estar animal. Além disso, define os seus objetivos, seus eixos orientadores e atribui uma série de condutas para seu implemento, a ser realizado pela Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Nesse contexto, o presente artigo reflete sobre o seu teor, sob a óptica do direito animal.

 

Histórico

A participação de cães e gatos na transmissão de zoonoses foi um dos fatores que contribuiu para que o poder público neglicenciasse sua proteção e defesa. A doença que mais matou esses animais durante décadas não era transmitida por vírus, bactéria ou outro agente patológico, mas causada pela falta de políticas públicas voltadas ao manejo populacional de cães e gatos. Milhões de animais sadios foram capturados e eliminados pelas prefeituras em nome da saúde pública, que visavam apenas a proteção dos seres humanos 1.

No Brasil, somente em meados da década de 1990 algumas iniciativas municipais começaram a instituir políticas de manejo populacional ético e humanitário de cães e gatos, com o controle reprodutivo, a educação para a guarda responsável, legislações pertinentes à guarda responsável e proteção dos animais, bem como seus registros e identificações. Até 2014, o governo federal se absteve de um posicionamento em relação ao manejo populacional de cães e gatos. Por outro lado, uma nova área nascia devido à necessidade de novas abordagens na saúde pública veterinária para o enfrentamento de problemas relacionados com as interações entre seres humanos, animais e ecossistemas, e em ressonância à evolução do status moral e legal dos animais: a medicina veterinária do coletivo. Essa nova especialidade 2 utiliza conhecimentos da saúde coletiva, da medicina de abrigos, da medicina de desastres, da medicina indigenista e da medicina veterinária legal para promover a saúde e o bem-estar dos indivíduos, famílias, comunidades e ecossistemas, considerando os animais como parte integrante e indissociável dessas representações, gerando diversas possibilidades de interação com outras disciplinas e novas áreas para a atuação dos profissionais 3.

 

Câmara de descompressão à esquerda. À direita animais abatidos em prática arcaica e ineficaz de controle populacional

 

O direito animal

O direito animal se apresenta como um novo ramo jurídico, ganhando cada vez mais força e espaço no cenário brasileiro. É possível dizer que os desdobramentos nessa área decorrem diretamente da regra da proibição de crueldade contra os animais, expressa no Art.225, §1º, inciso VII, parte final da Constituição Federal 4, que espalha sua força pelo ordenamento jurídico nacional 5.

Uma disposição nesse sentido implica o reconhecimento de que os animais são seres sencientes, isto é, dotados da capacidade de experimentar sensações positivas e negativas de forma consciente. Embora essa percepção seja inferida a partir de uma série de sinais comportamentais de um animal diante da dor 6, o reconhecimento científico nesse sentido somente ocorreu no ano de 2012, com a Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, pela qual se atestou que todos os mamíferos, as aves e até mesmo os polvos são seres conscientes 7. Qualquer dúvida que se teve (ou que ainda se poderia ter) sobre essa capacidade já é refutada pela ciência.

Esse reconhecimento é muito importante para a seara jurídica, que tradicionalmente enquadrou os animais como objetos ou bens móveis semoventes submetidos ao regime de propriedade 8 como se fossem seres inanimados.

Com o nascimento do direito animal, a partir da Constituição Federal, começou-se gradualmente a desmantelar aquela visão coisificada dos animais, tão arraigada no imaginário jurídico. A vedação constitucional da crueldade aos animais é para proteger os próprios animais e não baseada em razões de ordem ecológica. Assim, numa visão animalista, os animais, enquanto seres sencientes, são dotados de dignidade, cuja proteção se opera por meio de um catálogo mínimo de direitos. Os animais são, portanto, sujeitos de direito no ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível dizer que todos eles têm em comum o direito fundamental a uma existência digna 5.

Nesse panorama, já é possível identificar alguns princípios do direito animal. Em primeiro lugar, fala-se no princípio da dignidade animal, pelo qual todos os animais, enquanto seres sencientes, têm dignidade na sua individualidade, afastando-se, assim, toda e qualquer forma de coisificação, porque o Código Civil Brasileiro deve ser lido de acordo com a Constituição Federal 9.

Também não se pode deixar de mencionar o princípio da universalidade, de acordo com o qual todos os animais (e não apenas alguns) são abrangidos pela vedação constitucional contra a crueldade, sendo arbitrária qualquer distinção entre as espécies 9. Esse princípio é de extrema importância e precisa ser reafirmado constantemente, pois a tendência humana é ter um olhar diferenciado para alguns animais em detrimento de outros, como é o caso de cães e gatos, que são alvo de especial atenção e consideração em nossa sociedade.

Ganha relevância para o presente estudo, ainda, o princípio da educação animalista, conceituado como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a abolição das práticas que submetam os animais à crueldade. Trata-se de uma decorrência do princípio da educação ambiental, mas com foco essencial nos animais, gerando uma consciência sobre diversas formas de exploração desses seres em nossa realidade (abatedouros, uso científico, entretenimento, etc.) 9.

Cabe dizer também que o direito animal não é uma ilha isolada, dado que compartilha conceitos e princípios com outros saberes jurídicos – caso do direito ambiental – ou não jurídicos – caso da medicina veterinária, que traz importantes conceitos como bem-estar animal, zoonoses, maus-tratos e manejo populacional de animais, dentre outros.

 

A situação de um animal que vive sem a proteção e o cuidado de seres humanos deteriora-se muito rapidamente tornando-o vítima de doenças, fome, sede e violências diversas. Créditos: Galushko Sergey

 

Discussão

Nesse compasso, a Agenda Nacional de Proteção e Defesa de Cães e Gatos consititui um projeto que, conforme definido em seu nome, atende somente a cães e gatos, deixando de lado muitos outros animais que também necessitam de uma atenção especial pelo poder público. No entanto, a escolha pela proteção e defesa de cães e gatos não é surpreendente, pois são os animais normalmente mais próximos do ser humano, razão pela qual existe uma tendência de serem protagonistas de certos avanços em diversos contextos. 

Assim, cães e gatos são os animais mais encontrados nos lares brasileiros, integrando a família como membros 10. Nesse caso, fala-se em família multiespécie, porquanto composta por membros humanos e não humanos, numa relação baseada no afeto, como todos os outros arranjos familiares existentes na sociedade 11.

Talvez por esse vínculo mais próximo com esses animais, a população em geral tem-se tornado voz ativa nos casos de maus-tratos, denunciando-os perante as autoridades públicas e exigindo perante o Poder Legislativo sanções penais mais severas, o que resultou inclusive na “Lei Sansão” (Lei nº.14.064/2020) 12, que aumentou a pena para os casos de maus-tratos envolvendo exclusivamente cães e gatos, além de prever multa e proibição de guarda.

Da mesma forma, tais animais já são reconhecidos por algumas legislações como sujeitos de direito (como é o caso de Santa Catarina, com a Lei nº.17.485/2018) 13, e, nesse compasso, já são os primeiros autores de ações judiciais objetivando a reparação de seus direitos. Trata-se de uma nova forma de judicialização que começou a ganhar espaço contando já com a histórica decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, que reconheceu a capacidade de ser parte de dois cães, em ação indenizatória movida contra seus ex-representantes legais 9. O julgado é um marco de abertura de um direito menos antropocêntrico, que passa também a tutelar direitos de outros animais, além dos seres humanos.

Assim, nesse contexto de protagonismo de cães e gatos, a Agenda Nacional de Proteção e Defesa de Cães e Gatos surge com vários objetivos, todos listados no Art.3º da Portaria MMA nº.288/2022 14, que são:

• subsidiar a formulação de políticas públicas e programas que beneficiem a proteção, a defesa, a saúde e a qualidade de vida de cães e gatos;

• fomentar programas e ações que promovam proteção, defesa e bem-estar a cães e gatos junto aos órgãos competentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e demais parceiros;

• desenvolver parcerias com órgãos do Sisnama, da sociedade civil e de setores públicos e privados para implementar programas e projetos que visem a proteção, a defesa e o bem-estar de cães e gatos;

• realizar campanhas de educação e cidadania ambiental, com ênfase na guarda responsável, saúde, bem-estar e em ações preventivas contra maus-tratos a cães e gatos; e

• promover a conservação da biodiversidade e a proteção ambiental.

Em suma, essa normativa está centrada basicamente em três eixos orientadores, definidos no Art.5º da Portaria MMA nº.288/2022 14, quais sejam:

• controle populacional de cães e gatos;

• atenção médico-veterinária; e

• educação e sensibilização sobre guarda responsável, bem-estar e prevenção contra maus-tratos a cães e gatos, cujos conceitos (controle populacional, atenção médico-veterinária, guarda responsável, bem-estar animal e maus-tratos) estão definidos no art. 2º da referida portaria.

Antes de analisar esses temas, é necessário pontuar de antemão que se trata de uma portaria que funciona como uma recomendação, sem a capacidade coercitiva própria das leis, que criam direitos e deveres. Em resumo, portaria não é lei, de forma que ninguém pode ser penalizado em caso de descumprimento.

 

Cão abandonado bebendo água em poça d’água no meio da rua. Créditos: Rita C. M. Garcia

 

A respeito do controle populacional, essa portaria prevê como único método a esterilização, prática considerada eficiente nesse sentido, prevenindo até mesmo outras possíveis doenças 15. No passado, milhares de animais eram exterminados como método de controle populacional, o que, além de cruel, não resolvia o problema do número crescente de animais nas ruas 16. Vale dizer que a política de controle de natalidade de cães e gatos, com estímulo à esterilização, é uma lei federal 17, e que a proibição de eliminação de cães e gatos pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres também já é uma lei federal (Lei nº.14.228/2021) 18.

Por outro lado, a portaria não menciona a importância da implantação de Programas de Manejo Populacional de Cães e Gatos, que devem abordar uma gama de estratégias por parte do poder público, dentre as quais:

• controle reprodutivo;

• educação para a guarda responsável;

• legislações pertinentes à guarda responsável, proteção, registro e identificação dos animais;

• ações para a promoção da saúde;

• fiscalização (guarda responsável e maus-tratos aos animais);

• participação social;

• controle da criação e comércio de animais;

• programas para pessoas com transtorno de acumulação de animais;

• programas para animais comunitários (cães e gatos);

• manejo de resíduos e educação ambiental;

• promoção da saúde animal;

• monitoramento das estratégias e avaliação do programa para a sua retroalimentação; e

• estabelecimento de programas 4Rs: resgate seletivo, recuperação física e psicológica, ressocialização e reintrodução na sociedade por meio da adoção responsável 19.

É necessário pensar de forma complementar no estímulo à adoção responsável em detrimento da compra de animais, que, numa perspectiva animalista, os coisifica ao precificar a vida de seres conscientes. A realidade demonstra que milhares de animais não encontram um lar porque não são de raça, porte ou idade determinados. Consequentemente, esses animais, se não se encontrarem em situação de rua (expostos, portanto, a diversos riscos), acabam por vezes esperando a vida toda por alguma chance em entidades de proteção animal, que normalmente se encontram lotadas e sem suporte do poder público.

 

Cães comunitários em terminal rodoviário. Créditos: Rita C. M. Garcia

 

Como os programas de manejo populacional de cães e gatos são considerados ferramentas para a promoção da saúde dos indivíduos, famílias e comunidades, tanto pelo componente preventivo de doenças transmitidas pelos animais como pelas interações positivas que geram, a intersecção com a área da saúde é nítida. A portaria traz o controle populacional endereçado ao controle reprodutivo, mas falha em não pontuar a importância do manejo populacional de cães e gatos (MPCG) como uma importante política pública. Possivelmente indica o caminho que o governo federal escolheu para lidar com o manejo populacional de cães e gatos, isto é, pela área do meio ambiente, e não pela área da saúde. O Ministério da Saúde se omitiu há décadas em relação ao MPCG, não o considerando um aliado para o controle e a prevenção de zoonoses transmitidas por cães e gatos, sugerindo que era uma política protecionista dos animais e não preventiva. Em muitos municípios brasileiros as ações de MPCG são realizadas pelas Secretarias de Meio Ambiente, sem apoio da área da saúde. A portaria poderia ter deixado mais clara a necessidade de atuação sob a estratégia de saúde única, estimulando os trabalhos intersetoriais (principalmente entre meio ambiente, saúde e serviço social) e multiprofissionais necessários para o êxito das ações propostas.

No tocante aos maus-tratos aos animais, esse tema é tratado no Art.32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº.9.605/1998) 20, cujo tipo penal consiste em praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Nota-se assim que todo e qualquer animal, independentemente da espécie, pode sofrer maus-tratos, sendo claro o princípio da universalidade nesse tocante, mudando-se apenas a pena, que agora é mais severa quando se trata de cães e gatos.

Vale dizer que o tipo penal não exemplifica que condutas configuram maus-tratos, o que pode gerar uma série de dúvidas na prática. A Portaria MMA nº.288/2022 14, em redação muito semelhante à empregada na Resolução CFMV nº.1.236/2018 (Art.2º, inciso II) 21, define maus-tratos como qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários e atente contra sua saúde e necessidades naturais, físicas e mentais. Em suma, maus-tratos é todo ato, intencional ou não, que provoque algum tipo de sofrimento ao animal.

Ainda assim, embora tal definição tenha o mérito de reconhecer que os maus-tratos podem ser de ordem física e mental, ainda não é possível afirmar com certeza quais condutas são consideradas maus-tratos. Nesse sentido, a Resolução CFMV nº.1.236/2018, no seu Art. 21, oferece um horizonte, dado que elenca várias condutas que configuram maus-tratos, tais como o abandono, a falta de assistência médico-veterinária quando necessária e a manutenção de animais sem acesso a água ou comida ou em espaços desprovidos de condições mínimas de higiene, dentre tantas outras. Uma educação animalista nessa temática gerará mais conscientização, diminuindo o número de maus-tratos aos animais.

Sobre esse ponto ainda cumpre dizer que, para fins de responsabilização penal pelo crime de maus-tratos, somente as condutas dolosas (ou seja, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo) são puníveis, não podendo alguém cometer tal crime de forma culposa (ou seja, por negligência, imperícia ou imprudência). A culpa, por outro lado, pode gerar responsabilidade na esfera civil e administrativa. Assim, a responsabilização por maus-tratos aos animais pode ocorrer em três esferas (penal, civil e administrativa), que são independentes.

A partir da Lei Sansão foi estabelecida como uma das penas para o infrator a proibição da guarda. A terminologia é de importância, pois denota que quem tem qualquer animal tem o dever de atender a todas as suas necessidades, agindo como um verdadeiro guardião do seu bem-estar, não sendo tecnicamente correta a expressão “posse responsável” 16. De acordo com a Portaria MMA nº.288/2022 (Art.2º, inciso VI) 14, a guarda responsável ou tutela responsável, quando aplicada a cães e gatos, refere-se ao conjunto de orientações relacionadas à guarda e ao tratamento aplicado a esses animais com o objetivo de assegurar sua saúde física e mental, sua segurança, seu bem-estar e os cuidados veterinários adequados. 

Assim sendo, como a guarda visa assegurar, em suma, o bem-estar do animal – condição em que ele é capaz de expressar seu comportamento natural, demonstrando estar adaptado ao ambiente no qual está inserido e satisfazendo suas necessidades físicas e psicológicas, nos termos da Portaria MMA nº.288/2022 (Art.2º, inciso VIII) 14 –, é possível dizer que uma guarda irresponsável é aquela que não satisfaz as necessidades do animal, podendo acarretar (em determinados casos) a prática do crime de maus-tratos. Uma educação animalista nesse sentido também pode ser uma importante ferramenta no combate ao abandono – prática criminosa que resulta em animais em situação de rua, podendo gerar riscos para a sociedade (acidentes de trânsito, ataques e mordeduras), tornando-os vítimas de maus-tratos por não terem suas necessidades supridas.

Vale ressaltar a importância dos trabalhos intersetoriais e multidisciplinares no tocante ao atendimento de denúncias de maus-tratos aos animais, considerando a conexão que existe com a violência interpessoal. Nesse sentido, os casos de suspeita de maus-tratos aos animais devem ser comunicados também ao conselho tutelar, ao Centro de Referência de Assistência Social Básica (Cras), à Casa da Mulher Brasileira e à vigilância epidemiológica da violência, pois podem servir como indicador de que algo não está bem naquela família e de que outros vulneráveis podem estar envolvidos e em perigo 22,23,24.

Por fim, a atenção médico-veterinária, nos casos de cães e gatos, consiste em ações de prevenção e tratamento de doenças por meio de atendimento médico-veterinário periódico em unidades veterinárias de atendimento clínico, conforme Portaria MMA nº.288/2022 (Art.2º, inciso IV) 14. Uma gama de doenças pode afetar a saúde do animal, e algumas delas podem inclusive ser transmitidas aos seres humanos – caso das zoonoses, cuja transmissão pode ocorrer de forma direta, pelo contato com secreções ou contato físico, por meio de arranhaduras ou mordeduras, ou de forma indireta, por meio de vetores, pelo contato com secreções ou pelo consumo de alimento contaminado, nos termos da Portaria MMA nº.288/2022 (Art.2º, inciso V) 14.

Nesse ponto, pode-se mencionar a existência de um direito da saúde animal, como um “microssistema do direito animal que trata das normas jurídicas, institutos e políticas públicas relativas à defesa sanitária animal agrícola, ao controle de zoonoses urbanas e aos demais aspectos pertinentes à saúde dos animais” 16. A saúde dos animais – como seres vulneráveis a diversas doenças –, além de importante para o seu bem-estar enquanto indivíduos, é também questão de saúde pública, até porque hoje se fala no conceito de saúde única, que demonstra a estreita relação entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental 25, de modo que nenhum desses nichos pode ser negligenciado.

 

Ninhadas de animais são muitas vezes abandonadas com ou sem suas mães, por pessoas que não são capazes de cuidar delas. Créditos: alybaba

 

Considerações finais

A Agenda Nacional de Proteção e Defesa de Cães e Gatos, instituída pela Portaria MMA nº.288/2022, aborda temas importantes para a causa animal, tais como bem-estar animal, controle populacional, guarda responsável, maus-tratos, zoonoses e atenção médico-veterinária, ainda que tais medidas estejam restritas a cães e gatos. Pensar nesses conceitos dentro da óptica e de uma educação animalista, que considera a dignidade e o valor intrínseco de cada indivíduo, pode melhorar a nossa relação com esses animais e até fomentar novas políticas públicas que contemplem também outras espécies.

 

Referências

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