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Estratégias e plano de ações para monitoramento da evacuação e combate ao abandono animal nos bairros acometidos pela subsidência em Maceió, Alagoas, Brasil


Strategies and action plan for monitoring evacuation and combating animal abandonment in neighborhoods affected by subsidence in Maceió, Alagoas, Brazil

Estrategias y plan de acción para el monitoreo de la evacuación y el combate al abandono de animales en barrios afectados por subsidencias en Maceió, Alagoas, Brasil

 

Clínica Veterinária, Ano XXX, n. 175, p. 74-87, 2025
DOI: 10.46958/rcv.2025.XXX.n.175.p.74-87

 

Resumo: Desde 2018, 5 bairros da cidade de Maceió, AL, sofrem com a subsidência devido à extração de sal-gema por mais de 40 anos, levando ao término das operações de mineração, isolamento de área de 276 hectares e realocação de mais de 14 mil famílias. Na realocação houve aumento significativo no abandono de animais domésticos, comprometendo a fauna silvestre e com riscos à saúde pública. O Ministério Público Estadual iniciou agenda resolutiva com a mineradora e a Universidade Federal de Alagoas, gerando um projeto para mitigar o risco ambiental, com ações na educação, saúde única e bem-estar animal. Este artigo apresenta resultados das estratégias e planos de ação entre agosto de 2020 e dezembro de 2024. A partir do diagnóstico inicial, criaram-se 4 linhas de ação: suporte aos tutores, apoio aos animais errantes, educação ambiental e intervenção de transição. 2.559 famílias tiveram acompanhamento de seus animais na realocação; 6.673 animais foram acompanhados; 4.716 animais, vacinados contra raiva; 873 cães e 1.711 gatos com tutores, esterilizados; 3.813 felinos de vida livre, esterilizados pelo método captura-esterilização-devolução; mais de 4 mil pessoas, conscientizadas. As estratégias e plano de monitoramento da evacuação e combate ao abandono animal mostraram-se eficazes e podem servir em outras situações de evacuação.

Unitermos: risco ambiental, evacuação, saúde única, quádrupla hélice de inovação

 

Abstract: Since 2018, 5 neighborhoods from Maceió, AL, Brazil, have suffered subsidence due to rock salt extraction for more than 40 years, leading to the end of mining operations, isolation of an area of 276 hectares and the consequent relocation of more than 14 thousand families. During relocation, there was a significant increase in the number of abandoned domestic animals, compromising wildlife and posing risks to public health. The State Public Ministry initiated a resolution agenda with the mining company and the Federal University of Alagoas, generating a project to mitigate environmental risk, basing actions on education, one health, and animal welfare. This paper presents results of the project’s strategies and action plans from August 2020 to December 2024. Based on initial diagnosis, 4 lines of action were created: owners support, stray animals support, environmental education and transition intervention. 2,559 families were served and their animals monitored during relocation; 6,673 animals, monitored; 4,716 animals, vaccinated against rabies; 873 dogs and 1,711 cats with owners, sterilized; 3,813 free-ranging felines, sterilized by the capture-sterilization-return method; more than 4,000 people raised awareness. The strategies and action plan for monitoring evacuation and combating animal abandonment proved to be effective and can be used to support other evacuation situations.

Keywords: environmental risk, evacuation, one health, quadruple helix of innovation

 

Resumen: Desde 2018, 5 barrios de la ciudad de Maceió, AL, Brasil, sufren hundimientos debido a extracción de sal de roca por más de 40 años, que provocó el fin de operaciones mineras, aislamiento de 276 hectáreas y consecuente reubicación de más de 14 mil familias. En la reubicación hubo aumento significativo de animales domésticos abandonados, comprometiendo la vida silvestre y riesgos para la salud pública. El Ministerio Público del Estado inició una agenda de resolución con la empresa minera y la Universidad Federal de Alagoas, generando un proyecto de mitigación del riesgo ambiental, basando acciones en educación, Una Salud y el bienestar animal. Este trabajo presenta resultados de estrategias y planes de acción entre agosto de 2020 y diciembre de 2024. A partir del diagnóstico inicial, se crearon 4 líneas de acción: apoyo a los propietarios, apoyo a los animales callejeros, educación ambiental e intervención de transición. 2.559 familias fueron atendidas y sus animales monitoreados durante la reubicación; 6.673 animales, monitoreados; 4.716 animales, vacunados contra la rabia; 873 perros y 1.711 gatos con dueños, esterilizados; 3.813 felinos en libertad, esterilizados por el método de captura-esterilización-devolución; más de 4.000 personas, sensibilizadas. Las estrategias y el plan de acción para la evacuación y el combate al abandono de animales demostraron ser eficaces y pueden utilizarse para apoyar otras situaciones de evacuación.

Palabras clave: riesgo ambiental, evacuación, una salud, cuádruple hélice de innovación

 

Introdução

No início de 2018, moradores de cinco bairros da cidade de Maceió (Bebedouro, Bom Parto, Farol, Mutange e Pinheiro), capital do Estado de Alagoas na região Nordeste do Brasil, constataram o aparecimento de rachaduras em edifícios e a formação de depressões no solo, instalando-se uma situação de alerta maior com a ocorrência de um terremoto de magnitude 2,4 em 3 de março do mesmo ano 1. Esse processo movimentou o sal subterrâneo, causando o recalque do terreno, além de fissuras no solo e em edificações na região 2,3.

Mais de 46 mil edificações foram designadas como estando dentro de zonas de risco, levando ao término das operações de mineração, isolamento de área de 276 hectares e consequente realocação de mais de 14 mil famílias para áreas com segurança. Após investigações, constatou-se que as minas de sal-gema operadas há mais de 40 anos provocaram a desestabilização das cavidades subterrâneas 4.

No contexto ambiental, fenômenos como a subsidência causam graves impactos à fauna e flora locais. A formação de crateras, o afundamento do solo e a contaminação de áreas naturais comprometem os ecossistemas, levando à perda de habitats e à desestabilização da biodiversidade 5,6. Além disso, a realocação de famílias provoca um aumento significativo no abandono de animais domésticos, comprometendo a fauna silvestre. O desequilíbrio dos ecossistemas pode contribuir para a extinção de espécies nativas e favorecer a disseminação de zoonoses, tornando-se um problema tanto ambiental quanto de saúde pública 7,8,9.

Diante desse cenário, a educação ambiental voltada para a guarda responsável, juntamente com ações visando controle populacional e medicina veterinária preventiva emergem como cabedal estratégico fundamental para mitigar os impactos do abandono animal, problemática recorrente na América Latina, com consequências graves para a saúde única e a economia. Esses animais errantes, embora em alguns casos consigam sobreviver, estão frequentemente expostos a condições adversas, representando ameaça para a fauna silvestre e a saúde humana, além de ter suas saúdes física e mental ameaçadas 10,11.

Segundo dados fornecidos pela empresa mineradora e Defesa Civil do Estado de Alagoas em 2020, durante a realocação das famílias no bairro do Mutange, o primeiro a ser interditado e demolido, havia cerca de 567 animais cadastrados, porém somente 245 foram realocados. Isso significa que 56,8% dos animais foram abandonados ou fugiram no processo de desocupação ambiental 12 (Figura 1).

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Figura 1 – Bairros de Maceió, AL, acometidos por subsidência consequente à extração de Sal-gema. A) casas do bairro Mutange tamponadas e evacuadas. B e C) gatos errantes na área do bairro Mutange, respectivamente. Créditos: PIA-Ufal / Helena Teodósio

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Em outubro de 2020, o Ministério Público Estadual de Alagoas (Mpe-AL) iniciou uma agenda resolutiva com a mineradora e stakeholders (“partes interessadas”) para enfrentar o abandono e o controle populacional de animais nos bairros afetados pela subsidência em Maceió. Surgiu assim o Projeto Integra Animal, uma parceria entre a mineradora e a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), monitorada pelo Mpe-AL. O projeto visa acolher animais, promover educação ambiental sobre abandono e guarda responsável, além de implementar métodos de captura e esterilização de animais errantes nos bairros impactados. Suas ações baseiam-se na tríade educação, saúde única e bem-estar animal.

Este artigo objetiva avaliar as estratégias e planos de ação em relação aos animais atendidos pelo Projeto Integra Animal, em face à subsidência dos bairros em Maceió, trazendo de forma ampla o escopo e ações já efetuadas, adaptadas para a realidade do Plano Nacional de Contingência de Desastres em Massa Envolvendo Animais do Conselho Federal de Medicina Veterinária 13, e de diversos autores 14,15,16.

 

Material e métodos

Esta pesquisa-ação, denominada Projeto Integra Animal – Programa de Acolhimento aos Animais (PIA-Ufal), é executada pelo Grupo de Pesquisa e Extensão em Equídeos e Saúde integrativa da Universidade Federal de Alagoas (Grupequi-Ufal), aprovada pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal de Alagoas (CEUA/Ufal) nº 33/2020 e registrada na Pró- reitoria de Extensão e Cultura da Ufal (PROEXC-Ufal) sob identificações PJ 174-2020, 175-2021, 354-2022 e 479-2023.

É relevante ressaltar ainda que o PIA-Ufal foi desencadeado por denúncias da sociedade civil ao Ministério Público Estadual de Alagoas (Mpe-AL) acerca do abandono animal e problemas sanitários com felinos de vida livre nos bairros afetados pela subsidência em Maceió.  Essa ação resultou no Processo SAJ/MP 06.2020.000000252-8, denominado Agenda Resolutiva – Animais Braskem, que acompanha e audita as ações do projeto a cada três meses.

O artigo traz as estratégias e ações executadas, buscando criar um escopo estrutural e utilizando dados obtidos por meio das ações do Pia-Ufal, executado entre o período de outubro de 2020 a dezembro de 2024 nos bairros Bebedouro, Farol, Bom Parto, Mutange e Pinheiro, na cidade de Maceió. O projeto acompanhou todas as famílias tutoras de animais, durante os processos de realocação das áreas afetadas pela subsidência. As famílias foram acompanhadas até o ressarcimento financeiro e realocação permanente, fazendo com que, em vários casos, a mesma família tenha mudado de residência até três vezes, incluindo bairros e cidades circunvizinhas.

As informações obtidas contêm dados referentes ao número de residências monitoradas durante a realocação, número e espécie de animais tutelados, tipos de transporte utilizados durante a realocação dos animais, número de fugas, ações de prevenção como vacinação contra raiva, animais hospedados, número de esterilização de animais com tutores, e resultados da captura, esterilização e devolução dos felinos de vida livre, até as demolições ocorrerem e o resgate definitivo ser realizado. O acompanhamento consistia no monitoramento de todas as realocações de tutores com seus animais.

O diagnóstico inicial foi feito a partir da primeira audiência pública no Mpe-AL em agosto de 2020, sendo que as principais denúncias da sociedade civil traziam o alto número de felinos de vida livre, que continham animais errantes e com tutores (maioria dos quais já haviam sido realocados), sem qualquer controle populacional ou assistência. Esse relato fez com que a equipe do PIA-Ufal fizesse um censo na empresa de assistência social e defesa civil sobre o índice de animais que não acompanharam os tutores na realocação no primeiro bairro a ser evacuado (Mutange) e de imediato um levantamento estatístico em cada domicílio de quantos animais havia, com necessidade de monitoramento durante a realocação. Além disso, eram necessárias, de maneira emergente, ações de educação ambiental e controle populacional dos animais de vida livre. A partir das demandas foram criadas as linhas de ação do projeto, com escopo geral e resultados globais descritos nos resultados e discussões.

 

Resultados e discussões

As ações foram pautadas, após o diagnóstico inicial, em quatro linhas: suporte aos tutores, apoio aos animais errantes, educação comunitária ou ambiental e intervenção de transição (momento que bairros estão desabitados e se iniciam as demolições) (Figura 2).

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Figura 2 – Linhas de ações do Projeto Integra Animal – Programa de Acolhimento aos Animais (PIA-Ufal): Suporte aos tutores, apoio aos animais errantes, educação comunitária ou ambiental e intervenção de transição. Na figura constam os QRcodes do Grupo de Pesquisa e Extensão em Equídeos e Saúde Integrativa Ufal (esquerda) e do PIA-Ufal (direita)

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Suporte aos tutores

A linha de ação suporte aos tutores contava com o seguinte protocolo padrão: 

• Visitas 48 a 72 horas antes da realocação, que continham as seguintes ações (Figura 3):

– Conscientização de tutores, abordando as necessidades físicas e emocionais dos animais, a importância de práticas adequadas de alimentação, abrigo e cuidados veterinários, bem como a relevância do controle populacional para reduzir o abandono. Também eram discutidos os impactos ambientais causados por animais domésticos semidomiciliados e de vida livre, seus efeitos negativos sobre a fauna e a flora, e os riscos de doenças transmitidas de animais para seres humanos, incentivando a vacinação e o controle de parasitas;

– Informações de como proceder com cães e felinos na hora da realocação, evitando fugas e desgastes. Também era coletada a informação se precisariam de caixa de transporte e se o animal iria com o tutor no carro próprio ou nas transportadoras associadas do PIA-Ufal;

– Informação se o animal precisaria de hospedagem temporária no Pia-UFAL, que seria disponível até 90 dias após sua compensação financeira final. Em caso positivo, animais eram submetidos a hemograma completo, exames bioquímicos séricos (ALT, AST, ureia, creatinina, fosfatase alcalina, glicose, colesterol, triglicerídeos), exames RIFI e Elisa para leishmaniose, dirofilariose, doença de Lyme, ehrlichia, anaplasma em cães, exames para FIV e FELV em felinos;

– Consulta sobre interesse na esterilização dos animais, com cobertura total da medicação pós-cirúrgica pelo PIA-Ufal. Animais eram submetidos a exames clínicos e hematológicos pré-, retirados no momento da realocação e devolvidos em 24 horas para tutores na nova moradia.

– Vacinação antirrábica de cães e gatos com vacinação atrasada ou não comprovada, visto que não eram mais autorizadas campanhas nas áreas pelo riso de desabamento com aglomerações;

– Desverminação com anti-helmínticos a base de pamoato de pirantel e praziquantel;

– Uso de ectoparasiticidas à base de fipronil;

– Exame clínico geral, se apresentasse comorbidade ou enfermidade, era requisitada à mineradora a autorização de intervenção, denominada de complexidade, divididas em quatro níveis (baixa, média, alta e crítica);

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Figura 3 – Visitas da equipe PIA-Ufal de 48 horas a 72 horas antes da realocação, com conscientização, vacinação de raiva e ações contidas na linha de suporte aos tutores. Créditos: PIA-Ufal / Monica Melo

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• Acompanhamento da realocação dos animais ou encaminhamento para hospedagem no PIA-Ufal no momento da saída, com avaliação de caixas de transporte, taxas de fugas e outros;

• Cessão de hospedagem temporária aos animais e/ou termo de adoção, com separação de animais positivos para enfermidades e hígidos. Em fevereiro de 2021 se fez necessário criar um programa de adoção denominado Focinho Responsável, que realiza avaliação etológica do animal e o classifica para adoção, com uma ficha de avaliação do adotante e avaliação da moradia.

Foram monitoradas e realocadas 2.559 famílias, com acompanhamento de 534 residências em 2020, 1.320 em 2021, 435 em 2022, 236 em 2023 e 34 em 2024. A variação no número de residências monitoradas ao longo dos anos está relacionada à diferença no período considerado: 3 meses em 2020 e 12 meses nos anos subsequentes. Observa-se uma redução significativa na taxa de realocação em 2024 em comparação com os anos anteriores, refletindo a efetividade das ações para desocupação das áreas afetadas. O bairro com maior número de realocações foi Bebedouro (1129/44,1%), seguido de Pinheiro (599/23,4%), Farol (389/15,2%), Bom Parto (270/14,9%) e Mutange (61/2,4%).

No período analisado, com tutores, foram atendidos e realocados um total de 6.673 animais, resultando numa média de 2,6 animais por residência, sendo 20% (1340) entre outubro e dezembro de 2020, 48% (3243) de janeiro a dezembro de 2021, 16% (1071) em 2022, 14% (909) em 2023 e 2% (110) em 2024. Ao aplicar o coeficiente de correlação, foi observada uma correlação negativa de -0,75 entre os anos, indicando uma tendência de redução no número de animais atendidos e realocados ao longo do tempo, diretamente relacionado com a efetividade da evacuação ambiental.

Dos animais cadastrados e atendidos pelo programa Integra Animal, 2.254 eram cães, 2.531 gatos e 1.188 pertenciam a outras espécies, incluindo equinos, suínos, aves, quelônios, peixes, roedores e coelhos. Observa-se uma forte correlação positiva entre o número de cães e gatos atendidos, indicando que os atendimentos dessas duas espécies tendem a variar de forma conjunta ao longo do tempo. Por outro lado, a correlação entre gatos e outros animais, bem como entre cães e outros animais, embora positiva, é menos intensa. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de cães e gatos serem animais de companhia, estando mais integrados à rotina humana.

Segundo dados da Defesa Civil, antes da implantação do projeto, dos 567 animais cadastrados somente 245 foram realocados (43,2%), representando o período de março de 2018 a setembro de 2020. Após implantação das ações de suporte aos tutores, no período de outubro de 2020 a dezembro de 2024, houve um aumento de 91,5% no número de animais cadastrados e 90,4% no número de mudanças acompanhadas. No primeiro mês de ação do PIA-Ufal as fugas já baixaram de 43,2% para 6,6% 17.

Apenas 159/6.673 (2,4%) dos animais com tutores tiveram hospedagens temporárias solicitadas. Tais achados corroboram a literatura 15, mostrando que um plano de evacuação que inclua animais de estimação pode contribuir para a segurança da comunidade e conformidade, ação que não ocorreu no início das atividades de realocação, antes do PIA-Ufal. Em um estudo de 2007 com idosos, principalmente adultos de baixa renda na Geórgia, Estados Unidos, 16,2% dos participantes disseram que não evacuariam sem seus animais de estimação e 8,1% ficariam em casa com seus animais de estimação durante uma evacuação 15.

No entanto, desses 159 apenas 9 (5,7%) retornaram aos seus responsáveis (3 cães e 6 gatos), indicando que os 150 restantes tiveram sua guarda transferida ou foram abandonados no abrigo. Tutores com vínculo mais fraco com seus animais têm maior propensão ao abandono, especialmente quando os animais não fazem parte da rotina e não exigem cuidados especiais 18. Em tais situações, desastres podem acelerar esse processo.

Ao analisar os dados individualmente por espécie, verificou-se que os felinos apresentaram maior número de registros em todos os períodos avaliados: 37% em 2020, 39,6% em 2021, 37,3% em 2022, 32,8% em 2023 e 47,3% em 2024 (Figura 4). Existe um entendimento, disseminado entre tutores e baseado no senso comum, de que gatos são animais independentes e não necessitam de tanta atenção quando comparados aos cães, o que pode ter contribuído para esses números, além de uma maior tendência de fugas dos gatos durante o processo de realocação.

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Figura 4 – Número de animais de acordo com a espécie (cães, gatos e outros) atendidos durante as realocações nos bairros acometidos pela subsidência em Maceió, AL, no período de outubro de 2020 a dezembro de 2024

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Para a realocação dos animais atendidos foram avaliados os tipos de transporte possíveis, sendo 4.192 (78,7%) remoções realizadas pela transportadora ofertada pela empresa mineradora responsável e 1.136 (21,3%) realizadas de forma particular, sendo responsabilidade dos tutores. 

Os felinos foram a espécie predominante nas fugas, devido à alta sensibilidade às mudanças de ambiente, que elevam os níveis de estresse e levam os animais a buscarem locais seguros e confortáveis 19.

Com o suporte aos tutores e as ações de educação comunitária ou ambiental, as taxas de fuga mostraram uma redução significativa ao longo dos anos, com quedas acentuadas entre 2020 (87/1340 – 6,5%) e 2021 (61/3243 – 1,9%), e entre 2022 (44/1071 – 4,12%) e 2023 (8/909 – 0,9%). No entanto, em 2024, registrou-se um leve aumento (6/110 – 5,45%), atribuído à falta de confinamento prévio dos animais por parte de alguns tutores, facilitando as fugas. Contudo, a correlação de -0,98 aponta uma forte tendência de redução das fugas ao longo do tempo.

Após fugas, a equipe realizava procedimentos nos locais para recuperação e reintrodução dos animais às suas famílias. Em relação a taxa de recuperação, esse índice foi de 100% para cães e 20,6% para felinos (42/204). Analisando os índices por período, foram respectivamente de 32,6% (28/86) em 2020, 8,2% (5/61) em 2021, 11,6% (5/43) em 2022, 12,5% (1/8) em 2023 e 16,67% (1/6) em 2024. A correlação positiva de 0,85 sugere que as recuperações acompanham a variação no número de fugas.

No que diz respeito ao controle sanitário, 4.716 (67%) dos animais foram vacinados com vacina antirrábica e vermifugados; somente 2.302 (33%) possuíam carteira de vacinação e protocolo de imunização atualizado, mostrando a baixa taxa de cuidados sanitários. Os dados corroboram os citados pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) 20. A OIE constatou que muitos países em desenvolvimento enfrentam sérias restrições econômicas que limitam o acesso a serviços veterinários essenciais. Destaca ainda que continentes como África e Ásia carecem de políticas públicas eficazes para implementar programas de medicina preventiva. Essa lacuna resulta em baixos níveis de cuidado e conscientização, especialmente entre as populações mais vulneráveis, o que foi constatado na população atendida nessa pesquisa 21,22.

Na América Latina aproximadamente 60% da população canina é vacinada. Em contraste, a cobertura vacinal na Ásia e na África é significativamente menor, atingindo apenas 16% e 14% da população canina 23. Os dados da pesquisa realizada contrapõem os índices para América Latina, visto que apenas 33% dos animais tinham protocolo vacinal atualizado.

Durante o período, foram implementadas medidas para controle populacional de animais em realocação, sendo que 873 cães (282 fêmeas e 591 machos) e 1.711 gatos (828 fêmeas e 883 machos) foram esterilizados, representando respectivamente 38,7% e 67% das populações totais de caninos e felinos. O controle populacional, portanto, desempenha um papel crucial na redução do número de animais errantes, minimizando impactos negativos na fauna local, promovendo o bem-estar animal, reduzindo a transmissão de zoonoses e combatendo o abandono 24,25. No entanto, a pesquisa revelou de modo relevante a resistência dos tutores para esterilização de seus cães, que foi de 61,3% (1381/2.254), enquanto que nos gatos foi de 33% (820/2.531).

 

Apoio aos animais errantes

Essa linha de ação tem como principal atividade a captura, esterilização e devolução (CED) de felinos, bem como atividades clínicas e cirúrgicas em animais encontrados enfermos na área.

 

CED

O método de captura dependia do comportamento dos felinos, sendo os felinos dóceis capturados em caixas de transporte e com oferta de alimentação. Já os animais ferais foram capturados com gaiolas de contenção próprias para a captura de gatos, com dimensões de comprimento de 68 cm, largura de 33 cm e altura e 37 cm, que foram colocadas durante a noite e recolhidas de manhã.

O número de animais capturados era variável, não excedendo 10 animais por ponto de localização de cada colônia, por dia. Após a captura, os animais eram encaminhados ao centro cirúrgico do PIA-Ufal, onde eram submetidos a protocolo anestésico e controle de dor trans e pós-cirúrgica, com administração de cetamina (20 mg/kg) associada a midazolam (0,5 mg/kg) e meperidina (4 mg/kg), por via intramuscular; para a manutenção da volemia foram administradas 10 mL/kg/hora de soro NaCl 0,9% durante o procedimento cirúrgico.

Os machos eram submetidos a orquiectomia por acesso escrotal pela rafe mediana, e as fêmeas, a ovariohisterectomia por acesso por celiotomia ventral ou pela fossa paralombar, sendo a segunda técnica utilizada em fêmeas ferais. Para indicar que os felinos estavam castrados, ao final do procedimento era realizado o corte diagonal de orelha.

Após a intervenção, os gatos foram imunizados com vacina antirrábica, contra ectoparasitas foi empregado fipronil e realizada a aplicação intramuscular de doramectina e, quando necessário, realizados tratamentos de quaisquer enfermidades coexistentes. Os cuidados pós-operatórios foram de 24 horas para os ferais sem doença coexistente; aos animais domiciliados, semidomiciliados ou ferais com problemas de saúde foram designados cuidados integrais de 8 a 30 dias, de acordo com a necessidade do animal. A terapêutica pós-cirúrgica instituída foi à base de cetoprofeno (2 mg/kg), de 1 a 3 dias, e penicilina benzatina na dose de 40.000 UI/kg, sendo em dose única nos animais ferais, e, para os demais, realizada a administração da medicação com intervalo de 48 horas.

Durante o período foram realizados 3.813 procedimentos cirúrgicos de esterilização em felinos no PIA-Ufal que foram capturados nos bairros acometidos pela subsidência, 1.647 (43,19%) animais foram castrados no ano de 2021 (726 machos e 922 fêmeas), 1.641 (43,04%) em 2022 (644 machos e 997 fêmeas) e 525 (13,77%) no ano de 2023 (240 machos e 285 fêmeas). A média de idade obtida por estimativa dentária foi de 17±10,2 meses. A taxa de mortalidade foi de 0,26%, com apenas 13 animais evoluindo a óbito.

Duas foram as principais dificuldades durante a execução do CED. A primeira diz respeito à resistência no corte da ponta de orelha em felinos (Figura 5) para identificação de colônia por protetores, que gerou uma demanda a partir do PIA-Ufal para solicitação de autorização da marcação (corte reto) da orelha esquerda junto ao CFMV, gerando a resolução nº 1595 de 22 de março de 2024, que altera o parágrafo único da resolução 877 de 15 de fevereiro de 2008, incluindo o segundo parágrafo, assim ficando: “A proibição prevista no parágrafo 1º deste artigo não se estende aos procedimentos de marcação (corte reto) na ponta da orelha (esquerda) de felinos domésticos sob anestesia e analgesia para fins de identificação enquanto esterilizados em programas de captura, esterilização e devolução (CED) e nas demais ações de controle e manejo reprodutivo/populacional.

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Figura 5 – Marcação (corte reto) da orelha esquerda em gata durante a anestesia, submetida à ovariectomia pela fossa paralombar com técnica minimamente invasiva e uso do gancho. Marcação autorizada pela Resolução CFMV nº 1595/2024. Créditos: PIA-Ufal / Ana Paula Felix

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A segunda dificuldade foi a execução da interrupção de gestação de fêmeas errantes, muitas vezes questionada por profissionais e alunos de medicina veterinária, devido a um arcabouço cultural e/ou religioso. Daí mais uma vez foi enviado um ofício de consulta ao CFMV, e sua presidente, dra. Ana Elisa Fernandes de Souza Almeida esclareceu no ofício 891/2024-PR/DE/CFMV/SISTEMA: “Destacamos que o tema foi considerado com a devida seriedade, e após a análise criteriosa junto à gerência técnica do Setor de Comissões Técnicas e Grupo Técnico de Manejo Populacional do CFMV, o entendimento é que a proposta de construção de resolução não se mostra adequada no contexto atual, tendo em vista que o médico-veterinário tem autonomia para decisões técnicas nos contextos clínicos e cirúrgicos”. Essa resposta deixa o profissional que faz a esterilização com menor pressão e risco de denúncias, visto que controlar esse final de gestação na rua seria mais perigoso para o animal do que a interrupção da gestação.

O fato de animais esterilizados serem procedentes de bairros que sofreram evacuações e demolições a partir de dezembro de 2023 não permitiu a realização da fase final do método CED, fazendo com que população restante tivesse que ser capturada e mantida no PIA-Ufal. No entanto, na comparação do número de felinos em colônias nos bairros entre outubro de 2021 e outubro de 2023, os números baixaram de 1.209 para 385 animais, uma queda de 68,2%, alta em relação a outros trabalhos.

Esse resultado só ocorreu devido às estratégias interligadas das linhas de ação, como a possibilidade de reverter o CED para CEA (captura, esterilização e adoção), que tirou 365/1.209 (30,2%) animais, a partir do resgate seletivo, reabilitação, ressocialização e reintrodução à sociedade. Animais que visivelmente eram mansos e tiveram tutores passavam por esse processo por 60 dias, eram divulgados no canal de adoção Focinho responsável e na maioria das vezes eram adotados. Houve ainda protetores independentes que ficaram com 109/1.209 (9%) felinos das colônias que ajudavam a cuidar e 187/1.209 (15,5%) foram hospedados por problemas de saúde, ficando sob cuidados do PIA-Ufal. O número de animais mortos em dois anos foi de 163/1.209 (13,5%).

Com isso, esses animais foram encaminhados para as instalações do PIA-Ufal, sendo separados por colônia; atualmente a população hospedada é de 616 animais, sendo 507 (82,3%) gatos e 109 (17,7%) cães. Integrando as linhas de suporte aos tutores, apoio aos errantes e educação comunitária, o canal de adoção Focinho Responsável conseguiu realizar 892 adoções, com taxa de devolução total de 32 animais (3,6%).

 

Ocorrências clínico-cirúrgicas totais

A prevalência de afecções em cães e gatos acolhidos pelo PIA-Ufal no período analisou a origem da doença, o sistema acometido e o tipo de afecção. Foram registradas 6.134 complexidades, das quais 89,1% envolveram animais errantes. 

As doenças infecciosas foram predominantes em ambas as espécies, correspondendo a 43,9% dos casos nos gatos e 34,3% nos cães, com destaque para o vírus da imunodeficiência felina (FIV) e o complexo respiratório felino em felinos errantes e para a erliquiose e parasitoses, em cães. A análise etária revelou que os adultos errantes foram os mais acometidos por doenças, enquanto cães idosos tutelados apresentaram maior prevalência de neoplasias (29,3%) e inflamações (24,1%).

Além disso, as afecções dermatológicas, principalmente infestações por ectoparasitas e infecções cutâneas, foram comuns em ambas as espécies, reforçando o impacto ambiental na saúde dos animais. Os resultados evidenciam a necessidade de estratégias de controle sanitário, vacinação e programas de guarda responsável, além da inclusão de protocolos específicos para o manejo de animais em situações de desastres ambientais, a fim de minimizar os impactos sobre a saúde única.

 

Educação comunitária ou ambiental

Nessa linha da ação buscou-se trabalhar em quatro frentes: educação aos tutores, educação ambiental em escolas na área, educação à equipe técnica interna e educação aos colaboradores no processo de realocação.

 

Educação aos tutores

Esta linha de ação já iniciava suas atividades nas visitas pré-realocação ao tutores (item 1.1.), momento de conscientização em relação à saúde animal, controle populacional, vacinação, zoonoses, guarda responsável e que abandono animal caracteriza crime previsto na lei nº 14.064, de 29 de setembro de 2020, que alterou a lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato, com penas de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos, multa e proibição da guarda. As 2.559 famílias visitadas foram conscientizadas, auxiliando na diminuição de fugas e abandono de animais, principalmente de felinos, na área.

 

Educação ambiental em escolas na área

No bairro do Farol, em área circunvizinha a acometida pela subsidência, existe o Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (Cepa), uma área com 11 escolas de ensino médio integral, que atende 7.827 alunos, com quase 60 anos de tradição de um dos maiores complexos educacionais da América Latina 26.

Aproveitar esses alunos como agentes multiplicadores de dados sobre saúde única e bem-estar animal foi medida inovadora estratégica para mitigar abandonos na área e criar uma cultura protecionista local. Assim, a partir do PIA-Ufal houve desdobramentos em dois projetos de extensão.

O primeiro, intitulado Ifanimal, foi realizado com alunos do ensino médio profissionalizante, no Instituto Federal de Alagoas, que tinha problemas com felinos na comunidade do campus. Os animais foram submetidos a CED, vacinação de tríplice e contra raiva, desverminação, e receberam todo apoio clínico, com 59 animais atendidos, criação de espaço para os gatos nas dependências e instauração dos felinos comunitários. 

O projeto transformou-se em institucional e estudantes bolsistas tornaram-se apoiadores na conscientização dos alunos no Cepa. Nas instalações do IFAL, em conjunto com PIA-Ufal e a Superintendência Estadual de Proteção e Defesa Animal, foram realizados o I e II Seminário Estadual de Bem-estar Animal, respectivamente em 4 de outubro de 2023 e 5 de novembro de 2024, com mais de 238 participantes nas duas edições.

O segundo, intitulado Meu pet, que é de responsabilidade do primeiro autor deste trabalho, educa, gera conhecimento e promove ações educativas, e ocorreu de 2 de outubro de 2023 a 31 de maio de 2024. A ideia principal foi desenvolver uma disciplina piloto de saúde única e bem-estar animal para ensino médio de tempo integral no estado de Alagoas, com sede na Escola Princesa Isabel no Cepa, sob identificação PJ 417-2023 na PROEXC-Ufal.

O evento inaugural aconteceu na Noite do Malassombro no Museu de História Natural da UFAL (https://globoplay.globo.com/v/12077658/). A primeira aula foi realizada no mês de outubro de 2023, nas modalidades presenciais e online. Na modalidade presencial, os alunos e professores da escola divulgaram o projeto nas proximidades e na própria da escola, para estudantes, professores e trabalhadores da região, por meio de conversas, palestras e entrega de panfletos explicativos. Já a modalidade online, foi divulgada por meio de informes explicativos nos Instagrams da escola, do Grupequi e do Projeto Focinho Responsável, nos formatos de reels, feed e stories.

Durante os meses de setembro a dezembro, de 2023, foram ministradas aulas para os estudantes sobre maus-tratos, bem-estar animal, legislação animal, entre outros temas). Os temas trabalhados foram: maus-tratos aos animais domésticos; proteção jurídica e legislativa dos animais domésticos; bem-estar animal; destino dos animais; dados ambientais causados pelos animais errantes; animais sencientes; e aula de fixação, com plantão de dúvidas. As aulas ocorreram quinzenalmente. 

Dos 30 alunos que participaram da disciplina, 17 alunos eram tutores de pets, contudo, apenas 3 desses tinham algum entendimento sobre maus-tratos e cuidados com sanidade e nutrição animal. Durantes as aulas, os alunos obtiveram consciência da responsabilidade que eles têm para com os animais e ficaram aptos a avaliar situações que possam configurar atos de maus-tratos, sendo agentes multiplicadores para os familiares, amigos e vizinhos.

Além das atividades didáticas, os alunos foram duas vezes à visita técnica no Curso de Medicina Veterinária da Ufal na cidade de Viçosa, conheceram a sede de hospedagem do PIA-Ufal e participaram de dia de campo. O final do projeto contou com uma semana movimentada: um dia de mutirão de atendimentos clínicos e preventivos em 82 cães e gatos; concurso e desfile de cães com participação de 23 animais; ativação de um programa de rádio na escola sobre as aulas – ouvido nos intervalos para 410 alunos; e a premiação do concurso de equipes “Quem adota mais?”, que ajudou a divulgar o canal de adoção Focinho Responsável, gerando 21 adoções de forma direta e responsável.

 

Educação à equipe técnica interna

A padronização de terminologias e planejamento de ações são importantes para o sucesso das atividades em casos de desastres e acidentes geológicos, assim foram realizadas várias rodas de conversa sobre temáticas diversas, porém quatro treinamentos foram dados de forma regular para o time do PIA-Ufal:

• Pelagens de felinos: 56 colaboradores (entre tratadores, estudantes e médicos-veterinários) foram inseridos em 4 cursos de 4 horas de duração, sabendo descrever de forma padronizada a pelagem dos gatos nas respectivas colônias e no processo da CED;

• Esterilização minimamente invasiva: seis médicos-veterinários e 10 alunos em final do curso fizeram dois cursos de 24 horas para melhoramento de habilidade e diminuição do tempo cirúrgico. A partir dessa experiência e da de CED. do PIA-Ufal, a equipe participou da temática no Programa Nacional de Controle Populacional Ético de Cães e Gatos, junto ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, fazendo com que a Ufal centralizasse, juntamente com UFPR e UNB, as capacitações em esterilizações minimamente invasivas para médicos-veterinários do Brasil. Na primeira edição contou com 207 participantes aprovados na parte teórica encaminhados para as práticas presencias nas universidades sede;

• Capacitação teórico-prática em manejo etológico de abrigos com a participação da dra. Ana Lucia Baldan, que ministrou um curso de 40 horas para 12 colaboradores, que cuidam dos animais nos canis do Pia-Ufal. Esse curso gerou dois cursos para comunidade da cidade de Viçosa e bolsas de estudo. 

 

Educação aos colaboradores no processo de realocação

Foram oferecidos treinamentos sobre bem-estar animal e crime ambiental quadrimestrais para colaboradores, entre eles membros das transportadoras, das empresas de demolição, assistentes sociais, da Defesa Civil e da equipe de segurança, um em 2020 e três por ano de 2021 a 2024, conscientizando os colaboradores que trabalhavam no processo de realocação acerca da necessidade de apoio no monitoramento das realocações para evitar fugas e nos que trabalhavam na segurança e canteiros de obras, sobre a atenção e colaboração no caso de abandonos. Foram conscientizadas 583 pessoas durante todo o período, sendo 42 pessoas em 2020, 157 em 2021, 145 em 2022, 121 em 2023 e 118 em 2024, dando média de aproximadamente 45 pessoas por ciclo.

As instalações dos abrigos do PIA-Ufal ficam na unidade Educacional Viçosa, na zona da mata alagoana. Buscando capacitar mão de obra para o trabalho em abrigos, foram oferecidos dois cursos de manejo ambiental e etológico de animais em situação de abrigo, com 10 vagas; e os três melhores avaliados ganharam bolsa de R$ 1.500,00 por três meses, gerando renda e postos de trabalho qualificados.

O trabalho de educação comunitária ou ambiental é imprescindível em casos de desastres. No entanto, em casos de evacuação ambiental com tempo definido em possibilidade de desastre, como no caso da subsidência em Maceió, maximizar ações de educação em diferentes graus deve ser prioridade e torna as ações muitos mais eficazes. Mais de 4 mil pessoas foram impactadas e conscientizadas em casos de possibilidade de desastre e cuidados com animais.

 

Intervenção de transição

Após a evacuação dos domicílios nos bairros, em dezembro de 2024, dos 14.612 imóveis com necessidade de realocação, apenas 27 ou 0,18% ainda estavam habitados (Figura 6). Naquele momento, toda área ficou tamponada e as demolições se iniciaram, com previsão de término em 24 meses. Além da maximização do canal de adoção, da continuidade das linhas de educação ambiental e do apoio aos animais errantes, criaram-se novas prioridades de atividades e a necessidade da transição para um novo modelo de negócio.

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Figura 6 – Representação da área acometida pela subsidência em relação a desocupação em dezembro de 2024. Fonte: Audiência MPE-AL em 21 de fevereiro de 2025, a partir de dados da Defesa Civil

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O aumento abrupto do abandono de animais nos bairros, conforme ficavam desabitados, foi foco de ações contínuas de rondas diurnas e noturnas com segurança privada, além da ação da polícia civil no apoio às ocorrências, visto que a área é monitorada por câmeras. Em 2022, observou-se um aumento no número de abandonos, seguido por uma redução significativa nos anos subsequentes (Figura 7). A análise revelou uma relação negativa (-0,23), indicando uma leve tendência de queda nos casos de abandono ao longo do tempo. Esses resultados sugerem que as medidas implementadas pelo projeto, aliadas à conscientização da população, têm contribuído para a diminuição do abandono de animais e a promoção de práticas mais responsáveis. Além disso, todas as demolições são acompanhadas, evitando risco para possíveis animais na área.

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Figura 7 – Número de abandono de animais nos bairros acometidos pela subsidência em Maceió, AL, no período de outubro de 2020 a dezembro de 2024. Projeto Integra Animal (2024)

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Antes de abordar cada linha de ação é necessário exteriorizar a dificuldade, em casos de desastres ou situações de evacuação pré-desastres ambientais, de agregar os stakeholders para uma missão de objetivo comum pautado na saúde única. As primeiras audiências públicas foram de mais de 6 horas com embates difíceis e desrespeitosos, nas quais os protetores (alguns acumuladores) defendiam a retirada total de animais da área e a empresa defendia a manutenção, com controle populacional e alimentação, além da discussão de construção de abrigo e proibição de eutanásia. Essas questões causaram preocupação aos gestores do PIA-Ufal, devido aos altos índices de abandono de animais em situação crítica.

Essa dicotomia ocorre porque a medicina veterinária de desastres não é uma especialidade médica stricto sensu, mas é considerada um ramo específico que lida com emergências extremas, que necessitam de rápida triagem e intervenção 16. No caso da subsidência nos bairros em Maceió, o tempo de evacuação foi maior que quatro anos, gerando ainda mais resistências na sociedade.

Por isso, um plano de evacuação considerando os animais é fundamental para a segurança e a saúde única da comunidade em realocação. A influência dos animais de estimação na tomada de decisões e no processo de evacuação não pode ser subestimada, e ocorreu no início do processo nos bairros, causando abandono de mais de 40% dos animais, por falta de plano de apoio aos tutores. Além disso, aproximadamente 15% dos moradores deixaram alguns animais em casa, seja por terem sido abandonados deliberadamente ou porque escaparam durante a mudança, o que, de forma preocupante, deixou algumas famílias evacuadas apenas parcialmente, para deixar alguém para cuidar dos animais 14. As linhas de ação demonstradas neste trabalho provam eficácia para a não ocorrência de tais situações.

Voltando à dificuldade inicial de agregar os stakeholders, tomou-se como estratégia de ação a filosofia de Quadrupla Hélice de Inovação 27,28, buscando trazer resoluções dos problemas não apenas para a mineradora, o ministério público estadual e a universidade, mas sensibilizando todos na sociedade, articulando a universidade e a empresa aos órgãos públicos e à sociedade civil. Quando os envolvidos entenderam que juntos poderiam mudar a realidade sem discutir responsabilidade civil (que não cabia na missão do projeto), mas sim atuando de forma ativa nos danos ambientais e ações de mitigação para a saúde animal, para a saúde humana e a conservação ambiental, o case de sucesso foi estabelecido. A partir de agora, o novo desafio é ativar o Centro de Referência para Animais em Situação de Risco (CRAR-Grupequi-Ufal), para tornar possível trazer essa experiência exitosa para outras realidades que a necessitem!

 

Conclusão

O artigo expôs a dificuldade de desenvolver estratégias e planos de ações focado em animais domésticos para casos de evacuação de áreas, mostrando que a articulação para o sucesso da ação deve estar pautada em um foco transdisciplinar alicerçado na saúde única e na educação ambiental. Outro ponto relevante a ser indicado é que cada caso levará a um arcabouço de ações não pré-estabelecidas, mas sim que deve ser adaptado das experiências já assimiladas. E, por fim, as estratégias e plano de ações para monitoramento da evacuação e combate ao abandono animal nos bairros acometidos pela subsidência em Maceió mostraram-se eficazes e podem servir para apoio em outras situações de evacuação geográfica sob risco ambiental.

 

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Agradecimentos

À Braskem, Ufal, Ministério Público do Estado de Alagoas, Ordem dos Advogados do Brasil-Alagoas, Superintendência de Proteção de Defesa dos Animais do Estado de Alagoas-SECDEF, Fapeal, CNPq, Capes, Fundepes, CCZ-Maceió, Defesa Civil de Maceió, Secretaria da Segurança Pública do Estado, Delegacia de Combate aos Crimes Ambientais e Proteção Animal de Maceió, Escola Princesa lsabel, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Ifal e a todos os protetores individuais.