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Projeto Bandeiras e Rodovias: conservação do tamanduá-bandeira e da vida, tornando as estradas do MS mais seguras para todos

Monitoramento de 15% das estradas de MS por 3 anos registrou 425 antas, 766 tamanduás-bandeiras e 968 capivaras mortas. Pesquisadores alertam sobre a importância de medidas de mitigação para essa tragédia anunciada

Matéria escrita por:

Guto Akasaki

15 de jul de 2024


Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) monitorado pela equipe do Icas.
Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas. Alessandra Bertassoni

 

 

As rodovias são essenciais para o transporte de pessoas e mercadorias, mas quando não planejadas adequadamente podem causar sérios impactos sociais, econômicos e ambientais. No Mato Grosso do Sul (MS), uma iniciativa inédita realizada pelo Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) analisou os efeitos das rodovias sobre a vida dos tamanduás-bandeira por meio do Projeto Bandeiras e Rodovias.

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Equipe do Icas coletando amostras e registando informações a partir de carcaça de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) atropelado em rodovia do Mato Grosso do Sul. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Primeira fase do Projeto Bandeiras e Rodovias

A primeira fase do projeto, realizada entre 2017 e 2020, focou em entender e quantificar os impactos ecológicos e sociais das colisões. Foram monitorados cerca de 85.000 km de rodovias, registrando-se 12.400 animais silvestres mortos, dos quais 40% eram capazes de causar danos materiais e acidentes, como tamanduás-bandeira, antas e capivaras.

Nesse período, foram registrados 425 antas (Tapirus terrestris), 766 tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e 968 capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) mortas, embora esse número seja subestimado devido à rápida decomposição das carcaças e ao fato de que muitos animais percorrem alguns metros após a colisão, chegando a óbito em áreas de vegetação e acabam não sendo contabilizados.

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Médico-veterinário Danilo Kluyber monitorando tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) com colete rastreador no Cerrado de MS. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Um estudo realizado em colaboração com pesquisadores do Icas, publicado na revista Animal Conservation, alertou que cerca de 17 tamanduás-bandeira são mortos por colisões veiculares a cada 100 km em estradas sul-mato-grossenses e que apenas 1% dos tamanduás-bandeira usa passagens subterrâneas pré-existentes, projetadas para o trânsito de gado ou drenagem. 

Michael Noonan, especialista em estudos de movimento e ecologia de estradas, analisou os deslocamentos diários de 38 tamanduás utilizando tecnologia GPS. Os dados mostraram que o habitat próximo às estradas atua como uma armadilha ecológica, ou seja, com os animais vivendo em territórios próximos às rodovias, os riscos de colisões são constantes.

De acordo com a médica-veterinária e pesquisadora do Icas, Debora Yogui, essa é uma situação que não apenas ameaça a fauna silvestre no médio e longo prazo, mas que coloca em risco a segurança e a vida humana, além de gerar um forte impacto econômico na sociedade.

“Nossos estudos mostraram que as colisões reduzem o crescimento populacional dos tamanduás-bandeira pela metade, sendo uma das principais ameaças à espécie no Cerrado de MS. Além disso, uma análise de custo-benefício indicou que o cercamento de trechos críticos, conduzindo os animais para passagens subterrâneas novas e já existentes, seria compensado em médio prazo, considerando apenas os danos materiais das colisões,” explicou a pesquisadora.

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O zoólogo Arnaud Desbiez e o médico-veterinário Mário Alves durante captura para avaliação de saúde de Alvinho, o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) albino monitorado pelo ICAS. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Segundo dados do levantamento anual de acidentes rodoviários realizado pela Confederação Nacional dos Transportes, em 2021 foram registradas 1.640 ocorrências de acidentes apenas nas rodovias federais de MS, com um custo estimado de R$ 311,1 milhões em tratamentos de saúde, velórios, danos materiais, trâmites burocráticos, entre outros.

Os estudos sociais conduzidos nessa fase também evidenciam a dimensão do risco à segurança humana das colisões veiculares com fauna. Foram realizadas cerca de 250 entrevistas com motoristas de caminhões que utilizam as rodovias do estado, a fim de explorar suas percepções e o processo de tomada de decisão do grupo ao encontrar um animal na pista. 

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Os médicos-veterinários Danilo Kluyber e Débora Yogui durante coleta de amostras e colocação de colar em tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas. Christoffer Bangsgaard

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Mariana Catapani, coordenadora de coexistência humano-fauna do ICAS, destacou que, ao contrário do que muitos pensam, os caminhoneiros não atropelam animais silvestres intencionalmente.

“Quando percebem um animal na pista, há pouco tempo para qualquer reação, e frear ou desviar aumenta o risco de acidente. Colidir com o animal é muitas vezes a opção mais segura para os ocupantes do veículo e outros usuários da via”, disse Catapani.

Outro estudo publicado na revista científica Austral Ecology, analisando dados obtidos na primeira fase do Projeto Bandeiras e Rodovias, utilizou modelos espaciais para prever os pontos mais críticos nas estradas de MS, considerando variáveis como uso do solo, proximidade de rios e topografia.­

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Médicos-veterinários Juliana Magnino, Grazielle Soresini e Rafael Ferraz ajustando colar em tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas. Christoffer Bangsgaard

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Yuri Ribeiro, mestre em recursos florestais e primeiro autor do artigo, explicou que esses dados permitiram mapear os locais onde as medidas de mitigação seriam mais eficientes para proteger a vida de pessoas e animais, mostrando que as colisões veiculares com fauna são uma tragédia anunciada, não apenas uma fatalidade. “O monitoramento das rodovias foi fundamental para a modelagem do estudo, que classificou grande parte da malha rodoviária de MS como prioritária para mitigação,” destacou o engenheiro florestal. 

A problemática das colisões veiculares e os dados obtidos pelo monitoramento do ICAS enfatizam a importância do diálogo entre os setores público, privado, instituições de pesquisa e sociedade civil para priorizar as ações de mitigação, especialmente no que diz respeito ao licenciamento ambiental, que deve incluir informações científicas sobre onde essas medidas devem ser implementadas primeiro.

 

Colisões veiculares, dimensões humanas e medidas de mitigação 

A segunda fase do projeto (2021-2023) focou nas dimensões humanas, políticas e institucionais das colisões veiculares com fauna, com o objetivo de envolver autoridades, tomadores de decisão, motoristas de caminhão, empresas e a sociedade em geral.

Com base em pesquisas, estudos e nos resultados obtidos nos três primeiros anos do projeto, iniciou-se um esforço coordenado para implementar ações e medidas necessárias para reduzir o número de animais mortos em rodovias, bem como os danos aos seres humanos e veículos. 

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Rafael Ferraz, Arnaud Desbiez e Juliana Magnino durante campanha de avaliação cardíaca em tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Arnaud Desbiez, presidente do Icas, declarou que foram identificados os principais atores envolvidos, iniciando assim esforços para engajá-los na mitigação de colisões. Também foi avaliada a eficácia das sinalizações e oferecidos diversos treinamentos para trabalhadores das rodovias.

“Participamos de inúmeras reuniões com instituições do terceiro setor, órgãos públicos e empresas privadas, além da publicação de um ‘Guia de mitigação de colisões veiculares com fauna silvestre nas rodovias estaduais de Mato Grosso do Sul’, entre outros documentos que alertam para os riscos das colisões veiculares e a urgência na implementação de medidas de mitigação complementares”, explicou Desbiez. 

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Mário Alves, médico-veterinário do ICAS, com antena VHF que auxilia pesquisadores a encontrar e monitorar tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no Cerrado de MS. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Foi realizado também o “I Workshop sobre Sinalização de Travessia de Fauna em Rodovias”, que reuniu uma equipe multidisciplinar de especialistas em segurança viária e psicologia do trânsito, órgãos governamentais, designers e profissionais de diversas áreas, para discutir soluções inovadoras em sinalização viária. Uma nova placa idealizada no evento será avaliada quanto à sua efetividade.

Outra iniciativa importante foi o “I Workshop de Discussão sobre a Criação do Observatório Fauna e Estradas”, que marcou um passo significativo para a proteção da fauna e a segurança viária em Mato Grosso do Sul. Organizado pelo ICAS e o Núcleo Ambiental do Ministério Público (MPMS), o evento reuniu especialistas, órgãos governamentais e a sociedade civil para discutir soluções inovadoras para mitigar as colisões com fauna nas rodovias.

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Arnaud Desbiez, zoólogo e presidente do ICAS, carregando tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) anestesiado para o local de avaliação de saúde e ajuste do colete. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Para ser eficaz, a mitigação deve incluir um plano abrangente, considerando espécies-alvo como a anta, o tamanduá-bandeira e o macaco-prego. A instalação de passagens superiores e inferiores de fauna, combinadas com cercamentos longos e reforçados, é essencial para guiar os animais para atravessar a rodovia de forma segura. Além disso, é crucial realizar um trabalho de sensibilização de crianças, jovens e adultos por meio da educação ambiental e da formação consciente de novos condutores. As principais mensagens a serem passadas nesse sentido seriam evitar a direção noturna, quando a maior parte dos animais está mais ativa e a visibilidade do motorista é menor, além da importância de respeitar os limites de velocidade e as sinalizações de travessia de fauna, que indicam os pontos críticos de possibilidade de colisão.

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Médica-veterinária Grazielle Soresini e Arnaud Desbiez, presidente do ICAS, durante avaliação de saúde de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Zoólogo Arnaud Desbiez e médica-veterinária Grazielle Soresini durante soltura de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) após avaliação do bem-estar do animal. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Monitoramento de tamanduás

Desde o início do projeto, o ICAS monitorou 90 tamanduás-bandeira, utilizando coletes com tecnologia GPS para registrar a localização dos animais a cada 20 minutos. Esse trabalho minucioso de monitoramento tem sido crucial para acompanhar os comportamentos desses animais e compreender melhor seus padrões de deslocamento.

Segundo o médico-veterinário e pesquisador do projeto, Mário Alves, o monitoramento permite observar detalhes importantes sobre a vida dos tamanduás-bandeira. “É marcante que o desmatamento e a perda de habitat estão restringindo a área de vida desses animais a fragmentos de Cerrado muito próximos às estradas, forçando-os a atravessar as rodovias em busca de novas áreas de vida. Isso os coloca em risco iminente de colisões veiculares”, explicou Alves.

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Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) com seu filhote, monitorada a partir de rádio-colar. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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A implementação de medidas de mitigação é crucial para reduzir a mortalidade de animais e proteger todos os usuários das rodovias. O projeto alerta para a tragédia das colisões veiculares com fauna e propõe soluções, destacando a importância de uma abordagem integrada para a conservação da biodiversidade.

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Médica-veterinária Grazielle Soresini orientando estudante de medicina veterinária na avaliação de rotina de um tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Estágios e voluntariado

No site https://www.icasconservation.org.br/vagas os interessados em fazer voluntariado ou estágio podem se cadastrar no banco de dados, e, havendo vagas, os coordenadores entram em contato de acordo com o perfil de cada tipo de vaga.  

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Médicos-veterinários Mário Alves e Grazielle Soresini em avaliação de rotina em Alvinho, único tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) albino monitorado do mundo. Créditos: Projeto Bandeiras e Rodovias / Icas

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Projeto Bandeiras e Rodovias:

https://www.icasconservation.org.br/projetos/bandeiras-e-rodovias

 

 

Leia também a matéria sobre o Projeto Tatu-canastra, publicada na edição 170.

https://www.revistaclinicaveterinaria.com.br/noticias/especialidades/animais-silvestres/projeto-tatu-canastra/