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Saúde Pública

A leishmaniose visceral canina e o seu tratamento

Matéria escrita por:

Arthur de Vasconcellos Paes Barretto

2 de mar de 2014


Ilustre presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Benedito Fortes de Arruda, o pronunciamento de Vossa Excelência em decorrência do artigo “A distância fria e pragmática do CFMV quando defende a ilegalidade do tratamento da leishmaniose” – http://goo.gl/NbAPNA, publicado na revista Clínica Veterinária n. 108, é muito bem-vindo.

No conteúdo do pronunciamento de Vossa Excelência, é possível encontrar a citação de palavras como “ciência” e “paixão”. Na comparação entre as duas, a paixão teria um menor valor. Porém, não seria a ciência movida pela paixão? Dificíl separá-las. Sem a paixão, a ciência pode ficar estagnada. 

Certamente, o texto do dr. Wagner Leão do Carmo traz uma linha de pensamento com paixão e de quem defende a vida. Porém, os fundamentos para que elabore a defesa são as diversas publicações científicas atuais que compartilham uma linha de gestão da saúde totalmente oposta à que vem sendo conduzida no Brasil. Além das publicações, existem os congressos internacionais, o mais importante dos quais, o Worldleish, teve sua quinta edição realizada no Brasil, em Porto de Galinhas, PE. Tanto nas publicações quanto nos congressos, o conceito do tratamento canino é amplamente discutido, aceito e reconhecido por diversos especialistas de todo o mundo.

Há poucos meses, em Belo Horizonte, o dr. Gaetano Oliva, membro do Leish Vet – grupo europeu de especialistas em leishmaniose –, participando como palestrante convidado do Simpósio Internacional de Leishmaniose Visceral, evento pioneiro e de grande destaque no cenário sul-americano, mostrou-se indignado com o fato de os clínicos veterinários buscarem participar das políticas públicas e conseguirem muito pouco. “O governo é que deveria estar buscando a parceria com os clínicos!”, explanou com exaltação. Uma pena que Vossa Excelência não estivesse presente ou representado. Juntos, podemos aprender a encontrar soluções dignas, éticas, humanitárias e, ao mesmo tempo, saudáveis. Essa mesma exaltação do dr. Gaetano Oliva é vista nas palavras do dr. Wagner Leão do Carmo. Percebe-se que as pessoas de fora do nosso círculo profissional não aceitam propostas que conhecemos e vivenciamos há anos. Um exemplo recente que ilustra o envolvimento da sociedade com questões que se referem à medicina veterinária é o tema da criação do Conselho de Proteção Animal em Florianópolis, SC. O prefeito Cesar Souza Junior vetou o projeto, mas a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal derrubou o veto por unanimidade, estando o projeto novamente no plenário da Casa no dia 10 de março de 2014.

Podemos compreender o esclarecimento e a interpretação que Vossa Excelência manifestou em seu pronunciamento. Porém, na atualidade, a existência de embasamento científico para o tratamento canino faz com que a vida canina seja valorizada e respeitada. Os colegas que compartilham dessa tendência crescente também compartilham das boas práticas do código de ética do médico-veterinário:

• nos princípios fundamentais: no Art. 2º, “Denunciar às autoridades competentes qualquer forma de agressão aos animais e ao seu ambiente” e, no Art. 3º, “Empenhar-se para melhorar as condições de saúde animal e humana e os padrões de serviços médico-veterinários”;

• dos direitos do médico veterinário” no Art. 8º, “Apontar falhas nos regulamentos, procedimentos e normas das instituições em que trabalhe, comunicando o fato aos órgãos competentes e ao CRMV de sua jurisdição”.

Uma vez conscientes desses artigos de nosso código de ética, é bastante plausível a desejável conquista pelo direito ao tratamento canino, como visto na recente decisão de ação ordinária que autorizou a importação do medicamento Milteforan por proprietária de cão com leishmaniose visceral com a finalidade de utilizá-lo no seu tratamento. Esse é mais um caso que reforça a jurisprudência brasileira favorável ao tratamento canino. Vale a pena destacar parte dessa decisão do juiz federal Mário Azevedo Jambo, que ressalta a citação do desembargador federal André Nabarrete ao analisar a ilegalidade da Portaria Interministerial n. 1.426, de 11/07/2008 – Mapa: “Resta claro, com base no aludido arcabouço normativo, que ao veterinário é que cabe decidir acerca da prescrição do tratamento de animais, bem como quanto aos recursos humanos e materiais a serem empregados. A portaria, ao vedar a utilização de produtos de uso humano ou não registrados no competente órgão federal, viola os referidos preceitos legais e, por consequência, indiretamente, a liberdade de exercício da profissão, prevista no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal (XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer), assim como o princípio da legalidade, que consta do inciso II (II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei)”.

“Considerando que se trata de medicamento requisitado por profissional capacitado legalmente para tal mister, inexiste, em primeira análise, impedimento que justifique a não importação do medicamento Milteforan, 60 mL”, concluiu o juiz federal Mário Azevedo Jambo

Vossa Excelência cita uma forma de tratamento canino que não seria necessariamente a melhor. Seguindo-se os protocolos adotados pelo LeishVet e pelo Brasileish, o mais importante é identificar o estágio da enfermidade pa ra verificar a viabilidade do tratamento, em função do comprometimento renal em casos avançados. Quanto à terapia de escolha, a pesquisa científica brasileira mostra bons resultados, que estão registrados nos anais do Worldleish 4, realizado na Índia em 2009, dentre os quais o trabalho desenvolvido em Belo Horizonte, MG, pelo dr. Vitor Márcio Ribeiro: “Immunotherapy with Leishmune® in dogs naturally infected with L. infantum” – http://goo.gl/aXYJl . Em 2013, trabalho semelhante foi apresentado no Worldleish5, mas com outra vacina, a Leish-Tec®: “Evaluation of immunotherapy assessment Leish-Tec® associated with allopurinol in dogs naturally infected by Leishmania infantum – preliminary results” – http://goo.gl/vBfy7L .

Inclusive, a pesquisa que levou ao desenvolvimento da vacina Leish-Tec, contra a leishmaniose visceral canina, recentemente conquistou o Prêmio Péter Murányi 2014 – Saúde – http://goo.gl/b2mGKH, outorga do pela Fundação Péter Murányi. CNPq, Fapesp, Capes e SBPC são algumas das instituições parceiras da fundação.

Através deste diálogo, que se torna público, volto a convidá-lo a pronunciar-se sobre as vacinas contra leishmaniose visceral e todas as outras formas de prevenção, e sobre qualquer outra informação que for pertinente compartilhar com os colegas. Além disso, seria importante compreender os critérios usados para a formação da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária (comissão interna do CFMV) –, na qual não há a pleiteada participação de clínicos.

Aproveito a oportunidade para compartilhar com os leitores a realização do evento internacional Canine vector-borne diseases (CVBD) Web Conference 2014 – http://www.cvbdwebconference.comque será realizado no dia 20 de março de 2014, gratuitamente, diretamente de Barcelona para o mundo, com tradução para 6 idiomas (inglês, francês, espanhol, italiano, russo e alemão).

Nas edições anteriores do evento, o tratamento canino foi tema preconizado, e novamente deverá estar presente. Este ano o evento conta também com o módulo de envio de casos. Além disso, a conferência permite a interação com os inscritos. Uma ótima oportunidade para o CFMV questionar os especialistas convidados perante a grande comunidade veterinária internacional e apresentar as evidências científicas que norteiam a instituição.

Assim como compartilhamos nesta edição o conteúdo do CFMV sobre a resolução que reconhece o especialista em acupuntura veterinária, também estamos abertos a compartilhar conteúdo científico que colabore para os esclarecimentos que envolvem o tema da leishmaniose visceral canina.

Espero que o CFMV esteja disposto a manter um canal ativo e participativo com toda a classe veterinária – inclusive com os clínicos veterinários de pequenos animais.

 

 

 

Esclarecimentos contra a manipulação do exercício profissional

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) foi criado e tem por missão promover o bem-estar da sociedade, disciplinando o exercício das profissões de Médico Veterinário e Zootecnista, por meio da normatização, fiscalização, orientação, valorização profissional e organização das classes diretamente ou por intermédio dos Conselhos Regionais. Sendo assim, sentese na obrigação de voltar a esclarecer os profissionais sobre as últimas decisões judiciais relativas a Leishmaniose, interpretações e implicações, as quais diretamente afetam o exercício profissional do Médico Veterinário. Interpretações, essas, que são manipuladas levando os profissionais à confusão e ao mau entendimento.

Enfatiza-se que o CFMV, por sua seriedade, não se pauta por paixões, mas busca resultados científicos para fundamentar suas decisões e orientações. Além disso, segue as normatizações federais. Portanto, a ilegalidade do tratamento da Leishmaniose não é fruto do acaso e nem decisão improvisada.

O Código de Deontologia dos Médicos Veterinários, aprovado pela Resolução 722, de 16 de agosto de 2002, no Artigo 13º, inciso quinto, diz que “é vedado ao Médico Veterinário praticar no exercício da profissão, ou em nome dela, atos que a lei defina como crime ou contravenção”.

Sabe-se que os medicamentos atualmente utilizados no tratamento da Leishmaniose não estão disponíveis no mercado brasileiro. Não são nacionalmente produzidos e não há o livre comércio. A importação dos medicamentos só pode ser realizada por autorização do Ministério da Saúde. Quem promove o tratamento em cães contra a Leishmaniose com tais substâncias está se utilizando de fármacos que ingressam no País de forma ilegal, o que caracteriza uma infração penal. Está praticando crime ou contravenção o que pode ser, minimamente, enquadrado no inciso do código de ética citado anteriormente.

Infelizmente, profissionais da Medicina Veterinária, desconhecendo tramitação processual e decisões judiciais acreditam em informações que não traduzem a realidade dos fatos contidos nas decisões perpetradas pelo poder judiciário.

Bons Médicos Veterinários praticam o exercício de sua atividade profissional com base nas informações científicas e válidas para o País. Fazem-no por respeito à sociedade a qual devem satisfação. A competência profissional está respaldada pelo binômio: experiência e embasamento em provas, fruto de pesquisas sérias e verdadeiras. A ideologia não toma o lugar do que não está provado cientificamente, ainda mais quando se trata de uma enfermidade grave que atinge a coletividade.

 

Ultimas decisões

Há o dever de também esclarecer que nunca houve decisão do Poder Judiciário que entendesse como ilegal a Portaria Interministerial 1426/08, que proíbe o tratamento da Leishmaniose em cães. A decisão judicial, manipulada nos discursos, diz que “Médico Veterinário é Médico, só que dos animais e, nestas condições, a ele é dado o direito de prescrever medicamentos da linha humana para tratamento dos animais”. O texto é objetivo, ou seja, fica esclarecido que é possível a prescrição de medicamentos da linha humana por Médicos Veterinário, desde que obedecendo a legislação pátria e não com produtos irregulares. O que vier a partir de então, são encaminhamentos “tendenciosos” de leigos. A legislação é muito clara para o que é permitido ou não de ser utilizado no Brasil.

Neste mesmo diapasão, decisão de mérito, em 10 de dezembro de 2013, proferida pela Justiça Federal de Minas Gerais (Processo N° 0033333-43.2008.4.01.3800 (Número antigo: 2008.38.00.034291-1) 3ª VARA FEDERAL Nº de registro e-CVD 00781.2013.00033800.1.00071/00128) não identifica ilegalidade formal na edição da Portaria Interministerial 1426/08 e julga improcedente o pedido de uma ação civil pública movida pela Associação Bichos Gerais, Anclivepa Brasil e Anclivepa-MG contra a União Federal. Dentre os pontos destacados pelo próprio juiz está a constatação de que não há prova convincente, definitiva, de que os remédios mencionados no corpo da inicial curam a doença nos animais. “Nem as próprias Requerentes afirmaram isso na petição inicial”. Diz ainda que, se é certo que a ciência avança sobre o tratamento da doença, não é menos certo afirmar que não se chegou ainda à terapêutica final. Por outro lado, há no processo documentos que atestam que os gestores públicos de saúde de Minas Gerais e de Belo Horizonte estão preocupados com o aumento da doença nos últimos tempos e que há uma política estatal em curso, que enfrenta a questão do abate de cães e a titularidade da decisão sobre o que fazer com os animais infectados.

 

Finalidade maior

O Médico Veterinário é sim Médico dos animais, mas sua nobre profissão vai além. Ele também é responsável pela saúde do homem e do meio ambiente. No mundo não se aceita mais uma visão limitada da profissão. Em complemento, a Constituição Federal Brasileira diz que a vida do ser humano é o maior bem a ser preservado. Aqueles que pensam de forma contrária deveriam, pelo menos, explicar suas posições sobre o que está inserido em nossa Carta Política.

São inúmeros os exemplos que comprovam que a lei se mantém proibindo o tratamento a essa terrível doença. Alertamos aos profissionais para que tenham senso crítico em ler as mais diferentes interpretações que, muitas vezes, são tendenciosas. O CFMV quer comprovações científicas válidas e ressalta a importância de todos os pontos debatidos em sua nota oficial esclarecedora sobre o tratamento da Leishmaniose. A nota, publicada em 17 de dezembro, está disponível em www.cfmv.gov.br. O texto enfatiza a legalidade da norma, os riscos que existem para a população; esclarece as orientações aos Médicos Veterinários e enumera ações preventivas para evitar a doença.

Por fim, acredita-se que a interferência de leigos em assuntos científicos da Medicina Veterinaria e da Zootecnia deve ser repudiada e esclarecida pelo Conselho. Na verdade, a ilegalidade está naqueles que buscam interferir de forma anti-ética, unilateral e manipuladora. Todas as profissões são dignas de nós, mas nós não somos dignos de todas as profissões.

 

MV Benedito Fortes de Arruda
Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária