As novas gerações de profissionais da medicina veterinária nem sabem que um dia o médico-veterinário fazia de tudo dentro da prática clínica. Era a época dos “vinte e um médicos em um”, em que o profissional formado que atuava na clínica trabalhava dia a dia em todas as áreas, como cirurgia, anestesia, dermatologia, oftalmologia, neurologia, cardiologia, ortopedia, gastrologia, nefrologia, reabilitação e várias outras.
É necessário dizer que a medicina veterinária é uma ciência viva em constante alteração, que vive momentos de transformação. Atualmente vemos o crescimento do direito dos animais associado ao fortalecimento da vontade do tutor; isso tudo traz para a consulta clínica inúmeras possibilidades de terapêutica e de interpretação das verdades e vontades desse tutor.
Existe uma grande procura na medicina veterinária pelas práticas alternativas e integrativas de tratamento, como a homeopatia, a acupuntura, a fitoterapia, a alimentação natural, a medicina veterinária sistêmica, a ozonioterapia, a aromaterapia, a cromoterapia, o reiki, a comunicação intuitiva, os procedimentos de higiene bucal profiláticos sem anestesia e várias outras modalidades. É importante ressaltar que algumas dessas práticas de terapias alternativas e integrativas são regulamentadas e licenciadas.
Em nossa visão, enquanto algumas tendências passam por um modismo e podem ter no futuro um mercado restrito, outras práticas têm potencial de crescimento de mercado com expressivos ganhos econômicos e deveriam ser disciplinadas para o exercício dos médicos-veterinários, apesar da resistência de alguns, que ainda enxergam nessas terapias algo como charlatanismo.
Algumas das modalidades alternativas e integrativas já são reconhecidas pelo CFMV como especialidades, como a homeopatia e a acupuntura, apesar de no passado terem sido taxadas de “não ciência” ou sem comprovação. O tempo e a observação de casos de sucesso mudaram a opinião dos colegas, que passaram a vê-las como ferramentas de auxílio no atendimento. Esse poderá ser também o caminho de outras práticas que vêm surgindo, como a comunicação intuitiva, as práticas de higiene bucal sem anestesia e outras técnicas para as quais os tutores estão atentos, tendendo, quando fazem uso delas, a procurar esse atendimento para si e para seus animais entre as opções terapêuticas da medicina veterinária.
Apesar de algumas áreas críticas serem apontadas e de se contestar a eficiência de certos procedimentos, a falta de estudos científicos, de viabilidade econômica e até mesmo de viabilidade técnica de aplicação, o fato é que, quando o tutor deseja, ele vai buscar os seus objetivos e procura um profissional que o atenda de acordo com suas convicções.
É definição comum que as terapias alternativas e integrativas são tratamentos que focam o indivíduo em sua forma global, holística. Dessa maneira, tratam o aspecto físico, o mental, o emocional e muitas vezes o espiritual de cada paciente; nada é analisado separadamente, e aí surgem questionamentos dos tutores sobre o fato de os animais terem espírito ou alma, por exemplo. A pergunta que nos surge é se o médico-veterinário está preparado para lidar com as convicções dos tutores, que podem ser diferentes das suas.
Sem querer entrar em discussões filosóficas e de crenças, o que nos basta neste momento é entender que os animais são seres sencientes e reafirmar que, se o tutor gosta dessas terapêuticas e faz uso delas em sua vida pessoal, ele também vai buscar utilizar essas mesmas ferramentas para o tratamento e o reequilíbrio do seu animal.
Apesar disso, muitos profissionais defendem que a melhor maneira de inserir as terapias alternativas e integrativas no tratamento de doenças seria na forma de terapias complementares, de tal forma que essas práticas integrassem os recursos dos métodos terapêuticos sem dispensar a medicina tradicional. Pessoalmente, concordamos com práticas positivas que trazem bons resultados quando o tutor assim o deseja, facilitando o acesso à linha terapêutica desejada.
Quando o cliente manifesta a vontade de fazer uso de alguma terapia alternativa ou integrativa, o ideal é que o médico-veterinário o oriente a buscar também um profissional médico-veterinário qualificado para aplicar essa técnica, facilitando inclusive que o atendimento seja feito como especialidade dentro do seu estabelecimento e fidelizando assim o cliente.
As terapias alternativas e integrativas costumam ser menos invasivas do que outras opções de tratamento, o que significa que elas podem ser particularmente benéficas para os tutores e pacientes que preferem evitar tratamentos mais agressivos. Estudos têm mostrado que algumas dessas terapias podem ser eficazes no alívio da dor, no controle do estresse e da ansiedade, na melhora da qualidade do sono e no fortalecimento do sistema imunológico, entre outros benefícios. Desse modo, se a vontade do tutor também tiver sido respeitada, ele também sofrerá menor estresse e ansiedade, ficando mais à vontade e satisfeito com o atendimento de seu “filho de quatro patas”, e mais satisfeito também com o médico-veterinário, que passa a ocupar uma posição de confiança em sua mente.
Vale ressaltar a importância de essas terapias serem usadas em conjunto com a medicina convencional, e acima de tudo que o esclarecimento seja bem feito, tirando dúvidas e explicando as opções e o alcance de cada caminho escolhido, registrando essa decisão no prontuário e colhendo as devidas autorizações. Por exemplo, em uma situação de um animal em fase terminal de uma neoplasia, na qual o tutor deseje parar com o tratamento convencional e que se empreguem somente linhas alternativas ou integrativas, é necessário que essa decisão e a concordância do tutor com os termos, riscos e alcance dos procedimentos fiquem registradas.
Hoje em dia, é comum que o tutor naturalista queira tratar seu animal da mesma forma, e, com a evolução da medicina veterinária, essas especialidades vêm adquirindo uma importância tal e qual a da medicina humana. Assim, temos de estar atentos a isso e ocupar esse espaço profissionalmente, buscando resguardá-lo para profissionais da medicina veterinária que busquem mais opções para os seus pacientes, diferentemente de “práticos” que tenham feito cursinhos de fim de semana sem conhecer realmente a medicina veterinária.
Nesse caminho, defendemos que as terapias alternativas e integrativas devem ser bem-vindas e praticadas por médicos-veterinários que se especializem nessas áreas.
Tudo o que é novo tende a encontrar resistência, mas é importante termos a mente aberta para novas técnicas, embasadas em estudos e relatos de casos. Se nos fecharmos para novas possibilidades, prejudicaremos inclusive novas opções de mercado aos jovens recém-formados que enfrentam um mercado saturado.
Apesar de os modismos terem uma vida e um mercado restritos, as boas práticas de saúde têm força para resistir a ataques e permanecerem fortes, como ocorreu com a acupuntura e a homeopatia, que são atualmente aceitas e indicadas pelos colegas, e incorporadas na prática clínica de forma permanente.