Médico-veterinário no Nasf: prevenção de doenças e promoção da saúde no território
Há sete anos, o médico-veterinário foi inserido nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasfs). A sua inclusão nas equipes multiprofissionais dos Nasfs pela Portaria nº 2.488 de 2011 reconheceu e concretizou o médico-veterinário como um profissional atuante da área da saúde, legitimando a importância desse especialista, cujo conhecimento único sobre controle de zoonoses, higiene dos alimentos, vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental está diretamente relacionado à saúde pública. A atuação desse profissional nos Nasfs consiste na relação entre equipe e comunidade, melhorando a qualidade de vida das pessoas e dos animais, reconhecendo as dificuldades do território e propondo soluções e estratégias com bases técnicas para resolver e prevenir as questões de saúde pública. Os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos nos Nasfs ressaltam a importância e a necessidade, na prática, da inclusão do médico-veterinário nas equipes de saúde, devido à sua ampla atuação na promoção da saúde única.
Conhecendo os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasfs)
Proposto pelo Ministério da Saúde do Brasil, o Programa Saúde da Família é uma importante estratégia que reorganiza e orienta o modelo assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS) com vistas à Atenção Básica (AB) 1.
Em consequência desse movimento, reconheceu-se a necessidade de implementar a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que objetiva uma análise permanente e atual da situação de saúde da população, preconizando a organização e a execução de práticas adequadas ao enfrentamento dos problemas existentes 2. Inicialmente a ESF pode ser entendida como um primeiro nível de atenção da rede de saúde pública no Brasil, cujo objetivo consiste em ampliar o acesso à saúde, privilegiando a prevenção e a promoção além da assistência e da reabilitação. O processo de estabelecimento e difusão da ESF historicamente enfrenta dificuldades, principalmente por se tratar de uma prática inovadora, que insere uma nova composição de avaliação e intervenção em saúde da família, considerando o contexto, a relação de parceria de profissionais e famílias e a cooperação desses especialistas nas necessidades da comunidade 3.
Para enfrentar esses desafios, articular um apoio à ESF na rede de serviços e ampliar as atividades da AB, melhorando também as ações associadas à integralidade, resolutividade, territorialização, regionalização e a outros desafios históricos associados aos princípios do SUS, o Ministério da Saúde criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasfs), mediante a Portaria nº 154 de 24 de janeiro de 2008 4.
Inicialmente os Nasfs podem ser entendidos como equipes compostas de profissionais de diversas áreas e especialidades que atuam de forma multidisciplinar e integrada, apoiando os técnicos das equipes da ESF e da AB em relação a populações definidas e específicas 5. Há diversas possibilidades de composição da equipe dos Nasfs; ela deve ser definida pelos gestores do município, considerando as prioridades identificadas, tendo como base as necessidades locais e a disponibilidade de profissionais nas diferentes ocupações 4. Entre os profissionais que podem compor as equipes destacam-se: assistente social, profissional de educação física, médico, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional e médico-veterinário. A atuação compartilhada desses diferentes técnicos na resolubilidade de problemas clínicos e sanitários, assim como também a agregação de práticas desenvolvidas na AB, ampliam a execução e o desenvolvimento dos trabalhos 6.
Como síntese, para uma melhor percepção do exposto, vale ressaltar que os Nasfs constituem um apoio técnico e especializado à AB, realizando ações compartilhadas com a ESF e discutindo as demandas com as equipes que apoiam – além de atuar contribuindo para a expansão da capacidade de cuidado das equipes de AB, agregando novas ofertas de cuidado às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e auxiliando na articulação com outros pontos de atenção da rede.
Segundo dados do Departamento de Atenção Básica de novembro de 2017, há 5.468 municípios com ESF no país, sendo 4.829 Nasfs implantados no território brasileiro. Ainda de acordo com informações do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil (CNES) do Ministério da Saúde, até dezembro do ano passado, eram somente 270 médicos veterinários atuando nos Nasfs.
Atuação do médico-veterinário nos Nasfs
A medicina veterinária pode ser considerada uma ciência do coletivo, e o médico-veterinário incorpora-se facilmente ao grupo de profissionais da área de saúde por estar habilitado a proteger diferentes populações contra as diversas enfermidades que as afetam 7. Além disso, o conhecimento técnico do médico-veterinário que articula a área biomédica de diferentes espécies e a qualificação nos estudos com populações, associado aos conhecimentos de epidemiologia, microbiologia, parasitologia e prevenção de agravos como zoonoses, o evidencia como um profissional do coletivo que deveria ocupar um papel mais atuante no modelo de saúde proposto pelo SUS 8.
Historicamente, a medicina veterinária vem acompanhando o desenvolvimento da saúde pública no Brasil (Figura 1), mas a partir da inclusão do médico-veterinário nas equipes multiprofissionais dos Nasfs pela Portaria nº 2.488 de 21 de outubro de 2011, os trabalhos direcionados à promoção da saúde única podem ser desenvolvidos em sua mais ampla abrangência. Considerando que a maioria das doenças emergentes e reemergentes são de origem animal e que o médico veterinário possui base técnica para desenvolver ações de estratégia multidisciplinar, promovendo uma vigilância em saúde sob um conceito amplo, enfatiza-se, portanto, a importância da inclusão efetiva desse profissional nas equipes de saúde.
Ainda de acordo com a Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária, as ações do médico-veterinário nas áreas atendidas pelos Nasfs incluem diversos trabalhos como: visitas domiciliares visando à vigilância de doenças envolvendo animais e ambiente; prevenção, controle e diagnóstico situacional de riscos de doenças transmissíveis por animais vertebrados e/ou invertebrados e doenças transmissíveis pelos seres humanos aos animais; educação em saúde promovendo a prevenção e o controle de doenças de caráter antropozoonótico; desenvolvimento de análise e pesquisa em saúde pública que favoreçam a territorialidade e a qualificação da atenção; desenvolvimento de ações educativas em saúde e de mobilização da comunidade; trabalho de prevenção e controle de doenças transmissíveis por alimentos; identificação de emergências epidemiológicas, de modo contínuo e sistemático, principalmente de doenças com potencial zoonótico e daquelas importantes para a saúde pública 9.
Esses pontos de atuação podem sofrer mudanças de adequação de acordo com as necessidades sanitárias do território atendido. Nos Nasfs, o médico-veterinário também pode apoiar o trabalho das Unidades de Vigilância de Zoonoses (UVZ), uma vez que as UVZ são órgãos centralizados e os Nasfs estão distribuídos pelo território, atuando por exemplo em conjunto no monitoramento das zoonoses e na identificação e no manejo de animais sinantrópicos e peçonhentos.
Experiência do médico-veterinário nos Nasfs em Curitiba e região metropolitana
Os trabalhos desenvolvidos na capital paranaense e região metropolitana na inserção do médico veterinário no território, compondo as equipes dos Nasfs, permitem ações direcionadas às necessidades locais. Atualmente existe em Curitiba o Programa de Residência de Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, com duração de dois anos em regime de dedicação exclusiva, que oferece duas vagas para médicos-veterinários.
As atividades vêm sendo desenvolvidas pelos médicos-veterinários residentes em dois locais distintos, no Nasf do município de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, e na UVZ da capital.
Em Piraquara, a Secretaria Municipal de Saúde implantou o Nasf em outubro de 2013. O programa fornece suporte às oito equipes de ESF que atuam nas unidades de saúde. Atualmente os residentes médicos veterinários estão inseridos no Nasf Central e no Nasf Guarituba. As equipes são compostas por: fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, educadores físicos, farmacêuticos, terapeutas ocupacionais, cirurgiões-dentistas e médicos-veterinários.
Os médicos-veterinários que trabalham nesses locais desenvolvem atividades de educação permanente e popular em saúde em grupos de trabalhos já formados para a sensibilização da comunidade, tais como: grupo de alimentação saudável, grupo de gestantes e mães com bebês, reuniões de planejamento familiar e grupos de reabilitação. Os principais temas abordados na educação em saúde envolvem a visão da saúde única, abordando a prevenção e o diagnóstico de zoonoses; manejo ambiental e guarda responsável de animais de companhia; higiene e preparo adequado de alimentos; prevenção e diagnóstico de agravos causados por animais (mordeduras de animais peçonhentos/venenosos, acidentes trânsito); doenças transmitidas por vetores; higiene ambiental e pessoal; e também destino adequado de resíduos. Como exemplo, uma das atividades multiprofissionais e intersetoriais realizadas no município é o programa Saúde na Escola, que coordena atividades de orientação sobre alimentação adequada e saudável e segurança alimentar em escolas municipais (Figura 2). Esse projeto é idealizado e mantido por uma nutricionista integrante do Nasf e por uma médica-veterinária residente.
Em Curitiba, a atuação dos médicos-veterinários residentes está concentrada na UVZ, onde acompanham e apoiam a execução das ações e pesquisas com foco na saúde da população e na educação da comunidade. Uma das atividades desempenhadas é a vigilância da esporotricose felina, doença que vem sendo caracterizada como uma epizootia no município, com um aumento significativo de casos a partir de 2014. Os trabalhos realizados e acompanhados pelos residentes incluem a identificação e o monitoramento das áreas de risco, a realização de capacitações dos profissionais de saúde humana e animal, bem como a sensibilização da população para a notificação de casos por meio de eventos organizados e da análise de dados coletados para a vigilância e o monitoramento dessa zoonose.
Considerações finais
Ainda é comum que o médico-veterinário seja visto pela população em geral e pelos demais profissionais de saúde como um profissional somente da área clínica de animais, principalmente nos grandes centros urbanos. A desinformação da população e muitas vezes dos gestores dos municípios com relação à atuação do médico-veterinário na área da saúde pública reforça a necessidade e a importância de trabalhos educativos e informativos a respeito das diversas esferas de atuação desse profissional.
Vale ressaltar também que, embora o médico-veterinário seja legitimado como um profissional da saúde, isso ainda vem sendo pouco observado na prática; é preciso enfatizar a importância de termos esse profissional nos Nasfs. A sua atuação nas equipes dos Nasfs incentiva a conscientização das autoridades e da sociedade sobre o relevante papel desempenhado por esse profissional na saúde pública, além de sensibilizar as instituições de ensino superior a promover e incrementar a formação do médico-veterinário para atuar nessa área nos níveis de graduação e de pós-graduação.
Além disso, neste ano teremos eleições no país para deputados, senadores, governadores e presidente. Pensando nisso, temos uma importante responsabilidade na escolha de um candidato ético e comprometido, que tenha uma plataforma de propostas articuladas com a saúde pública, com a defesa animal e a vigilância em saúde, e que compreenda e reconheça a importância da medicina veterinária na sustentação da saúde única.
O médico-veterinário é um dos profissionais indispensáveis para atuar na promoção da saúde da população humana, animal e suas relações e por meio da adoção de políticas públicas efetivas, para a melhora dos serviços públicos disponibilizados pelo SUS.
Referências
1-BRASIL. Saúde da família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília: Ministério da Saúde, 1997. 36 p.
2-FIGUEIREDO, E. N. A Estratégia saúde da família na atenção básica do SUS. São Paulo: UNIFESP, 2012. 12 p. Disponível em: <http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/2/unidades_conteudos/unidade05/unidade05.pdf>.
3-SILVA, M. C. L. S. R. ; SILVA, L. ; BOUSSO, R. S. A abordagem à família na Estratégia Saúde da Família: uma revisão integrativa da literatura. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 45, n. 5, p. 1250-1255, 2011. doi: 10.1590/S0080-62342011000500031.
4-BRASIL. Cadernos de atenção básica nº 27. Diretrizes do NASF: núcleo de apoio à saúde da família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 152 p. ISBN: 978-85-334-1697-0.
5-BRASIL. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Ministério da Saúde, 2011.
6-BRASIL. Cadernos de atenção básica n. 39. Núcleo de apoio à saúde da família – volume 1: ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 118 p. ISBN: 978-85-334-2118-9.
7-ARAÚJO, M. M. Inserção do médico veterinário no núcleo de apoio à saúde da família: estudos, perspectivas e propostas. 2013. 83 f. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2013.
8-MAROSO, J. A. A inserção do médico veterinário no Sistema Único de Saúde (SUS). 2007. 34 p. Monografia (Especialização em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Escola de Saúde do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
9-CNSPV ; CFMV. O médico veterinário, a Estratégia de Saúde da Família e o NASF. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, v. 48, p. 9-14, 2009.