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Direito Animal

Capacidade processual dos animais e os Projetos de Lei 145/2021 e 171/2023

Matéria escrita por:

Vicente de Paula Ataíde Junior

17 de nov de 2024

Statue of justice on Bokeh background Statue of justice on Bokeh background

O Projeto de Lei n.º 145/2021, de autoria do Deputado Federal Eduardo Costa (PTB/PA), foi protocolado na Câmara dos Deputados no dia 3 de fevereiro de 2021, o qual “Disciplina a capacidade de ser parte dos animais não-humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao art. 75 da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, para determinar quem poderá representar animais em juízo.”

A redação do projeto é a seguinte:

Art. 1º. Os animais não-humanos têm capacidade de ser parte em processos judiciais para a tutela jurisdicional de seus direitos.

Parágrafo único. A tutela jurisdicional individual dos animais prevista no caput deste artigo não exclui a sua tutela jurisdicional coletiva.

Art. 2º. O art. 75 da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil passa a vigorar acrescido do inciso XII, com a seguinte redação:

“Art. 75 …………………

XII – os animais não-humanos, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelas associações de proteção dos animais ou por aqueles que detenham sua tutela ou guarda.”

Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

O anteprojeto que resultou no PL 145/2021 da Câmara, foi por nós redigido, no âmbito do Programa de Direito Animal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), vinculado ao Departamento de Direito Civil e Processual Civil da Faculdade de Direito, e do Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do Programa de Pós-Graduação em Direito da mesma Universidade, contando com a imprescindível colaboração da dr.ª Maria José Vieira de Carvalho Cunha, do Ministério Público do Estado do Pará, e do dr. Anderson Furlan Freire da Silva, Juiz Federal da 4ª Região, ambos com destacada atuação nas áreas do Direito Ambiental e do Direito Animal.

Posteriormente, sob nova legislatura, o texto foi reapresentado pelo deputado federal Matheus Laiola (União/PR), registrado sob n.º 171/2023.

A razão de ser desses projetos é básica: se o ordenamento jurídico brasileiro reconhece direitos subjetivos para animais – sobretudo individuais, diga-se logo – não parece possível sonegar-lhes acesso à jurisdição pelo fundamento da incapacidade de ser parte.

A Constituição Federal garante a todos – independentemente de raça, sexo, espécie ou outra discriminação negativa – o exercício de ação em caso de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, Constituição). Aliás, bem compreendida, “A capacidade de ser parte decorre da garantia da inafastabilidade do Poder Judiciário, prevista no inciso XXXV do art. 5º da CF/88” , não se podendo “dar à lei interpretação que impeça ou dificulte o exercício da garantia constitucional do direito de ação” , de modo que não apenas as pessoas, ou entes dotados de personalidade jurídica, têm direito de ação.

Quem tem direitos tem direito constitucional de ir a juízo reivindicá-los!

Evidentemente, a inexorável capacidade de ser parte dos animais não se confunde com a sua capacidade de ir a juízo. Tomando-os por absolutamente incapazes, dado que não possuem meios para exercer diretamente qualquer ato da vida civil, os animais somente poderão ser admitidos em juízo mediante representação.

A representação dos animais em juízo, até o momento, tem se dado na forma do Decreto 24.645/1934, o qual, no seu art. 2º, § 3º, estabelece que “Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais.”

Assim, conforme o art. 1º, caput, de ambos os projetos, “Os animais não-humanos têm capacidade de ser parte em processos judiciais para a tutela jurisdicional de seus direitos.”

Não obstante seja possível afirmar que, por derivação da garantia constitucional do acesso à justiça, os animais, enquanto sujeitos de direitos, ostentam capacidade de ser parte, a resistência dos juízes em admitir que animais demandem em nome próprio justifica o novo preceito.

Infelizmente, no Brasil, é preciso afirmar por lei algo que já se poderia admitir por uma adequada interpretação constitucional.

Mais do que isso, o novo preceito inclui, na ordem do dia dos processualistas, uma nova consideração sobre a tutela jurisdicional dos animais, não apenas no plano da tutela individual, como também no da coletiva.

Assim, ainda que os direitos animais sejam preponderantemente individuais (para a proteção da dignidade animal), não se pode descartar a possibilidade da tutela coletiva dos direitos animais, especialmente na qualidade de direitos individuais homogêneos, o que justifica a inclusão do parágrafo único no artigo de abertura do projeto, para deixar claro que “A tutela jurisdicional individual dos animais prevista no caput deste artigo não exclui a sua tutela jurisdicional coletiva.”

Rompido o obstáculo quanto à capacidade de ser parte dos animais (objeto do art. 1º do projeto), é preciso dar conta da capacidade de estar em juízo, definindo, dentro do Código de Processo Civil, quais são os legitimados para representar judicialmente os animais.

É difícil continuar dependendo do Decreto 24.645/1934 para essa tarefa, dada as polêmicas que ainda gravitam sobre essa lei, inclusive acerca da sua vigência atual.

O Código de Processo Civil é o locus adequado para a definição da capacidade processual, especialmente a capacidade de estar em juízo. Por isso, justifica-se o art. 2º do projeto, propondo o acréscimo do inciso XII ao art. 75 do CPC, para estabelecer que serão representados em juízo, ativa e passivamente, “os animais não-humanos, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelas associações de proteção dos animais ou por aqueles que detenham sua tutela ou guarda.”

A inspiração para o novo inciso do CPC é o próprio art. 2º, § 3º do Decreto referido, há muito tempo evocado para a tutela jurídica dos animais, possibilitando que a representação processual dos animais se dê por obra do Ministério Público, dos responsáveis diretos pelo animal (tutor ou guardião) e pelas associações de proteção dos animais. Acrescentou-se a essa lista a Defensoria Pública, dada a sua vocação constitucional para a defesa dos mais vulneráveis (art. 134, Constituição).

Vale a pena transcrever a parte final da justificação do projeto apresentado, como conclusão deste pequeno artigo: 

Se até uma pessoa jurídica, que muitas vezes não passa de uma folha de papel arquivada nos registros de uma Junta Comercial, possui capacidade para estar em juízo, inclusive para ser indenizada por danos morais, parece fora de propósito negar essa possibilidade para que animais possam ser tutelados pelo Judiciário caso sejam vítimas de ações ilícitas praticadas por seres humanos ou pessoas jurídicas.

Com a aprovação deste projeto de lei, o Congresso Nacional pacificará essas questões processuais, possibilitando uma ampliação significativa da tutela jurisdicional dos animais, o que refletirá na proteção jurídica ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é um direito fundamental de todos, conforme estabelecido no art. 225 da Constituição Federal.

É crescente a convicção de que um mundo melhor e uma sociedade mais livre, justa e solidária dependem de um pós-humanismo, no qual as qualidades humanas são “consideradas fruto da relação com os outros seres viventes, assim, o homem deve reconsiderar tal relação, incentivando-a e valorizando as alteridades. O que é rejeitado é exatamente a pretensão de considerar o homem como único protagonista do universo.”

Os Projetos de Lei 145/2021, do deputado Eduardo Costa, e 171/2023, do deputado Matheus Laiola, são pós-humanistas.

A aprovação desses projetos pelo Congresso Nacional será um avanço civilizatório sem precedentes, permitindo que o próprio Direito Processual Civil se abra para a realização de uma tutela jurisdicional mais abrangente, mais inclusiva e não-especista.