O Complexo Respiratório Infeccioso Canino (CRIC) é uma doença respiratória infecciosa, altamente contagiosa e de início agudo em cães, na qual diversos patógenos virais, (parainfluenza, adenovírus vírus da cinomose) e/ou bacterianos podem estar envolvidos como agentes causais, sendo que a Bordetella bronchiseptica é considerada o agente patogênico primário. A doença, popularmente conhecida por “Tosse dos Canis” ou até “Gripe canina” costuma ter um caráter sazonal ocorrendo com maior frequência nos meses mais frios do ano.
A transmissão pode ocorrer pelo contato direto com secreções oro-nasais, por fômites contaminados ou por meio de inalação de partículas de aerossóis no ambiente em que o animal convive ou passa durante um passeio. A maioria dos agentes virais envolvidos começa a ser eliminada 2 dias após a infecção, tendo sua eliminação mantida em média por 6 a 10 dias. Já a Bordetella bronchiseptica, além de ser capaz de sobreviver por longos períodos no ambiente (≈ 3 semanas em TºC e umidade adequados), pode ser transmitida mesmo quando os animais infectados estão aparentemente saudáveis, já que a bactéria é hábil para driblar o sistema imune do hospedeiro durante semanas a meses. Ambiente úmido, fechado ou com má ventilação, apresenta grande risco para a transmissão dos agentes etiológicos da CRIC, especialmente em situações de convivência com grande concentração de animais, tais como abrigos, canis, creches e hotéis, ou ainda pet shops, nos quais há grande circulação de animais. Animais muito jovens e animais idosos também devem ser considerados como grupo de risco, com uma chance maior de infecção e de manifestações clínicas mais graves.
Quando acometidos, os cães podem apresentar sinais clínicos que variam em grau de severidade dependendo do agente etiológico envolvido e se há ou não co-infecções. O sinal clínico mais comum é a tosse de início agudo, seguido ou não de descargas nasais serosas e espirros. Em casos mais graves, haverá sinais característicos de doença sistêmica com febre, letargia, inapetência, secreção óculo-nasal mucopurulenta, taquipneia e/ou dispneia.
O diagnóstico geralmente é clínico e deve incluir uma anamnese detalhada. Auscultação cardiopulmonar e radiografias das regiões torácica auxiliam a descartar outras doenças ou a diagnosticar uma broncopneumonia, por exemplo. Deve-se considerar o uso de exames laboratoriais, tais como hemograma completo e perfil bioquímico para avaliação do estado geral do paciente. O diagnóstico definitivo poderá ser feito com o isolamento do patógeno proveniente de secreções respiratórias e realização de citologia ou cultura e antibiograma no caso de agentes bacterianos ou ainda com o diagnóstico molecular (PCR- reação em cadeia de polimerase) para os agentes virais.
O tratamento com antibioticoterapia deve ser indicado apenas em pacientes com suspeita do envolvimento da B. bronchiseptica e que apresente sinais sistêmicos como febre, inapetência, letargia ou ainda em casos de pneumonia. Para uma escolha assertiva, recomenda-se que o clínico consulte as diretrizes de uso de antibioticoterapia do American College of Veterinary Internal Medicine – ACVIM (Lappin et al. Antimicrobial use Guidelines for Treatment of Respiratory Tract Disease in Dogs and Cats: Antimicrobial Guidelines Working Group of the International Society for Companion Animal Infectious Diseases. J Vet Intern Med2017;31:279–294). Terapias de suporte, devem ser estabelecidas de acordo com a necessidade de cada paciente (oxigenioterapia, fluidoterapia, nebulização).
A vacinação é um ponto chave para a prevenção contra grande parte dos agentes envolvidos na CRIC, incluindo a Bordetella bronchiseptica, agente patogênico considerado como primário da CRIC. No entanto, deve ficar claro o papel dessas vacinas, visto que elas não conferem uma imunidade estéril, ou seja, não há proteção contra infecção, eliminação e transmissão dos patógenos, portanto, o objetivo de tais vacinas é mitigar a severidade dos sinais clínicos da doença, bem como a replicação dos agentes após o desafio nos animais vacinados. Assim, num ambiente onde medidas adequadas de manejo não são conduzidas, é importante ter em mente que a vacinação não será efetiva como ferramenta única de manejo e controle da CRIC.
Alguns dos agentes envolvidos na CRIC fazem parte de vacinas múltiplas, já outros como a B. bronchiseptica estão disponíveis em apresentações para uso parenteral ou tópico em vacinas complementares, podendo ser intranasal ou oral. As vacinas para uso parenteral (injetáveis), contém na sua composição a B. bronchiseptica na forma inativada (morta) e, portanto, além da adição de adjuvante de imunidade, demandam o uso de no mínimo 2 doses na primovacinação, com intervalos entre 2 e 4 semanas para que se estabeleça uma imunidade sólida, sendo esperada uma proteção apenas em cerca de 7 dias após a segunda dose. Já as vacinas tópicas (intranasal ou oral) demandam o uso de dose única pois geralmente contêm o agente etiológico vivo atenuado, o que pode contribuir para uma resposta imune protetora mais rápida, (até 72 horas pós-vacinação), sendo essa uma grande vantagem de uso.
O Complexo Respiratório Infeccioso Canino (CRIC) é um quadro respiratório comum em cães, e, mesmo diante da disponibilidade e do uso de protocolos vacinais variáveis e diversos, contendo um ou vários agentes que compõem a doença, locais com alta concentração ou circulação de cães são considerados de alto risco, incluindo clínicas veterinárias e petshops. Assim, devido à natureza altamente contagiosa desses agentes, um programa adequado de manejo e prevenção integrados é fundamental para o controle da CRIC e diminuição dos riscos de surtos na população canina.
Referências sugeridas
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Karin Denise Botteon
Technical Manager Pets
Boehringer Ingelheim Animal Health
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