Introdução
Em fins do século XVIII, Jenner introduziu a imunização contra a varíola humana (small-pox) utilizando o vírus da varíola bovina (cow-pox), que é um vírus naturalmente atenuado. Essas suspensões de vírus utilizadas em imunização receberam a denominação de vacinas, termo derivado da palavra latina vacca1.
As vacinas são substâncias utilizadas para induzir respostas imunes, cuja finalidade é a preservação ou a diminuição da intensidade de uma doença produzida por agente infeccioso6. Entretanto, as vacinas podem provocar respostas indesejáveis 2,3,10.
A literatura descreve todos os tipos de reações de hipersensibilidade (do tipo I ao IV) após vacinação, e pode se apresentar sob a forma de vômitos, diarréias, depressão, dispnéia e até mesmo morte. A hipersensibilidade citotóxica (Tipo II) ocorre uma a duas semanas após a vacinação, e produz trombocitopenia e anemia. A hipersensibilidade mediada por complexos imunes (Tipo III) caracteriza-se pelo ocorrência de glomerulonefrite, uveítes e opacidade de córnea. A hipersensibilidade retardada (Tipo IV) é observada em casos de encefalomielite pós vacinal2,3,10.
Além das reações de hipersensibilidade, outros tipos de reações pós vacinais – como febres transitórias, anorexia, perda de visão, neuropatias, paralisias, encefalites – podem ser observados e, em alguns casos, a aplicação da vacina pode provocar a ocorrência da própria doença a ela relacionada 2,3,10.
A formação ou penetração de um antígeno no interior do organismo desencadeia a resposta do sistema imune, que pode ocorrer nos órgão sensíveis – aqueles embriologicamente alterados ou retardados em sua evolução, também chamados de órgãos de choque – ou nos humores, sangue e/ou linfa, do organismo 7.
A reação imunológica que ocorre no tecido dos órgão sensíveis desencadeia alteração no metabolismo dos órgão e sistemas acometidos, produzindo sintomatologia. Por outro lado, se a reação imunológica ocorre nos humores do organismo não há sintomatologia, pois o antígeno é inativado antes de alterar o metabolismo de um órgão ou sistema e produzir sinais clínicos 7.
Em quadros de saúde aparente, existe um equilíbrio entre a reação imune dos tecidos e dos humores. Entretanto, quando esse equilíbrio é rompido, a reação imune dos tecidos aumenta até atingir o seu ápice, deflagrando uma reação imunológica nos humores que aumenta à medida que a reação dos tecidos diminui. Nessa nova condição, o indivíduo ao ser apresentado ao antígeno terá condições de neutralizá-lo nos humores e, consequentemente, não manifestará qualquer sintomatologia 7.
Quando penetrado por um antígeno – seja ele qual for –, o organismos reage, produzindo uma reação imune. Um novo contato com o antígeno desencadeia nova reação; assim, a primeira dose do antígeno é denominada sensibilizante e a segunda, desencadeante. A administração de uma vacina objetiva desencadear essa sequência de reações e, como o antígeno está morto ou atenuado, espera-se que a reação imune nos tecidos não ocorra 7.
Outros dois fenômenos não devem ser esquecidos. O primeiro, denominado paralergia, é a reação imune inespecífica. O segundo, conhecido como metalergia, é a reação do organismo já sensibilizado por um determinado agente, que, ao receber um segundo estímulo, responde ao novo antígeno como se fosse o agente sensibilizante 7.
Além disso, quando se inicia uma reação imune, ocorre a produção de uma substância – denominada substância H (alergina) – de natureza ainda não devidamente esclarecida, que pode agir sobre o órgão sensível e manifestar uma sintomatologia. Dessa forma, um mesmo antígeno pode promover diferentes sintomas em órgão diferentes. Isso pode ser exemplificado da maneira que segue: um antígeno que provoque uma reação inicial na tonsila pode promover uma reação inflamatória na garganta, caso a própria tonsila seja o órgão sensível; uma artrite, se as articulações forem os órgãos sensíveis; uma nefrite, se os rins forem os órgãos de choque; e assim por diante 7.
Além da exposição até aqui realizada, há que se considerar que diferentes fatores – os estímulos na vida intra-uterina, o contato com o líquido amniótico aspirado no momento do nascimento, as infecções que ocorrem na primeira fase da vida e as vacinas – podem sensibilizar o indivíduo, promovendo respostas celulares ou humorais que permanecem no organismo, restando apenas o fator desencadeante para promover uma reação imune nos tecidos dos órgãos de choque 7.
Se observarmos os fenômenos da paralergia, da metalergia e a capacidade da reação imune em sensibilizar os órgão sensíveis, podemos concluir que qualquer antígeno pode desencadear uma moléstia, que variará em função dos estímulos prévios recebidos pelo organismo e da presença de diferentes órgão de choque sensibilizados 7.
Dessa forma, se o indivíduo não foi sensibilizado pelos antígenos com os quais entrou em contato durante a vida, ou não está sendo sensibilizados pela presença de uma doença crônica, a vacinação torna-se um fator sensibilizante. Por outro lado, se o animal está sensibilizado por algum dos fenômenos acima citados, o antígeno vacinal pode atuar como fator desencadeante; nessa situação, a sintomatologia pode variar de acordo com a sensibilidade do organismo do animal 7.
Outro aspecto importante é a contra-indicação de vacinações para gestantes, pois elas podem desenvolver a doença ou uma infecção subclínica com efeitos clínicos no neonato, além de correrem o risco de não entrar em trabalho de parto 2,3,10. Isso porque, durante a gestação, o feto atua como corpo estranho no interior do organismo materno, constituindo-se em um fator sensibilizante. Assim, qualquer novo antígenos aplicado nessa fase atuará obrigatoriamente como fator desencadeante 7.
Sabe-se que vacinas não devem ser administradas nos casos de gestação e de doenças agudas ou crônicas instaladas, mas o desconhecimento dos estímulos que possam ter ocorrido na primeira fase da vida torna impossível saber se o organismo está ou não sensibilizado. Na prática, a grande dificuldade está em determinar se o estímulo vacinal será um fator sensibilizante ou desencadeante, e consequentemente, quando a vacinação apresenta ou não riscos ao animal.
Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi demonstrar que a homeopatia pode ser uma alternativa de medicina preventiva. Para tanto, relata-se sua utilização para prevenir a fase nervosa da cinomose canina em vários animais.
Descrição dos casos
Uma semana após a vacinação contra cinomose observou-se, em uma ninhada de seis cães, a ocorrência de hiperqueratose dos coxins plantares, diarréia, conjuntivite e secreções nasais serosas; dois desses animais apresentavam sinais nervosos. O diagnóstico clínico foi de cinomose canina. Diante dessa situação, foram examinados outros 30 cães que conviviam no mesmo espaço físico, e constatou-se que esses animais também apresentavam conjuntivite e secreções nasais serosas.
Um dos animais com sinais nervosos foi tratado alopaticamente (antibiótico e soroterapia), e veio a óbito no primeiro dia de tratamento. O outro animal que apresentava essa sintomatologia, com tratamento semelhante, foi sacrificado a pedido do proprietário. Os demais animais (34) foram medicados homeopaticamente antes que a sintomatologia nervosa se iniciasse. Os quatro filhotes restantes da ninhada foram tratados com Nux vomica 6 CH, de 10 em 10 minutos por uma hora (plus) duas vezes ao dia durante cinco dias, e os outros 30 cães foram tratados com Nux vomica 6 CH adicionada à água de bebida durante cinco dias.
Nenhum dos 34 animais apresentou sinais nervosos, e os sintomas de secreção nasal e ocular desapareceram durante o período de tratamento.
Discussão
Para a homeopatia, a prevenção de doenças compreende orientações quanto à higiene geral e ações terapêuticas diretas. As orientações contemplam o ambiente familiar, a moradia, a alimentação, o exercício, o vestuário e até mesmo as relações sociais. A ação terapêutica envolve o acompanhamento e o tratamento do miasma ou doença crônica verdadeira, pois a condição miasmática é considerada a causa fundamental de todas as moléstias 9.
Hahnemann5 cita, em nota do parágrafo 33 do Organon: “… quando a escarlatina lisa de Sydenham ainda ocasionalmente prevalecia de forma epidêmica entre as crianças, atacava quase sem exceção todas as crianças que dela escaparam em epidemia anterior; em epidemia semelhante a que testemunhei em Königslutter; ao contrário, todas as crianças que tomaram a tempo uma pequeníssima dose de Belladonna não foram atacadas por esse mal infantil altamente contagioso.”
Assim sendo, Hahnemann considera que, quando da ocorrência de epidemias, a vacinação é plenamente justificada. Nessas situações, a pressão do meio agressor é de tal monta que pode, em muitos casos, ultrapassar a possibilidade de defesa vital individual. Por outro lado, se o organismo está receptivo ao agente agressor, também está receptivo ao estímulo medicamentoso, e a ação vacinal se dará pelo contato do organismo com o agente agressor e pelas condições ambientais propícias, não deixando espaço para a doença crônica 9.
Além da vacinação poder desencadear reações indesejáveis, o intervalo de tempo entre sua administração e o estabelecimento da imunidade é relativamente longo. Já a utilização de um medicamento homeopático em lugar da vacina não homeopática não apresenta esse problema, pois a fase de resistência se inicia algumas horas após a administração do remédio homeopático 9.
Uma forma de imunização homeopática é a utilização de um bioterápico que contenha o agente desencadeante da epidemia. Há experiências que confirmam a eficácia dessa técnica, como na epidemia de meningite de São Paulo de 1974/75, quando mais de 15 mil pessoas da cidade de Guaratinguetá foram medicadas dessa maneira com absoluto êxito. O bioterápico deve ser administrado em dose única e potências médias 9.
A cinomose canina é causada por um vírus, o que dificulta a preparação do bioterápico, uma vez que muitos outros antígenos provenientes do cultivo celular desse vírus também estarão presentes – o que pode alterar a ação do bioterápico.
Durante a epidemia, o ideal e o praticado por Hahnemann é a busca e o descobrimento de um medicamento já experimentado e que contenha os sintomas mais característicos e evidentes do surto epidêmico. Esse medicamento será administrado em dose única, em potências médias, ou em doses repetidas (plus) com potências mais baixas 9.
O medicamento Nux vomica foi escolhido neste caso por apresentar, na sua matéria médica homeopática 4, os seguintes sintomas:
– canto dos olhos com pus;
– canto externos dos olhos está, de manhã, como se grudado com pus;
– prurido no globo ocular;
– olhos estão cheios de água, como em inflamação úmida dos olhos, ou como em coriza carregada;
– vermelhidão indolor no canto externo dos olhos;
– fotofobia;
– dor abdominal com inclinação para vômito;
– fasciculação e tremor nos músculos abdnominais sob a pele;
– diarréia;
– fezes envoltas com muco branco;
– diarréia de fezes fétidas;
– as bordas das narinas estão doloridas em volta, como se feridas ou ulceradas;
– eliminação frequente de muco de ambas as narinas, as quais estão tampadas como por coriza;
– cambaleio e instabilidade das extremidades inferiores;
– tremor dos membros e palpitação do coração;
– rigidez dos membros com fasciculação;
– movimentos espasmódicos;
– convulsões;
– hipersensibilidade para impressões dos sentidos; não consegue suportar odores fortes e luz brilhante;
– não consegue suportar qualquer barulho.
Considerações finais
A utilização de medicamento homeopático experimentado que contenha os sintomas mais característicos e evidentes do surto epidêmico é uma alternativa rápida e eficiente na profilaxia de doenças infecciosas dos animais.
Referências
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02-BONAMIN, L. V. ; PAULINO, C. A. Imunofarmacologia. In: SPINOSA, H. S. ; GÓRNIAK, S. L. ; BERNARDI, M. M. Farmacologia aplicada à medicina veterinária. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 1999, p. 510-522.
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05-HEHNEMANN, S. Organon da arte de curar. São Paulo, Grupo de Estudos Homeopáticos de São Paulo Benoit Mure, 1999. p. 191.
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