Entrevista com Vanessa Negrini
Diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente
A diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente, Vanessa Negrini é vegana, ativista pelos direitos animais e humanos. Foi fundadora do setorial de direitos animais de seu partido, defendendo ao longo de toda a sua trajetória, tanto como professora universitária como na vida política, pautas voltadas aos direitos dos animais. Vanessa conversou com a revista Clínica Veterinária e explicou sua trajetória e os objetivos do Departamento criado pelo atual governo, e que visa interagir com os demais setores e mostrar as contribuições dos direitos dos animais para a saúde, o meio ambiente, a segurança alimentar, a segurança pública, entre tantos outros.
Clínica Veterinária (CV) – Qual é a sua formação acadêmica?
Vanessa Negrini (VN) – Sou formada em Comunicação Organizacional, com mestrado e doutorado em Políticas de Comunicação e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB). Na minha tese de doutorado, aprofundei-me no debate sobre os direitos animais, investigando as estratégias de comunicação pública do ativismo animal. A partir desse trabalho, minha orientadora e eu percebemos uma lacuna sobre o tema na UnB. Então surgiu a ideia de criar a disciplina Mobilização Pública e Direitos Animais e, em seguida, o Núcleo de Estudos sobre Direitos Animais e Intencionalidades (Nedai/Ceam/UnB).
CV – Como você se envolveu com a defesa dos direitos dos animais?
VN – Quando tinha cerca de 9 anos, vi meu pai matar um porco, e viajamos com a carne por quase uma semana, conservada em sua própria banha, como era costume na época. Depois dessa viagem, eu já não comia mais carne. Já adulta, comecei a entender as questões éticas, ambientais e sociais relacionadas à exploração de animais para consumo, e isso também se tornou uma bandeira de vida. No início, não tinha uma proximidade muito grande com cães e gatos, porque minha infância foi em Carajás, no Pará, onde não era permitido ter animais domésticos. A proteção animal entrou na minha vida bem mais tarde, por causa dos meus filhos, que começaram a resgatar e esconder ninhadas de gatos no quintal de casa. Quando percebi, já estava imersa nesse mundo, procurando doar animais, encontrar lares temporários para eles, resgatá-los e buscar vagas de castração. E o que encontrei foi muito doloroso: protetores tentando enxugar gelo em uma luta solitária, procurando resolver sozinhos um problema que precisa ter a corresponsabilidade do Estado.
CV – Como foi a sua trajetória na defesa dos animais e por que decidiu atuar na política?
VN – Em 2018, eu estava com cerca de dez pedidos de resgate de animais abertos em meu computador e no dilema de escolher a quem poderia ajudar. Foi quando recebi o convite para participar de uma reunião do meu partido e perguntei ao presidente da minha zonal quem poderia ser um candidato que apoiaria essa causa, pois eu iria trabalhar voluntariamente para ele. Então ele respondeu: você. E foi assim que me lancei candidata a deputada federal, ficando como suplente nas duas ocasiões. Depois disso, fundamos no Partido dos Trabalhadores o Setorial de Direitos Animais, com o objetivo de influenciar os programas de governo e incentivar nossos parlamentares a abraçarem programas e ações em prol da causa. Tivemos dois encontros com o então candidato Lula e os movimentos sociais pelos direitos animais, nos quais apresentamos a pauta de reivindicações para o setor. Fruto dessa mobilização, os direitos animais foram inseridos em seu programa de governo.
CV – Como foi a introdução do tema no Governo de Transição (GT) do Meio Ambiente e a sua luta para que entrasse na política governamental?
VN – Uma das reivindicações que apresentamos ao presidente Lula foi a criação de uma instância no governo federal que tratasse do direito dos animais e que proporcionasse espaços de participação popular. Fui membra do GT do Meio Ambiente, defendi a inclusão do tema na agenda governamental e trabalhei para que fosse aprovada a criação da Secretaria de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais (SBIO), bem como do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais (DPDA). Foi um feito histórico que contou com a força dos movimentos sociais e mobilizou mais de 2 mil pessoas em um encontro híbrido.
CV – Esta é a primeira vez que essa política é implementada em toda a organização estatal?
VN – Sim, é a primeira vez na história que temos um departamento federal que lida com os direitos de todos os animais e não apenas com animais domésticos, como cães e gatos. O DPDA tem a missão de pensar e propor normas e políticas para os animais silvestres, de produção e os utilizados em pesquisas. Tudo isso levando em consideração os animais humanos, pois nossos direitos estão conectados.
CV – Quais são os objetivos e metas da secretaria/departamento?
VN – O grande desafio agora é estruturar o departamento e transformar as reivindicações dos movimentos sociais em programas e ações concretas. Para isso, será necessário obter orçamento para cada área e implementar políticas públicas que promovam o bem-estar animal e garantam a proteção e a defesa dos direitos dos animais em todas as esferas da sociedade. Sabemos que não será uma tarefa simples, mas estamos confiantes em que, com o apoio dos movimentos sociais e da sociedade civil como um todo, podemos avançar bastante e fazer a diferença na vida dos animais.
CV – Como você vê a interface do seu trabalho com áreas como saúde, agricultura, ciência e tecnologia?
VN – Há muito campo para trabalhar em conjunto em cada uma dessas áreas. Por exemplo, com a saúde, precisamos falar sobre o controle de zoonoses, o que é fundamental. Nunca podemos esquecer que a covid-19 é uma zoonose, resultado da nossa relação predatória com o meio ambiente e outras formas de vida. Na agricultura, precisamos buscar banir práticas que não respeitem o bem-estar animal. Pesquisas mostram que 88% dos brasileiros se importam com o sofrimento dos animais nas fazendas do país. Com a ciência e a tecnologia, o desafio será buscar métodos alternativos que libertem os animais dos testes de laboratório. Há evidências de que a experimentação em animais está atrasando o avanço da ciência, pois os resultados em outras espécies não são tão efetivos. Hoje já dispomos de alternativas usando células e tecidos humanos, o chamado in vitro, e técnicas avançadas de modelagem de computador, conhecidas como modelos in silico.
CV – Quais são os temas urgentes e que ações já estão sendo realizadas?
VN – Nossa atuação se divide em dois eixos principais. O primeiro, chamado governança e participação popular, envolve diálogo constante com movimentos sociais e outras instâncias governamentais que lidam com questões animais, além de parlamentares federais, estaduais e municipais. Esse eixo está alinhado à missão do DPDA de se articular com órgãos públicos e entidades da sociedade civil e promover interlocução com estados, Distrito Federal e municípios em temas de sua competência. O segundo eixo é o da proteção, defesa e direitos animais, em que trabalhamos na elaboração de nossos programas e ações. Para 2023, esperamos apresentar uma proposta de metodologia e captar recursos para realizar o censo animal, essencial para traçar uma política consistente de controle de natalidade de cães e gatos. Além disso, estamos comprometidos a entregar uma minuta de um plano nacional de contingência de desastres em massa envolvendo animais, elaborado em conjunto com diversos atores governamentais e da sociedade civil.
CV – Como você enxerga o engajamento de estudantes e jovens médicos-veterinários nesse novo cenário?
VN – Como professora da disciplina de Mobilização Pública e Direitos Animais, tenho tido a oportunidade de ver o engajamento social e ambiental de jovens estudantes de medicina veterinária. É extremamente gratificante perceber que eles compreendem que não é possível tratar a saúde humana, animal e ambiental de forma isolada. Temos um tripé inseparável que precisa ser visto pela sociedade como um todo. Sonho com o dia em que teremos médicos-veterinários em todas as equipes de Saúde da Família. Isso será um avanço extraordinário num contexto de saúde única.