Algumas raças de cães braquicefálicos, como bulldog francês e pug, têm ganhado cada vez mais popularidade. Atualmente, essas raças ocupam a primeira e a quarta posição no ranking CBKC de raças mais vendidas no Brasil 1. O termo braquicefálico se refere àqueles animais que possuem o formato cranial particular, devido a uma leve mutação no desenvolvimento anatômico desses ossos, com o comprimento do crânio mais curto e a largura mais acentuada. Além desse aspecto, olhos pronunciados sobre uma cavidade orbital mais rasa também são encontrados 2.
Nos últimos anos, versões extremas de tais condições, ou seja, focinho extremamente curto e os olhos mais pronunciados, tem aparecido em detrimento à saúde desses animais. Essas especificidades anatômicas podem causar sérios problemas de saúde, como problemas respiratórios, oculares, digestivos, dermatológicos, intolerância ao calor e ao exercício 3.
Síndrome Braquicefálica das Vias Aéreas Superiores e outras sensibilidades
Também conhecido por BOAS (Brachycephalic Obstructive Airway Syndrome), trata-se de uma obstrução parcial das vias aéreas superiores, causada por qualquer combinação dos fatores abaixo 4:
• Estenose das narinas
• Palato mole prolongado
• Sacos laríngeos evertidos
• Hipoplasia de traqueia
Enquanto o comprimento do crânio e do focinho cessam, o mesmo não acontece com o desenvolvimento dos tecidos moles dessa região. A relativa abundância de tecido resulta no estreitamento das passagens aéreas e até obstrução da glote, resultando ainda, no aumento da resistência aérea total. Esse aumento na resistência, por sua vez, provoca uma elevação nas pressões aéreas negativas, que podem culminar em eversão dos sáculos laríngeos e colapso laríngeo. Ou seja, cães braquicefálicos podem sofrer de obstrução física e dinâmica das vias aéreas 2,4.
As narinas estenosadas foram identificadas com maior frequência e gravidade em cães da raça bulldog francês como mostra a figura 1 5. O colapso de laringe foi identificado em estudo retrospectivo 6 em 86% dos cães BOAS +, e em maior severidade nos cães da raça pug (68,7% em grau II ou III no Sistema de Poncet).
Decorrente dessas alterações, os animais afetados podem apresentar como principais sintomas alterações no padrão respiratório, intolerância ao exercício e disfagia, que podem evoluir para angústia respiratória, colapso cardiovascular, hipertermia e hérnia hiatal, identificados por PET FOOD volta de 2 a 3 anos de idade. Os riscos são agravados pela reprodução seletiva das raças em questão, além da obesidade, exercício, altas temperaturas, excitação e sedação 4.
O diagnóstico clínico é feito principalmente com base na imagem – radiografias, laringo/faringoscopia e traqueoscopia e o tratamento em casos severos mais recomendado é correção cirúrgica 4,6,7. Se propôs medição com fita métrica entre alguns pontos específicos do crânio e diâmetro de pescoço, e sua correlação com a determinação dos sintomas, com o objetivo de reduzir a necessidade de sedação nesses pacientes para obtenção do diagnóstico 5.
Os casos não severos podem ser manejados evitando os fatores de risco, como atividade física, altas temperaturas e sobrepeso (Figura 2).
A sensibilidade digestiva ocorre secundariamente à dificuldade respiratória. Devido a obstrução de vias aéreas, é frequente que os cães braquicefálicos façam aerofagia, que aumenta a produção de gases e consequentemente a fração de substrato não digerido 8. Além disso, a dentição desalinhada também contribui para a falha na mastigação. Os sinais digestivos foram mais presentes e em maior gravidade nos cães da raça bulldog francês quando comparado a pugs com o mesmo diagnóstico 6.
Sugere-se que a conformação braquicefálica esteja associada a um número reduzido de terminações nervosas na córnea. Essa situação pode agravar as patologias de epitélio corneano, pois uma relativa denervação leva a uma menor nutrição do epitélio. Além disso, outras características perioculares como uma grande abertura palpebral e cavidade rasa, podem interagir na patogênese de doenças como a úlcera de córnea, promovendo maior exposição da córnea mais sensível 9.
Em um estudo realizado em 110 clínicas na Inglaterra ao longo de um ano 9, detectou-se a prevalência de úlcera de córnea em 834 animais. A prevalência da condição nas raças não braquicefálicas foi de 0,6% e nas raças braquicefálicas 3,7%, conforme ilustra a figura 3.
Outro recente estudo que avaliou a prevalência de anormalidades dentais em gatos braquicefálicos, observou mal oclusão em 72% dos animais, apinhamento de dentes em 56% e mal posicionamento dos dentes em 64% dos gatos. A doença periodontal estava presente em 88% dos gatos e a reabsorção em 70%, resultado que sugere a ligação da braquicefalia à características orais e dentárias que predispõem à doenças periodontais 10.
Avaliou-se 271 cães braquicefálicos para displasia de processo articular caudal de coluna torácica, sem sintomatologia neurológica. Os resultados mostraram alta prevalência dessa condição nos cães da raça pug (97%), bulldog inglês (84,1%) e bulldog francês (70,4%) 11.
Considerações finais
Nos confrontamos com tutores que reconhecem os sinais clínicos dessas particularidades em seus cães braquicefálicos, porém, não os interpretam como problemas de saúde, e sim como condições comuns das raças 2,3. Daí a importância do clínico na conscientização desse tutor acerca do bem estar animal. Além disso, reconhecer os profissionais que atuam com reprodução responsável se faz igualmente importante.
O manejo desses animais para promoção de melhor qualidade de vida inclui alguns cuidados como:
• Evitar ambiente muito quente;
• Manutenção do peso no escore ideal;
A prescrição de um alimento com croquete adaptado à raça ajuda a reduzir a aerofagia através da fácil preensão e melhora a digestão quando estimula a mastigação. Além disso, espera-se que tenha alta digestibilidade para reduzir a fermentação excessiva de resíduos no cólon.
O reconhecimento das particularidades dos animais braquicefálicos, conscientização e atuação para melhor conforto ajudarão a construir um mundo melhor para os animais.
Referências sugeridas
01-Relatório anual de atividades cinófilas 2017. Confederação Brasileira de Cinofilia. Disponível em: http://cbkc.org/cbkc/estatisticas. Acesso em 18 de julho de 2018.
02-PACKER RMA, HENDRICKS A, BURN CC. Do dog owner perceive the clinical signs related to conformational inherited disorders as ‘normal’ for the breed? A potential constraint to improve canine welfare. Animal Welfare, v. 21(S1), p. 81-93, 2012.
03-LADLOW J, LIU NC, KALMAR L, SARGAN, D. Brachycephalic obstructive airway syndrome. Vet Record, Cambridge University. 2018, p. 375-378.
04-PUERTO DA, WADDELL LS, in TILLEY, L.P; SMITH JR, F.W.K. Consulta veterinária em 5 minutos – Espécies canina e felina. 3. ed. Ed Manole, 2008, p. 1256-1258.
05-LIU NC, TROCONIS EL, KALMAR L, PRICE DJ, WRIGHT HE, ADAMS VJ, SARGAM DR, LADLOW JF. Conformational risk factors of brachycephalic obstructive airway syndrome (BOAS) in pugs, French bulldogs and bulldogs. PloS One, n. 12, n. 8, p. e0181928. 2017.
06-HAIMEL G, DUPRÉ G. Brachycephalic airway syndrome: a comparative study between Pugs and French bulldogs. Journal of Small Animal Practice, v. 56, n. 12, p. 714-719, 2015.
07-GOBBETTI M, ROMUSSI S, BURACCO P, BRONZO V, GATTI S, CANTATORE M. Long-term outcome of permanent tracheostomy in 15 dogs with severe laryngeal collapse secondary to brachycephalic airway syndrome. Veterinary Surgery, 2018.
08-URREGO MIG, MATHEUS LFO, SANTOS KM, ERNANDES MC, MONTI M, SOUZA DF, BALIEIRO JCC, ARAÚJO LF, PONTIERI CFF, BRUNETTO MA. Effects of diferente protein sources on fermentation metabolites and nutriente digestibility of brachycephalic dogs. Journal of Nutricional Sciences, 2017.
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10-MESTRINHO LA, LOURO JM, GORDO IS, NIZA MMRE, REQUICHA JF, FORCE JG, GAWOR JP. Oral and dental anomalies em purebreed, brachycephalic Persian and Exotic cats. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 253, n. 1, p. 66-72, 2018.
11-BERTRAM S, TER HAAR G, DE DECKER S. Caudal articular process dysplasia of thoracic vertebrae in neurologically normal French bulldogs, English bulldogs, and Pugs: Prevalence and characteristics. Vet Radiol Ultrasound, v. 59, n. 4, p. 396-404, 2018.
Natalia Bianchi Lopes
Coordenadora de comunicação científica – Royal Canin Brasil