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Por que não um SUS para animais?


Em nosso artigo anterior, tratamos da possibilidade de se atribuir direitos previdenciários a animais trabalhadores. Neste ensaio, esboçaremos algumas reflexões mais amplas: o direito animal à seguridade social, na perspectiva do direito social à saúde.

Sabemos que os animais são seres vivos sencientes, dotados de necessidades vitais e sujeitos a todos os tipos de doenças e enfermidades. Uma das cinco dimensões do bem-estar animal envolve, justamente, a liberdade de dor e de doenças.

Em função disso, algumas leis brasileiras são expressas em garantir o direito fundamental à saúde para animais não humanos , como o faz o art. 5º, IV do Código de Direito e Bem-estar Animal da Paraíba (Lei 11.140/2018), segundo o qual todo animal tem o direito “de receber cuidados veterinários em caso de doença, ferimento ou danos psíquicos experimentados”  , dispositivo legal cuja redação também foi adotada pelo Código de Direito e Bem-estar Animal de Roraima (art. 5º, IV) e pelo Código de Direito e Bem-estar Animal do Amazonas (art. 6º, IV).

No âmbito municipal, a Lei 3.917/2021, do Município de São José dos Pinhais, PR, foi precursora em prever, para os animais de companhia e para os usados em tração veicular, o direito à “saúde, inclusive pelo acompanhamento médico-veterinário periódico e preventivo e pelo tratamento curativo imediato em caso de doença, ferimento, maus-tratos ou danos psicológicos” (art. 5º, IV). No mesmo sentido, seguiram várias outras leis municipais, como é o caso da Lei 5.327/2022, do Município de Juazeiro do Norte, CE (art. 5º, IV); Lei 8.454/2022, do Município de Campina Grande, PB (art. 4º, IV); Lei 6.278/2022, do Município de Valinhos, SP (art. 5º, IV); Lei 2.614/2023, do Município de Vila Flores, RS (art. 5º, IV); e Lei 2.521/2023, do Município de Juranda, PR (art. 5º, IV)  .

Ora, parece um pouco mais que evidente que não é mais possível depender exclusivamente dos tutores ou responsáveis pelos animais para garantir o exercício desse direito animal à saúde.

Muitas vezes deparamos com situações lamentáveis de famílias economicamente pobres, mas que mantêm seus animais de estimação, ainda que repartindo da própria comida.

Essas famílias não conseguem responder adequadamente às necessidades da saúde animal, tanto do ponto de vista curativo, como do preventivo. Para uma significativa parcela da população brasileira, que constituem famílias multiespécies, o tratamento médico-veterinário é praticamente inacessível. O resultado disso é que essas famílias, mesmo que desejosas de ajudar seu animal de estimação, muitas vezes não conseguem por impossibilidade financeira. Sofre a família pelo padecimento do seu animal, sofre o próprio animal pela doença ou enfermidade que o acomete.

A solução para esses problemas de inefetividade do direito fundamental à saúde animal é a criação de um sistema semelhante ao Sistema Único de Saúde, instituído para assegurar originalmente a saúde humana, nos termos do art. 198 da Constituição Federal.

Sabe-se que, não obstante hoje se fale em saúde única e em bem-estar único, com ações de saúde integradas, beneficiando seres humanos e não humanos, há muita resistência, especialmente pelos setores da governança econômica do país, em estender o SUS para a proteção da saúde animal.

Exemplo dessa resistência foi o veto presidencial ao art. 5º da Lei 13.426/2017, segundo o qual “as despesas decorrentes com a implementação do programa de que trata esta Lei correrão à conta de recursos provenientes da seguridade social da União, mediante contrapartida dos Municípios não inferior a 10% (dez por cento)”. 

De acordo com as razões de veto, “O dispositivo vincula recursos da seguridade social a programa não vinculado diretamente à saúde, em ofensa aos artigos 194 e 198, § 1º, da Constituição. Ademais, o programa teria um impacto fiscal potencial estimado de R$ 23,4 bilhões, comprometendo o equilíbrio fiscal almejado, associado ao não atendimento dos artigos 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF), e do artigo 117 da Lei nº 13.408, de 2016 (LDO 2017)”.

Em virtude de resistências desse tipo é que é preciso instituir o SUSA – Sistema Único de Saúde Animal.

Nesse sentido, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.308/2021, de autoria do Deputado Federal Reginaldo Lopes, que cria o SUSA, segundo o qual a lei “autoriza o Governo Federal a criar e regular, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde e bem-estar animal, através do sistema público de saúde” (art. 1º).

Bem na linha dos princípios do Direito Animal, o art. 2º do projeto estabelece que “O acesso ao serviço de saúde e o bem-estar são direitos fundamentais dos animais, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (caput) e que “O dever do Estado de garantir a saúde animal consiste na formulação e na execução de políticas que visem a redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (§ 1º).

Além disso, o projeto preconiza que “As ações e serviços de saúde animal, executados pelo Sistema Único de Saúde Animal (Susa), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente” (art. 7º), sendo que a “A direção do Sistema Único de Saúde Animal (Susa) é única, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II – no âmbito dos estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III – no âmbito dos municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente” (art. 8º), podendo os municípios “constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde animal que lhes correspondam”.

Para financiar o SUSA, o projeto prevê, em seu art. 32, que os orçamentos federal, estadual e municipal destinarão ao Sistema Único de Saúde Animal (Susa), de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas nas Leis de Diretrizes Orçamentárias. Segundo o mesmo artigo, “O governo federal, os governos estaduais e os governos municipais deverão consignar, em suas leis orçamentárias anuais, o mínimo de 0,3% dos recursos previstos em suas respectivas receitas para o financiamento das ações estabelecidas no Susa”. O art. 33 ainda preconiza outras fontes de recursos para financiar o SUSA.

Além desse importante projeto de lei federal, outros municípios já se mobilizam colocando, em pauta de discussão legislativa, a necessidade de implementação de políticas públicas para ofertar atendimento básico de saúde animal.

É o exemplo da Câmara Municipal de Curitiba, a qual, em março de 2024, recebeu projeto de lei que prevê a implantação de rede de atendimento suplementar à saúde animal..

Segundo o projeto, a rede de atendimento se dará via convênios ou parcerias com a iniciativa privada, e os beneficiários da política municipal serão os animais abandonados e em situação de risco, e também, os pertencentes a famílias de baixa renda.

Mesmo que tenhamos apenas projetos de lei, o que se verifica é a necessidade premente de elaboração e de implementação de políticas que visem à saúde e ao bem-estar dos animais, para garantia do direito maior, que é o direito fundamental animal à existência digna.

Ao que tudo indica, essa garantia somente será atingida por meio de um Sistema Único de Saúde Animal, o qual, no mínimo, atenda aos animais sem famílias, ou com famílias que não detenham condições financeiras para assegurar condições básicas de saúde aos animais tutelados.

Essa bandeira, cremos, pode e deve ser assumida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, pelas entidades de proteção animal e por todos aqueles que, direta ou indiretamente, se ocupam em garantir condições justas e adequadas para a seguridade social dos animais.

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Todos os animais têm direito a tratamento de qualidade. Créditos: Melinda Nagy