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Coelhos domésticos: comportamento

- parte 2

Matéria escrita por:

Isabelle Tancioni

3 de ago de 2021

Posturas apresentadas pelos coelhos, associadas a graus de estresse e relaxamento Posturas apresentadas pelos coelhos, associadas a graus de estresse e relaxamento

Os coelhos domésticos têm se tornado cada vez mais populares, e, para que os médicos-veterinários possam lhes dar a devida assistência, é importante que se conheça melhor como o coelho percebe o ambiente e como esse animal se comunica. Os coelhos domésticos herdaram um padrão de resposta comportamental de seus ancestrais selvagens 1-3. Esses aspectos foram abordados na primeira parte de uma série de artigos que visa abordar o comportamento e o bem-estar dos coelhos domésticos 4. Este artigo é a segunda parte de um trabalho que tem como finalidade auxiliar os médicos-veterinários brasileiros a entender melhor o comportamento desses animais.

 

Como o coelho percebe o ambiente e como se comunica

Os coelhos têm uma quantidade maior de papilas gustativas que os seres humanos e, dessa forma, são capazes de distinguir diferentes sabores e detectá-los em concentrações mais baixas 3 – uma vantagem decorrente do processo evolutivo que fez com que possam descobrir e selecionar alimentos com alto teor calórico enquanto pastam 1,3. No entanto, esse mecanismo seletivo de alimentação pode desencadear diversos problemas quando alimentos altamente calóricos lhes são oferecidos em grande quantidade ,3. Portanto, é importante restringir a quantidade de frutas e verduras, uma vez que os coelhos preferem comer esses tipos de alimentos do que plantas forrageiras, que fazem parte majoritária de sua dieta ideal 1.

Os coelhos constantemente transmitem informações sobre seu estado físico e mental através de sinais posturais visuais, auditivos e olfativos 3. Assim como outros animais presas, os olhos estão localizados lateralmente, em lados opostos da cabeça, provendo um ângulo de visão de quase 360 graus, com apenas um ponto cego na região frontal entre os dois olhos 1,2. Embora vejam bem com pouca luz, eles não conseguem enxergar na escuridão total 5, orientando-se majoritariamente através de odores e pelas vibrissas (bigodes), e sentem-se incomodados quando tocam em suas narinas 1.

Os coelhos também transmitem informações sobre seu estado físico e mental por meio de odores produzidos por glândulas localizadas em diferentes áreas, como nas mamas, nas regiões submandibulares, ao redor dos olhos, dos genitais e da região perianal 1,3. A comunicação por meio de odores é complexa, e os seres humanos são incapazes de detectar todos esses estímulos 3. Os coelhos podem transmitir esses sinais ativamente por meio da marcação de odores produzidos pelas glândulas localizadas na região submandibular, que está associada ao comportamento conhecido como esfregar o queixo (Figura 1) – chinning, em inglês –, ou ainda pela marcação feita pela urina e pela defecação 1,3. No entanto, esses animais podem emitir sinais olfativos passivamente em secreções das glândulas mamárias e inguinais 3. Esses sinais são importantes tanto para o estabelecimento da posição social do coelho como para a definição de seu território e a transmissão de informações sobre seu status social e sexual para outros indivíduos 3.

 

Figura 1 – Coelho esfregando a região submandibular em caixa de plástico. Créditos: Isabelle Tancioni

 

Geralmente, um coelho relaxado apresenta uma postura sentada e os olhos parcialmente fechados 6 (Figura 2). No entanto, quando está ansioso ou com medo, os músculos faciais ficam tensos, e isso faz com que seus olhos pareçam estar mais salientes 3. Além disso, a esclera pode ser facilmente visualizada, e normalmente há uma redução abrupta na frequência de piscar dos olhos 3 (Figura 3).

 

Figura 2 – Coelho em postura sentada com os olhos parcialmente fechados. Créditos: Isabelle Tancioni

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Figura 3 – Esclera e pupila dilatada em coelho doméstico. Créditos: Isabelle Tancioni

 

As orelhas podem se mover em diferentes direções de forma independente para melhor captar a origem do som 2 (Figura 4). Os coelhos em estado de alerta posicionam as orelhas de forma ereta, com a pina (região de abertura da orelha) rotacionada para a frente 6 (Figura 5).

 

Figura 4 – Coelho com uma orelha ereta e a outra orelha posicionada ao longo do dorso. Créditos: Isabelle Tancioni

 

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Figura 5 – Coelho com orelhas eretas e pinas direcionadas para a frente. Créditos: Isabelle Tancioni

 

Já num coelho relaxado, as orelhas ficam semieretas, com as pinas direcionadas lateralmente (Figura 6), ao passo que, quando está totalmente relaxado, as pinas se posicionam na lateral ao longo do dorso 6 (Figura 7). No entanto, um coelho com medo pode apresentar as orelhas alinhadas ao dorso, acompanhadas muitas vezes de olhos proeminentes, cauda ereta e uma postura corporal mais retraída, próxima ao chão 3. As orelhas também servem como reguladores da temperatura corpórea, já que eles não têm glândulas na pele e não são capazes de suar 1,2. Portanto, as lesões nas orelhas podem comprometer a sua capacidade de regular a temperatura corpórea 1.

 

Figura 6 – Coelho com orelhas semieretas e pinas rotacionadas lateralmente. Créditos: Isabelle Tancioni

 

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Figura 7 – Coelho com orelhas ao longo do dorso. Créditos: Isabelle Tancioni

 

A respiração do coelho ocorre somente através das narinas, que podem se mover de 2 a 120 vezes por minuto, dependendo da atividade exploratória do animal, que está associada ao aumento do ato de farejar 1. Quando amedrontados e estressados, tendem a achatar os lábios e a alargar as narinas devido à tensão muscular 6.

Os coelhos são animais silenciosos, que raramente vocalizam; geralmente as vocalizações estão associadas a experiências negativas 3. Eles podem emitir um som similar a um rosnado, quando ameaçados e um som bem agudo quando atacados 2. Já os grunhidos estão associados ao comportamento sexual, enquanto que a vibração produzida pelo batimento suave dos dentes ocorre em situações de contentamento, muitas vezes observada quando são acariciados pelo tutor ou durante o processo de limpeza, conhecido como catação (grooming, em inglês) realizado por outro coelho 3,6,7. No entanto, os coelhos podem ranger os dentes se estiverem sentindo dor, e comumente o som produzido é mais audível 3,6. Assim como seus ancestrais selvagens, os coelhos domésticos batem com as patas traseiras no chão para produzir um sinal auditivo de alerta para outros coelhos, conhecido como batida ou thump em inglês 3. Isso também pode indicar frustração, e ocasionalmente estar associado a comportamentos de brincadeira 3,7.

O posicionamento baixo da cabeça indica que o animal quer interagir e frequentemente mostra que ele está se apresentando e solicitando o início do processo de limpeza a um outro coelho ou carícias para o tutor, que normalmente podem ser feitas na parte frontal da cabeça 1 (Figura 8). Essa postura mostra calma e segurança 3,6. Balançar ou sacudir a cabeça pode fazer parte da sequência do processo de limpeza, porém em outros contextos pode indicar frustração e relutância associada a uma interação, ou até sinais de desconforto relacionados a enfermidade do sistema auditivo 1,3.

 

Figura 8 – Coelho com posicionamento baixo da cabeça. Créditos: Isabelle Tancioni

 

Esses animais também usam a cauda para se comunicar 1. A cauda pode ser projetada de forma ereta, para que os outros coelhos a vejam, e pode estar associada a uma resposta agressiva, à fuga diante de uma ameaça ou ainda ao estímulo sexual 3.

Os coelhos domésticos passam boa parte do tempo em estado de alerta ou vigilantes, assim como os coelhos selvagens 8. Podem se estender e erguer o corpo usando as pernas traseiras em uma postura de alerta e para melhor avaliar o ambiente 1 (Figura 9).

 

Figura 9 – Coelho com extensão e elevação do corpo. Créditos: Isabelle Tancioni

 

A postura sentada com o abdômen e o tórax acima do chão indica repouso, porém em vigilância, normalmente com as orelhas direcionadas para a frente e as narinas movimentando-se constantemente 6,8. A postura curvada está associada a um corpo compacto, pequeno e arredondado, com a pernas flexionadas sob o corpo, que pode ser observada quando o coelho sente dor ou está relaxado; por isso, é importante avaliar o contexto e os outros sinais 3 (Figura 10).

 

Figura 10 – Coelho com corpo curvado. Créditos: Isabelle Tancioni

 

Um coelho amedrontado pode exibir uma postura conhecida como “achatada”, no intuito de se tornar menos visível a possíveis ameaças 3. Ainda em relação a essa postura, observa-se o alongamento do corpo, que é contraído ao solo, as orelhas contra as costas e o rebaixamento da cauda, geralmente acompanhados por olhos salientes e aumento da tensão facial 3,9. Já alguns animais tendem a permanecer imóveis; essa postura é conhecida como “congelamento” e é uma das principais alterações comportamentais decorrentes da dor, do sofrimento e do estresse intenso 10. Além de os coelhos amedrontados apresentarem respostas de congelamento, eles ainda podem exibir respostas de fuga ou luta, apoiando-se nas patas traseiras e elevando o corpo, rosnando, erguendo as orelhas e mantendo as patas dianteiras elevadas – resposta comportamental conhecida como boxing em inglês 9. Caso o estímulo indutor de medo e estresse persista, eles podem reagir com agressividade, ataques e mordidas 1,3.

A postura deitada, em que o tórax entra em contato com o solo, com ou sem a extensão das pernas traseiras e dianteiras, indica na maioria das vezes relaxamento 3,6 (Figura 11). De modo geral, o grau de relaxamento está conectado ao grau de extensão dos membros 3 (Figura 12).

 

Figura 11 – Coelho em postura deitada e pernas estendidas. Créditos: Isabelle Tancioni

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Figura 12 – Coelho em postura deitada e pernas completamente estendidas. Créditos: Isabelle Tancioni

 

Quando o coelho se joga repentinamente de lado (sideways flop, em inglês), isso indica relaxamento 1,7 (Figura 13). Essa postura também pode estar associada a temperaturas mais quentes, quando os coelhos tendem a se esticar para aumentar a área de contato e assim maximizar a perda de calor 3,6. Como essa postura pode indicar tanto relaxamento quanto estresse, é importante avaliar outros sinais associados ao desconforto e à dor, como também analisar o contexto em que o coelho se encontra, como o ambiente com temperatura elevada, um período pós-cirúrgico, entre outros 3.

 

Figura 13 – Coelho em postura deitada em decúbito lateral. Créditos: Isabelle Tancioni

 

O termo em inglês binkying, que não tem tradução em português, descreve um conjunto de comportamentos que o coelho apresenta quando está relaxado e se encontra em um ambiente seguro 3,6. Além disso, esse comportamento, é frequentemente observado quando o coelho é transferido de um ambiente de confinamento para uma área maior 3,6. Há duas formas: binky completo (full binky, em inglês), em que o coelho salta e movimenta as patas traseiras, e binky parcial (partial binky, em inglês), em que o coelho balança a cabeça; esse movimento pode ser acompanhado ou não de um salto 3,6. Acredita-se que esses comportamentos têm a função de treinamento para a fuga, já que a prática desses movimentos, que confere mudanças de direção da corrida em alta velocidade, pode ser útil para escapar de predadores 3,6. Já as corridas curtas (sprinting, em inglês) podem ser realizadas com ou sem binky 3,6. Tanto o binky como as corridas curtas não estão associados a um estímulo externo e parecem estar conectados a brincadeiras 3,6.

A perseguição geralmente é observada entre coelhos jovens como uma forma de brincadeira, e auxilia no estabelecimento de hierarquias sociais 3,6. Mais raramente, os coelhos mais velhos também podem perseguir uns aos outros, ao competirem por um alimento 3,6.

A figura 14 mostra uma compilação de diferentes posturas apresentadas pelos coelhos, associadas a graus de estresse e relaxamento.

 

Figura 14 – Posturas de relaxamento (A-D), tensão e medo (E-J). A) Postura compacta. B) Postura deitada, com as patas dianteiras estendidas para a frente e as traseiras projetadas lateralmente. C) Postura deitada com o corpo totalmente estendido e relaxado. D) Binky; E) Batida. F) Coelhos amedrontados ou ansiosos podem se esconder. G) Postura de congelamento. H) Fuga. I) Luta. J) Ataque. Adaptada 9

 

Considerações finais

Os coelhos são animais amigáveis, sociáveis e podem ser companheiros fantásticos para a família multiespécie. De modo geral, os coelhos domésticos herdaram um padrão de resposta comportamental de seus ancestrais selvagens 1-3. São animais sociais, que correm, saltam, cavam e geralmente fogem, e se escondem quando se sentem ameaçados. São territorialistas e vivem em um grupo hierárquico 1,3. Exibem uma complexidade comportamental, assim como outros animais que comumente são atendidos na rotina clínica. É importante o médico-veterinário ter conhecimento sobre como o coelho se comunica e como esse animal percebe o ambiente, assim poderá reconhecer os comportamentos normais desses animais e auxiliar os tutores a entender a relação entre os comportamentos e o bem-estar dos coelhos domésticos.

 

Agradecimentos

À Carine Diaz pela revisão do artigo; ao médico-veterinário Renato Silvano Pulz, responsável pela revisão técnica; e ao artista Gregório Moreira pelos desenhos; e a Jamie Alexandre, pelo auxílio com as imagens. Todos os coelhos mostrados nas fotos foram resgatados pela San Diego House Rabbit Society (SDHRS). Agradeço também aos funcionários e voluntários da SDHRS pela oportunidade de treinamento, desde 2018, nesse abrigo especializado em coelhos localizado na cidade de San Diego, Califórnia, EUA.

 

Referências

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02-DAVIS, S. E. ; DEMELLO, M. Stories rabbits tell: a natural and cultural history of a misunderstood creature. 1. ed. New York City: Lantern Publishing & Media, 2003. 320 p. ISBN: 978-1590560440.

03-BRADBURY, G. Behavioural problems in rabbits: a clinical approach. 1. ed. Sheffield: 5m Publishing, 2018. 248 p. ISBN: 978-1789180121.

04-TANCIONI, I. Coelhos domésticos – origens e domesticação – parte 1. Clínica Veterinária, Ano 26, n. 152, p. 66-72, 2021.

05-CROWELL-DAVIS, S. L. Behavior problems in pet rabbits. Journal of Exotic Pet Medicine, v. 16, n. 1, p. 38-44, 2007. doi: 10.1053/j.jepm.2006.11.022.

06-BRADBURY, G. What is happiness for rabbits – how can you tell? Rabbiting On, 2020. 

07-HARRIMAN, M. House rabbit handbook: how to live with an urban rabbit. 5. ed. Alameda: Drollery Press, 2013. 96 p. ISBN: 978-0940920187.

08-CLEMENTS, N. ; SAUNDERS, R. What is your rabbit telling you? The body language of fear. Rabbiting On, 2019.

09-RSPCA. What does my rabbit’s behaviour mean? RSPCA, 2021. Disponível em: <https://www.rspca.org.uk/adviceandwelfare/pets/rabbits/behaviour/understanding>. Acesso em 25 de abril de 2021.

10-LEACH, M. C. ; ALLWEILER, S. ; RICHARDSON, C. ; ROUGHAN, J. V. ; NARBE, R. ; FLECKNELL, P. A. Behavioural effects of ovariohysterectomy and oral administration of meloxicam in laboratory housed rabbits. Research in Veterinary Science, v. 87, n. 2, p. 336-347, 2009. doi: 10.1016/j.rvsc.2009.02.001.