O Congresso da Animal Health, realizado de 2 a 4 de outubro de 2019 no Pavilhão Amarelo do Center Norte, em São Paulo, pode ser considerado o maior congresso internacional de especialidades veterinárias já realizado no Brasil – um megaevento com programação abrangente de conteúdo técnico-científico e educação continuada, em parceria com os mais importantes profissionais, instituições e empresas do setor.
“Trata-se do único evento do Brasil 100% focado em inovações, soluções e aprimoramento de novas técnicas na assistência médico-veterinária, em nutrologia e na saúde dos pets, com uma visão completa dos diferentes elos da cadeia de saúde animal, incluindo segmentos como indústria, serviços, produtos e tecnologias”, destacou Adriano de Souza, diretor-presidente da Animal Health. “O evento consolidou-se como a principal plataforma de conhecimento, networking e negócios entre fornecedores e gestores de hospitais, clínicas, laboratórios e centros de diagnósticos veterinários de todo o Brasil. Conseguimos conectar toda a cadeia multissetorial em um único lugar”, avaliou ele.
O evento cumpriu seus objetivos e se tornou referência e inspiração para seus milhares de visitantes. Foram 25 painéis de especialidades, mais de 200 horas de conteúdos, mais de 140 palestrantes de 10 países, 7.200 visitantes e congressistas. Além disso, o Animal Health contou com mais de 100 marcas expositoras nos 14 mil m² do Expo Center Norte, em São Paulo.
Com programação multidisciplinar a cargo dos melhores profissionais do mercado nacional e internacional, o evento abordou os diversos aspectos da prática clínica cotidiana, com informações úteis, discussões de casos clínicos, avanços tecnológicos, sessões interativas entre especialidades e apresentação das melhores práticas por especialistas.
Os participantes tiveram acesso a todos os auditórios, presenciando toda a gama de eventos. O Mega Pet Fórum Científico Internacional de Especialidades contou com a participação de especialistas veterinários de dez países e reuniu painéis sobre cirurgia veterinária, oftalmologia, felinos, oncologia, diagnóstico por imagem, neurologia, endocrinologia, cardiologia, patologia, anestesiologia, etologia, dermatologia, medicina chinesa veterinária, medicina com canabinoide, ortopedia e medicina de silvestres.
O Simpósio Nacional da Anclivepa-SP contou com palestrantes especialistas em intensivismo, odontologia, geriatria, gastrenterologia e medicina de felinos.
Tema atual
Um dos grandes destaques do evento foi o Simpósio de Medicina Veterinária de Desastres. Com a coordenação da médica-veterinária Ana Liz Bastos – perita de medicina veterinária legal e especialista em desastres – e o apoio da revista Clínica Veterinária, o simpósio reuniu os principais especialistas do setor, apresentando um panorama dessa questão tão premente no Brasil atual e discutindo como os desastres afetam as diferentes espécies animais e seu manejo, a medicina legal, o papel do médico-veterinário e do voluntário, os planos de contingência, a gestão, a biossegurança e a saúde única na medicina veterinária de desastres. A participação do público foi excelente, com a lotação não só do espaço aberto do evento, mas também dos dois espaços contíguos e do corredor frontal.
O Veterinary Innovation Summit (VIS), um fórum internacional de gestão e inovação, sobre gestão, tecnologia, relacionamento humano, marketing e demais temas que englobam a administração de unidades de saúde animal, teve como mentor científico o médico-veterinário Sérgio Lobato. “O balanço do VIS 2019 foi extremamente positivo. A plateia se envolveu com o tema, e a presença dos palestrantes estrangeiros foi o grande destaque da programação. Trouxemos uma grade com palestras que fizeram os congressistas pensarem, repensarem e se colocarem de uma forma diferenciada em relação à gestão”, declarou. “O slogan ‘Somos 100% VET’ causou enorme impacto no mercado, que antes estava acostumado com outros formatos de negócios e feiras”, finalizou ele.
Além desses, no Fórum Internacional de Gestão em Medicina Veterinária, a Animal Health trouxe com destaque palestrantes como Jihan Zoghbi, Marcelo Sader, Celso Morishita, Renato Couto Moraes e uma série de eventos satélites a cargo de entidades de classes, empresas e profissionais.
União do setor
O presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP), dr. Mário Pulga, discursou na solenidade de abertura do evento, no lançamento oficial da Federação das Entidades Veterinárias Regionais do Estado de São Paulo (Feveresp). “Prestigiamos o evento porque vimos que existia uma grande preocupação da organização em promover o trabalho dos médicos-veterinários brasileiros”, comentou Mário Pulga.
O diretor científico da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa-SP), Luciano Giovaninni, destacou o grande feito da Animal Health Expo+Congress ao reunir mais de 30 diferentes entidades de classe e contar com o seu apoio. “Estou na medicina veterinária há mais de 25 anos e ainda não tinha visto uma união como essa, com diferentes associações, colégios e entidades.”
Cíntia Fuscaldi, coordenadora de Relacionamento Científico da Royal Canin, empresa líder do setor de alimentação animal, elogiou a proposta inovadora do Animal Health, o formato das apresentações e a organização, segundo ela muito diferentes do que se costuma ver atualmente no mercado. “A escolha da Royal Canin nesse evento foi participar junto com algumas associações de classe. O Animal Health organizou fóruns específicos dessas associações, e como a Royal Canin já tem parceria com elas, fizemos a escolha de estar muito mais alinhados com os conteúdos trabalhados nesses fóruns”, declarou ela.
A cada ano, a Royal Canin escolhe um tema macro. Em 2019 foi o peso, e, portanto, todas as questões relacionadas à obesidade foram tratadas nos grandes eventos de 2019. “Para nós, da empresa, que sempre tem algo a compartilhar, esse formato, que de alguma forma beneficia a presença do profissional, é muito bom, pois permite alinhar melhor os conteúdos e passar uma mensagem muito mais assertiva. Em salas menores, você consegue decisões mais robustas, mais intimistas, e isso, do ponto de vista científico, é um ganho para a Royal Canin, e acredito que um ganho também para o Animal Health.”
Entrevistas com especialistas
Entrevistamos quatro dos palestrantes do evento e eles expuseram vários pontos interessantes sobre os temas tratados em suas palestras. Você pode acessar esse conteúdo no blog da revista Clínica Veterinária, no endereço http://www.revistaclinicaveterinaria.com.br/blog/category/entrevistas. O dr. Ricardo Duarte Silva, especialista em gastrenterologia veterinária, falou sobre o diagnóstico e o tratamento da hepatite crônica em cães – abre.ai/entrevistaricardo. O dr. Denis Rodrigues Prata tratou da cirurgia de joelho, e em especial da ruptura traumática do ligamento cruzado – abre.ai/entrevistadenis. A dra. Cinthia Martorelli abordou as doenças renais que acometem pequenos animais, em particular as doenças renais crônicas – abre.ai/entrevistacinthia. O dr. Daniel Farfallini, da Universidade de Buenos Aires, abordou a tomografia computadorizada de tórax – abre.ai/entrevistadaniel.
O sucesso da edição de 2019 do evento aponta para uma ampliação e um aprimoramento da próxima edição. O Animal Health Congress 2020 já está com data marcada. O evento será realizado de 30 de setembro a 2 de outubro, no Expo Center Norte, em São Paulo.
A Animal Health consolida-se, assim, como megaevento de referência e de inovação e sinergia no setor veterinário.
Confira a cobertura fotográfica completa no nosso facebook: http://abre.ai/ahsa ou pelo QR code abaixo.
Ricardo Duarte
Clínica Veterinária (CV) – Como você se interessou pela área de gastrenterologia?
Ricardo Duarte (RD) – O interesse pela gastrenterologia se deu quase por acidente. Eu era clínico geral e trabalhava no hospital da USP, e depois saí para fazer mestrado e doutorado em cetoacidose diabética. Mas durante esse período algumas pessoas me encaminharam casos de gastrenterologia; comecei a atender mais, e as pessoas passaram a achar que eu entendia do assunto, então acabei abraçando a causa, e estou bastante feliz, pois é uma área bem interessante. Continuo trabalhando com endocrinologia, mas hoje mais com atendimento de gastro.
(CV) – Enfermidades gástricas, duodenais ou de intestino distal? Quais são as de manejo mais complicado?
(RD) – Na verdade, isso não depende tanto do local e do órgão afetado, mas principalmente do tipo de doença. Algumas doenças envolvem mais do que a inflamação; envolvem, por exemplo, a destruição da arquitetura do órgão, e essas em geral são as mais complicadas de tratar.
(CV) – Qual a origem das hepatites crônicas nos cães? E nos gatos?
(RD) – A origem da hepatite crônica em cães é o tema das minhas palestras aqui, e há muita evidência nos estudos de que tenha uma etiologia imunomediada, para não dizer autoimune ainda.
(CV) – De forma geral, quais são os mais difíceis de tratar: os gatos ou os cachorros? Por quê?
(RD) – As doenças dos gatos já são mais conhecidas; temos a lipidose hepática e a colangite hepática, que pode ser aguda, neutrofílica ou crônica linfocídica, além de outras doenças menos comuns. Ou seja, nos gatos elas são mais bem estabelecidas do que nos cães.
(CV) – Qual o manejo mais adequado para esses animais?
(RD) – Esses animais precisam ter uma abordagem individualizada para a sua enfermidade, sejam cães ou gatos, e muitas vezes no cão isso depende de uma biópsia hepática para conseguirmos seguir um tratamento individualizado para o paciente.
(CV) – Perante a suspeita de uma doença duodenal, qual a sequência diagnóstica mais indicada?
(RD) – Aqui no Brasil temos facilidade para usar o ultrassom, maior disponibilidade de ultrassonografia do que em outros países, onde ela é bem mais cara. E depois de uma avaliação ultrassonográfica, ao se detectar uma alteração duodenal, o próximo passo é, sem dúvida – se o paciente estiver bem e não houver suspeita de doença grave –, uma dieta de eliminação ou uma dieta hipoalergênica ou hidrolisada; se isso não funcionar ou houver suspeita de doença grave, indicamos a endoscopia com biópsia, para poder fazer o diagnóstico e determinar o melhor tratamento para aquele paciente.
Denis Rodrigues Prata
(CV) – Quais as características anatômicas mais importantes a considerar em uma cirurgia de joelho?
Denis Prata (DP) – Esse é um aspecto muito importante: a articulação do joelho, nos animais e também nos seres humanos, é a mais complexa; tem uma série de ligamentos, tendões, estruturas ósseas, meniscos, gordura, tudo extremamente importante em qualquer tipo de cirurgia. Seria inadequado destacar alguma específica. Eu diria para o cirurgião, que em geral conhece os detalhes, e mais ainda para os clínicos, que é preciso considerar o ângulo do platô tibial, que é a depressão, a queda da tíbia, que força o cão a possivelmente romper o ligamento; examinar os meniscos, duas estruturas que atuam como restritores secundários também do movimento craniocaudal, que provavelmente se lesionarão depois de uma ruptura; a patela, o tendão patelar; ou seja, o clínico precisa levar em conta o básico, porque isso é importante na semiologia e ajuda no diagnóstico. Então, muitos pacientes acabam sofrendo luxações de patela de grau 2, o que já é importante, e se forem bem tratados cedo não terão problemas quando adultos. Então, estudar a anatomia do joelho é tão importante quanto diagnosticar as doenças.
(CV) – Em que casos devemos solicitar um raio-X, uma tomografia ou uma ressonância?
(DP) – Excelente pergunta. E vou até adicionar a artroscopia, que já é uma realidade para nós no Brasil. Nossa equipe foi uma das pioneiras, mas agora a artroscopia entrou com força, com outros colegas ortopedistas, com artroscópios pet, para fazer exames, por exemplo, em felinos ou em pequenos cães. Isso é muito legal, já era feito na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, e agora temos no Brasil, com qualidade. Na realidade, o raio-X é o exame de triagem, sem dúvida; o que precisamos entender é que o exame de raio-X deve ser realizado por um especialista em imaginologia, muito bem posicionado, de preferência com o paciente anestesiado, para que tenhamos imagens boas, que nos ajudem em vez de nos deixarem com mais dúvidas. A tomografia já seria o segundo – a tomo e a ressonância seriam exames mais complementares; então, quando já tenho um diagnóstico de luxação de patela de graus mais elevados ou pacientes mais graves, peço uma tomografia, uma reconstrução, para poder planejar correções de desvio. A ressonância magnética não é um exame sem importância, mas é menos importante. Na medicina humana, é muito utilizada para o diagnóstico de insuficiência do ligamento cruzado, mas na veterinária, os aparelhos de ressonância ainda não são os melhores para esse tipo de diagnóstico, então ela é limitada. Para nós, da área de joelho, eu recomendaria uma radiografia simples com o paciente anestesiado, tomografia, ultrassom de joelho, as artrotomias, que consistem em acessar e ver o joelho – ou seja, trata-se de um diagnóstico, de um exame –, e agora, com muita força, a artroscopia, que permite a visualização por mínimos acessos.
(CV) – Qual a terapêutica mais indicada em casos de ruptura traumática recente de ligamento cruzado?
(DP) – Hoje chamamos a doença de insuficiência do ligamento cruzado cranial. Porque hoje já tratamos esse ligamento antes que se rompa por completo. Quando um paciente apresenta insuficiência nesse ligamento, planejamos o tratamento, porque desse modo diminuímos as chances de uma lesão de menisco, de ele desenvolver uma artrose. Era comum achar que para ocorrer a lesão de cruzado era preciso haver trauma, porque isso é frequente em seres humanos. Mas na medicina veterinária a ruptura é vista como um processo crônico. O paciente nasce com o ângulo do platô muito inclinado, não sabemos exatamente por quê, mas, por uma série de fatores inflamatórios e imunes, esse ligamento vai perdendo força e se rompe. Então, o trauma existe; é bem provável que o cachorro dê uma corrida e rompa o ligamento, mas eu brinco e digo que esse trauma é apenas a gota d’água, que o copo já vem se enchendo por causa de outros problemas. Assim, essa parte traumática não é tão importante; há cães que rompem o ligamento passeando, na coleira, andando. A doença é muito diferente em seres humanos e em cães.
(CV) – Quais as vantagens do nivelamento do platô tibial?
(DP) – Acabamos não traduzindo a famosa TPLO, mas é o nivelamento. Eu sou um fã da técnica, tive a oportunidade de aprender com os pioneiros no Brasil, fiz cursos, com a nossa equipe, na Ásia, em Cingapura, fiz o primeiro curso do Hovet de TPLO, fiz curso no México, aprendi os detalhes da técnica, e diria a você que sua principal vantagem é a recuperação precoce do paciente. Se o colega realizar bem qualquer técnica extra ou intracapsular ou qualquer osteotomia, depois de oito meses, um ano, sendo a técnica bem feita, o resultado é o mesmo. Mas para nós, o que muda muito na TPLO é que o paciente na primeira semana já pode e deve apoiar o membro no chão, e num intervalo de dois a três meses muitas vezes já está totalmente recuperado. Então, pergunto ao meu cliente: “Você gostaria que o seu cão voltasse a andar muito bem em um mês, em dois meses ou que demorasse oito meses?” Cem por cento dos clientes preferem a técnica. Para mim, sem sombra de dúvida, a grande vantagem da técnica é o resultado precoce.
(CV) – Quais, na sua experiência, são as raças com maior incidência de enfermidades cirúrgicas de joelho? Quais as enfermidades mais frequentes de cada uma delas?
(DP) – Excelente pergunta também. Hoje em dia, como acabei de falar na minha apresentação, sem dúvida os problemas que mais chegam a um ortopedista são os de joelho. É um tema interessante, bem amplo. Podemos falar em três grupos de cães: os toys, os cães médios e os cães gigantes. Entre os toys, que hoje são toys mesmo, ou seja, com 1 kg ou 1,5 kg, eu colocaria o spitz-alemão (lulu-da-pomerânia), o yorkshire, alguns poodles toy. Esses cães vão ter muita luxação de patela, e aumentou também a incidência de insuficiência do ligamento, com possíveis lesões de menisco, e, no traumático, as fraturas distais de fêmur, que são um problema de joelho também. Isso nos toys. Nos cães de médio porte, temos também uma incidência de luxação de patela medial e muita insuficiência do ligamento. Em cães acima de 15 quilos, é muito grande o volume desses pacientes, e há também alguns casos de fraturas. Nos cães gigantes, é engraçado: por serem muito grandes, é difícil encontrar fraturas distais de fêmur, a anatomia do osso é um pouco diferente, a luxação de patela também é mais rara – pode haver a medial, mas a mais comum é a luxação de patela lateral –, e quando isso acontece, é muito grave; por isso, já estamos diagnosticando filhotes, porque eles quase não conseguem andar, e com certeza a insuficiência do ligamento é o que mais se vê: hoje, de cada dez que entram mancando, oito vão apresentar insuficiência de ligamento.
(CV) – Em animais jovens de raças condrodistróficas, qual é o melhor momento para indicar uma cirurgia?
(DP) – Muito boa a pergunta, porque isso é algo que precisamos mudar na cabeça não só dos cirurgiões, mas dos clientes. Nossa equipe esteve nos dois últimos anos num curso só de desvio angular no berço da ortopedia mundial, a cidade de Cremona, na Itália, e vemos que mudou muito a conduta nas luxações de patela. Eu mesmo, quando me formei, aprendi que “Ah, deixa o cão crescer e depois a gente opera e resolve”. Isso mudou completamente. Hoje em dia, quando um clínico nos manda um cachorro com dois, três meses, podemos usar técnicas menos invasivas, que evitam que essa luxação evolua para um caso muito grave. Então, quando se pergunta: “Quando intervir nesses cães?”, a resposta é: “O quanto antes”. Mas eu preciso da ajuda do cliente. Os clínicos, como todos nós, têm que se atualizar. Sei que muitos não gostam de ortopedia, mas é preciso contar com bons exames, porque um cão bem diagnosticado, com luxação de grau 2 ou grau 3, de três ou quatro meses, eu consigo resolver com uma cirurgia simples. Mas no caso de um cão que chega com um ano e meio, já vou ter que fazer osteotomia de fêmur, de tíbia; então, a resposta é: “Quanto antes, melhor”. A cirurgia será menos invasiva, e os resultados, muito melhores.
(CV) – Na sua experiência, qual o prognóstico mais comum após uma cirurgia de nivelação do platô tibial?
(DP) – Bem, aí você de novo está perguntando para um cara que é fã da técnica. Como eu disse, aprendi com os melhores, tenho uma equipe espetacular, devo agradecer ao meu time. Hoje entramos numa cirurgia dessas com três, quatro cirurgiões, então ela é muito bem planejada, com excelentes implantes. Temos hoje os melhores implantes do mundo; vale ressaltar que o mercado de implantes instrumentais do Brasil não perde para o de nenhum lugar do mundo – Europa, Estados Unidos e Ásia –, e posso dizer que hoje sou um ortopedista feliz. Isso é importante, a nova geração; acabei de falar isso na apresentação: o que temos é um mercado pronto para ser assimilado, e o prognóstico é o melhor possível. Claro que temos que conversar com o proprietário, que existem complicações, riscos, fisioterapias, reabilitações, cuidados para não ter depois a lesão do outro lado, controle do sobrepeso, mas com certeza absoluta o prognóstico é bom, muito bom; de novo, o que vai mudar é se o diagnóstico é precoce, se foi feito nas primeiras semanas, porque aí não teremos lesão de meniscos nem doença articular degenerativa. São pacientes com um prognóstico ótimo. Já num cão que vem com uma lesão de cruzado tendo apenas um ano de idade, o resultado é muito pior. Por isso é necessária essa avaliação prévia, bons exames, para passar isso ao proprietário. Mas eu diria que conseguimos melhorar muito a qualidade de vida mesmo de cães com joelhos muito ruins. Talvez eles não voltem ao que eram antes, mas conseguem ter uma vida feliz.
Daniel Horácio Farfallini
(CV) – Quais as principais indicações da tomografia de tórax?
Daniel Farfallini (DF) – A tomografia computadorizada (TC) é o método de primeira escolha para tórax, pois os tempos de aquisição são curtos; ela minimiza os movimentos respiratórios e cardíacos e oferece recursos como o gating cardíaco, que elimina os movimentos do coração e faz cortes muito finos (o que é ideal para visualizar o parênquima pulmonar).
(CV) – Quais as vantagens da técnica em relação à radiografia?
(DF) – Em relação à radiologia convencional, a TC “expande” o conteúdo da cavidade torácica. Na radiografia convencional, visibiliza-se uma superposição de estruturas. Por exemplo, numa radiografia lateral de tórax você vê a parede torácica de um lado e o parênquima pulmonar do outro; já a TC “desenrola” esses planos, melhorando a visibilização dessas estruturas. Além disso, há uma clara diferença na sensibilidade à densidade delas. A radiologia convencional pode captar variações de densidade de 5%, enquanto a TC diferencia mudanças de densidade de 0,05%. Ou seja, a TC é 100 vezes mais sensível em termos de resolução. Na TC, é possível diagnosticar alterações de parede, da pleura, lesões mediastinais (anteriores e posteriores) e enfermidades do parênquima pulmonar, inclusive zonas de troca de gases. São muitas as vantagens da TC em relação à radiologia.
(CV) – Tendo as técnicas de radiologia, tomografia e ressonância magnética à disposição, em relação às alterações torácicas, quando (na sua experiência) se deve indicar uma ou outra?
(DF) – Os tempos de aquisição (da imagem) da ressonância magnética (baixo campo) para tórax demoram de 2 a 3 minutos, e isso faz os movimentos respiratórios diminuírem a qualidade de resolução da imagem. Tanto os movimentos respiratórios quanto os movimentos do coração comprometem a boa resolução e a qualidade da RM. Já a radiologia e a TC são bons métodos de avaliação do tórax. Na verdade, representam duas etapas diferentes da escala semiológica. O primeiro desses passos deve ser a radiologia (antes é preciso fazer um bom exame físico do paciente). Em seguida, realiza-se uma placa simples, que nos dirá se é necessária a realização de uma TC. Essa placa simples deve ter sempre as duas incidências (par radiológico): lateral e ventrodorsal. Não é correto fazer um diagnóstico a partir de uma única imagem lateral, porque há uma superposição de estruturas. É preciso fazer sempre uma incidência ventrodorsal e uma lateral, e, caso se encontre uma lesão que leve a aprofundar o tipo de alteração, então vamos para uma TC. Os dois métodos são bons. A primeira escolha é sempre o método de menor complexidade (a radiologia convencional).
(CV) – Perante um paciente com suspeita de compressão por hérnia de disco, qual seria a técnica de imagem mais indicada?
(DF) – No caso de um paciente com compressão ou hérnia discal, podemos indicar tanto uma tomografia quanto uma ressonância. Na verdade, é possível também fazer um diagnóstico por meio de uma radiografia simples, de maneira indireta. Se houver material calcificado, poderei ver isso na radiografia. Se existir uma diminuição do espaço intervertebral, posso suspeitar disso por meio da radiografia. Mas a confirmação somente virá com uma mielografia ou mielotomografia, que é um pouco mais sensível. O método de eleição para as patologias compressivas de coluna é a RM. Nela posso ver o material discal de maneira direta ou indireta, saber se está calcificado, e posso ver que tipo de lesão ocorreu na medula (inflamação medular, edema, lesão degenerativa), o que não conseguiria ver por meio de nenhum outro método (mielografia, mielotomografia ou radiografia simples). Repito: há uma escala de passos semiológicos: o primeiro é ter a suspeita da localização da lesão medular e fazer uma radiografia. A partir disso, consigo dar mais um passo: se tiver à minha disposição uma tomografia ou uma ressonância, então lanço mão desses métodos. Na verdade, o “melhor” método é aquele do qual tenho disponibilidade e que sei como interpretar. Esse é o melhor método para o paciente.
(CV) – Qual foi a principal influência da chegada da tomografia na medicina veterinária? E da ressonância?
(DF) – A chegada da TC na medicina veterinária foi revolucionária. Comecei a fazer tomografia trinta anos atrás, e diziam que eu estava louco. Que era um método que não podia ser aplicado. Os radiologistas da Argentina não gostavam que eu utilizasse o método. Com o tempo, porém, passaram a me reconhecer, e agora somos todos grandes amigos. Mas foram épocas difíceis, e deu trabalho incorporar imaginologistas a esses grupos. Afora isso, a TC abriu uma enorme janela, não somente nos casos de patologias de coluna vertebral, mas em patologias de tórax, abdome, etc. A TC tem poder de resolução muito superior ao da radiografia. Mas não se pode “pedir” que a TC veja o que não consegue ver… Ela deve ser indicada no momento certo. Nunca deve ser a primeira escolha diagnóstica. Muitos colegas me ligam dizendo que vão encaminhar um paciente para tomografia, e eu digo que não. Primeiro o colega tem que fazer uma avaliação (exame físico) do paciente, tirar radiografias e ecografias, e depois, se ele quiser, posso recomendar uma TC ou uma RM.
Em relação à RM, ela também representou uma revolução no diagnóstico das patologias de tórax. A RM é o principal método de imagens para o diagnóstico de patologias neurológicas. Em cérebro e coluna vertebral, a RM consegue imagens que nenhum outro método possibilita. Como dizia um médico muito importante e famoso do Hospital Italiano de Buenos Aires, a chegada da RM na neurologia fez com que os médicos jovens não conseguissem mais pensar na neurologia sem ela. Antigamente, os médicos eram obrigados a fazer uma avaliação clínica mais apurada (e era muito bem feita). A RM levou a uma dependência na área de neurologia que nenhum outro método provocou. Realmente, foi uma revolução.
(CV) – Quais, na sua opinião, são as principais contribuições da RM na área diagnóstica veterinária?
(DF) – Na área de medicina veterinária deu-se a mesma situação. Temos uma quantidade de pacientes com diferentes graus de paresia e paralisia por compressão de disco. A incidência em cães é muito maior que em seres humanos, nos quais é incomum ver um paciente com paralisia por compressão ou hérnia de disco. Em medicina veterinária, essa situação é cotidiana. A RM é um método ágil, de rápida resolução, e não é invasiva, ao contrário da mielografia, que exige a injeção de um meio de contraste. Além disso, a RM tem enorme capacidade prognóstica, já que permite diagnosticar a inflamação da medula. Com isso podemos decidir se vale ou não a pena fazer a cirurgia. Há um antes e um depois da chegada da RM. Outros métodos também permitem identificar uma lesão compressiva; mas posso operar esse paciente, fazer a descompressão e constatar que ele não volta a andar. Com a RM, tenho condições de ver como está a medula: se há necrose, mielomalácia, etc. Com a RM posso saber se existe um processo de edema degenerativo, por exemplo, e optar por não fazer a cirurgia. A revolução da RM é essa.
Cinthia Martorelli
(CV) – Na sua experiência, quais as doenças renais mais frequentes em cães? E nos gatos?
Cinthia Martorelli (CM) – A doença renal mais frequente em cães e gatos é a doença renal crônica, caracterizada pela perda gradual e crônica de néfrons, de modo irreversível, também definida pela presença de lesão renal estrutural e/ou funcional de um ou ambos os rins por um período mínimo de três meses.
(CV) – Qual é a importância da avaliação da pressão arterial em pacientes com doença renal crônica?
(CM) – A avaliação da pressão arterial sistêmica é fundamental nos pacientes com doença renal, uma vez que a hipertensão arterial, bem como a hipotensão arterial, podem afetar os rins de forma negativa. A hipertensão arterial sistêmica pode ser uma complicação da doença renal crônica e colabora com a sua progressão.
(CV) – Qual é a importância da proteinúria nesses pacientes?
(CM) – A proteinúria pode ser classificada como pré-renal, renal e pós-renal. A proteinúria renal patológica ainda pode ser subclassificada como funcional ou patológica. Dessa forma, nos doentes renais crônicos deve-se investigar a existência de proteinúria renal patológica, pois ela pode colaborar com a progressão da doença renal crônica, atuando como fator prognóstico, principalmente em pacientes com síndrome nefrótica.
(CV) – Qual é a terapêutica para pacientes doentes renais crônicos com hipertensão arterial? Há contraindicações para esses tratamentos?
(CM) – O tratamento é realizado com o uso de medicamentos anti-hipertensivos. Existem diferentes classes de anti-hipertensivos, tais como: inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA); bloqueadores de canais de cálcio; e antagonista específico do receptor da angiotensina II (tipo AT1). A avaliação deve ser individualizada.
(CV) – Deve-se medir a pressão arterial nos gatos com obstrução uretral crônica?
(CM) – A pressão arterial deve fazer parte do exame físico de todos os animais.
(CV) – Há alguns colegas que indicam uma dieta natural para pacientes com doença renal crônica. Na sua experiência, qual o tipo de alimentação ideal para esse tipo de paciente?
(CM) – A dieta para pacientes com doença renal crônica deve ser avaliada de modo individual e por outros fatores, tais como faixa etária, estágio da doença renal crônica, escore de condição corpórea, índice de massa muscular e a concentração sérica de fósforo.
(CV) – Quando indicamos uma dieta para dissolver cálculos urinários? Que tipo de dieta você indica nesses casos?
(CM) – A prescrição de dieta deve ser individualizada, uma vez que diversos fatores podem influenciá-la, tais como: tipo(s) de cálculo, faixa etária, aceitabilidade e a presença de doença concomitante, entre outros.