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Bem-estar animal

Todos contra a caça, menos os deputados federais!

A ameaça contra a biodiversidade nativa brasileira continua

Matéria escrita por:

Alexander Welker Biondo, Paulo Pizzi

8 de jun de 2019

Um veado-bororó-do-sul (Mazama nana) em imagem diurna de câmera trap no Parque Estadual de Vila Velha, Paraná. O Ibama lista a espécie como “vulnerável”, e a IUCN classifica o grau de risco como “dados insuficientes (DD)” na lista de 2008. Créditos: Alexander W. Biondo Um veado-bororó-do-sul (Mazama nana) em imagem diurna de câmera trap no Parque Estadual de Vila Velha, Paraná. O Ibama lista a espécie como “vulnerável”, e a IUCN classifica o grau de risco como “dados insuficientes (DD)” na lista de 2008. Créditos: Alexander W. Biondo

Na última edição da Clínica Veterinária foi publicado o texto de opinião “Todos contra a caça!”, apresentando o atual status da legislação brasileira sobre as modalidades de caça desportiva e comercial no Brasil, proibidas há 52 anos pela Lei Federal nº 5.197/1967 1. O texto citou também dois Projetos de Lei (PLs) em tramitação na Câmara dos Deputados (PL 6.268/2016 e PLP 436/2014) que podem alterar esse cenário e liberar essas modalidades de caça no país. Além disso, mencionou três Projetos de Decretos Legislativos (PDC) para sustarem os efeitos das atuais portarias do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que relacionam as espécies de fauna e de flora ameaçadas de extinção no Brasil (PDC 3/2015, PDC 36/2015 e PDC 427/2016).

O cenário apresentado referia-se ao final do mês de janeiro de 2019. Mudanças significativas aconteceram no quadro jurídico em discussão desde então, exigindo nova explanação dos fatos e desdobramentos.

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Uma onça-parda (Felis concolor) em imagem diurna de câmera trap no Parque Estadual de Vila Velha, Paraná. O movimento Todos contra a Caça foi criado para fazer frente àqueles que pretendem liberar a caça de animais da fauna nativa brasileira (https://www.todoscontracaca.com.br/). Créditos: Alexander W. Biondo

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O que mudou em fevereiro e março de 2019

Como explicado anteriormente, em 31/1/2019 se encerrou a legislatura passada do mandato dos deputados federais (2015-2019), ocasião que marcou o arquivamento dos projetos de lei em tramitação, de acordo com o artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Federal. A partir de 1/2/2019, quando se iniciou a nova legislatura (2019-2023), os deputados federais reeleitos começaram a solicitar o desarquivamento de seus projetos, sendo mantidos arquivados os projetos de deputados não reeleitos. Findos os meses de fevereiro e março de 2019, segue abaixo o atual cenário dos projetos de lei supracitados.

No que se refere ao PL 6.268/2016, de autoria do então deputado Valdir Colatto (MDB/SC), a expectativa era pelo arquivamento, uma vez que ele não foi reeleito no pleito de 2018. No entanto, o deputado Alexandre Leite (DEM/SP), da bancada ruralista, cujo projeto (PL 7.129/2017) foi apensado ao do ex-deputado Colatto, foi reeleito e solicitou à mesa diretora da Câmara não somente o desarquivamento de seu PL como também o de Colatto, sendo atendidos ambos os requerimentos. Ou seja, atualmente os dois PLs voltaram a tramitar na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara, onde receberam parecer pela reprovação, emitido pelo relator dos PLs, o deputado Nilto Tatto (PT/SP). O projeto aguarda a pauta para a votação do presidente da CMADS, seguindo depois para apreciação em outras duas comissões antes de ser analisado no plenário da Câmara.

Lembramos que o PL 6.268/2016 almejava revogar e substituir o Código de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/1967), instituir fazendas de caça (art. 15), retirar dos animais o status de propriedade do Estado – o que lhes confere maior proteção jurídica – e revogar o direito de servidores do Ibama e do ICMBio de portarem armas no exercício da fiscalização de crimes contra a fauna; além de não apresentar – em contradição com o Código de Proteção à Fauna – artigos que tipifiquem como crimes ambientais as atividades de apanha, manejo, tráfico e caça de animais silvestres e de suas partes que estejam em desacordo com o órgão ambiental licenciador ou sem a sua devida autorização.

O PLP 436/2014, apresentado pelo deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB/SC), foi desarquivado por solicitação do autor em 19/2/2019. Já foi apreciado e votado em duas comissões da Câmara e aguarda a designação do novo relator e respectivo parecer para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), sendo esta a última instância de análise técnico-legislativa antes de ir à votação no plenário da Câmara, em caso de aprovação na CCJC. Se esse projeto for reprovado na votação da CCJC, o PLP será arquivado, uma vez que também já foi reprovado na CMADS, uma de suas comissões de mérito junto à CCJC. O PLP 436/2014 visa alterar a Lei Complementar n° 140/2011, permitindo que os 26 estados e o Distrito Federal passem a legislar e liberar atividades de caça, apanha ou manejo de fauna por mero ato administrativo.

Em relação aos PDCs, o PDC 3/2015 e o PDC 427/2016 continuam arquivados, em função de seus autores, respectivamente os ex-deputados federais Nilson Leitão (PDSB/MT) e Valdir Colatto (MDB/SC), não terem sido reeleitos em 2018. O propósito do primeiro era sustar os efeitos da Portaria MMA 443/2014, que trata da Lista Nacional da Flora Ameaçada de Extinção, e o segundo, da Portaria 444/2014 relacionada à Lista Nacional de Animais Terrestres Ameaçados de Extinção. O único PDC desarquivado foi o 36/2015, em 19/2/2019, de autoria do deputado ruralista Alceu Moreira (MDB/RS). Ele já foi aprovado em uma das comissões da Câmara, e aguarda o parecer do deputado Nilto Tatto, seu relator, para ser votado na segunda comissão, a CMADS. A CCJC é a última comissão de análise do PDC antes de ele ser apreciado na Câmara.

Enquanto isso, novas propostas reforçaram a “missão” dos deputados para a liberação da caça. De forma surpreendente, em fevereiro de 2019, dois novos projetos de lei foram apresentados para a liberação da caça aos animais silvestres no Brasil, conforme descrito abaixo, totalizando quatro propostas com a mesma finalidade, mediante diferentes abordagens e propósitos:

• PL 7.136/2010: de autoria do deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS), chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, essa proposta foi originalmente apresentada por ele em 2010 e reprovada em votação na CMADS, em junho de 2011, com subsequente arquivamento, por ser essa a única comissão de mérito do projeto. Demonstrando uma artimanha dos defensores da ação em favor da liberação da caça, o ministro-chefe da Casa Civil do atual governo foi desonerado pelo presidente para reapresentar o citado PL no dia 7/2/2019, sendo em seguida reintegrado em seu cargo. Apesar do requerimento de desarquivamento, o projeto continua ainda arquivado, aguardando o parecer da Mesa Diretora da Câmara sobre o ineditismo da solicitação visando reapresentação de projeto já votado e arquivado anteriormente. O PL altera o § 1º do Art. 1º da Lei n° 5.197/1967, que versa sobre a possibilidade de a União (Ibama) determinar a caça se peculiaridades regionais assim o determinarem (a exemplo da IN Ibama n° 3/2013 para a caça de controle dos javalis). A alteração do § 1º repassa a autonomia para ato regulamentador do poder público municipal estabelecer a caça de espécies na forma que for decidida pelos prefeitos dos 5.570 municípios do Brasil. Como justificativas para os municípios liberarem a caça (peculiaridades regionais), são citados pelo deputado a superpopulação de animais, danos ao meio ambiente, ataques a seres humanos, transmissão de doenças e ataques a lavouras comerciais e de subsistência, entre outros.

• PL 1.019/2019, apresentado em 21/2/2019, de autoria do deputado Alexandre Leite (DEM/SP), visa “criar o Estatuto dos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores)”, para dispor sobre o exercício das atividades de colecionamento, de tiro desportivo e de caça em todo o território nacional. O processo de tramitação está no início, aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados.

De forma inacreditável, o artigo 3º do citado projeto afirma que o exercício da caça é direito de todo cidadão brasileiro. Já o artigo 4º exclui a competência para o registro dos clubes de caça e a transfere ao Exército, do qual ainda dependem a autorização, o controle e a fiscalização da caça, quando forem utilizados produtos controlados pelo Exército – PCE (as armas e munições, por exemplo).

 O artigo 8º desse mesmo PL autoriza o transporte de armas, munições e outros apetrechos necessários à caça. Por sua vez, o artigo 20º determina que aos órgãos ambientais caberá apenas regulamentar como ela vai ocorrer, sendo que o art. 23 estabelece que os órgãos ambientais deverão determinar o período das temporadas de caça, de abate ou de manejo de espécies, bem como a sua abrangência geográfica.

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Um grupo de caititus (Pecari tajacu) em imagem noturna de câmera trap no Parque Estadual de Vila Velha, Paraná. O grupo Aliança Pró Biodiversidade (APB) foi criado para proteger a fauna nativa brasileira (https://www.facebook.com/aprobiodiversidade/). Créditos: Alexander W. Biondo

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A sociedade civil reage contra a caça

Contrapondo-se a essa inédita ofensiva para a liberação da caça aos animais silvestres no Brasil, representada pela apresentação de quatro projetos de lei junto à Câmara dos Deputados, foi lançado no mês de março o manifesto “Sociedade Reage: Não à Liberação da Caça no Brasil!”, que, em 4/4/2019, contava com a assinatura de 25 coletivos/redes de ONGs, 171 ONGs, 73 especialistas/técnicos e 60 formadores de opinião (artistas), totalizando 329 adesões. O manifesto está aberto para novas adesões até fim de abril de 2019, pelo e-mail [email protected]. Na sequência, será disponibilizado um abaixo-assinado digital contra os quatro PLs nas plataformas Avaaz ou Change, direcionado para a assinatura de todos os que são contra os referidos projetos de lei.

 

Referências

1. BIONDO, A. W. ; PIZZI, P. Todos contra a caça! Clínica Veterinária, Ano XXIV, n. 139, p. 30-34, 2019.