Mini-hospital veterinário associa universidade a educação básica
Em sintonia com as diretrizes da Capes para 2017, projeto de extensão e pesquisa ensina os conceitos de guarda responsável, bem-estar animal e zoonoses às crianças da rede fundamental de ensino

Segundo Diretriz da Capes, em documento de área da medicina veterinária de 2016 1, a pós-graduação e a educação básica são concomitante e reciprocamente “consumidoras da produção de conhecimento”, bem como da formação de pessoal tais como futuros educadores, pesquisadores, extensionistas e, sobretudo, cidadãos. O acesso a uma formação básica de qualidade, segundo a Capes, poderá potencializar suas habilidades em pesquisa, portanto, temas de educação básica enquanto objeto de pesquisa podem conduzir ao avanço tanto do conhecimento científico quanto das respectivas tecnologias educacionais.
Ainda nesse documento, a múlti e a interdisciplinaridade, a participação de alunos de graduação, a inserção de pós-graduandos na educação básica e o detalhamento dos projetos de inserção social serão registrados, avaliados e valorizados. O aprimoramento do sistema de avaliação de programas de pós-graduação poderia também ser realizado de maneira a incrementar as métricas e atribuir pontuação à inserção deles na educação básica.
Desse modo, a atribuição de maior peso aos livros didáticos e demais materiais (impressos e digitais) destinados às redes de educação básica poderia inclusive servir para avaliar a inserção do respectivo programa, não apenas sob o aspecto quantitativo. Em resumo, o Comitê de Área da Medicina Veterinária recomenda o maior engajamento dos programas de pós-graduação em atividades de educação (graduação e educação básica), como necessidade de reforçar o vínculo da pós-graduação com a graduação.
Mas como fazer isso? Bem, em outros países isso já é feito há algum tempo, com o nome de open house, quando o hospital-escola veterinário abre as portas para a comunidade e as escolas, e de outreach ou extension, com programas da universidade nas escolas do ensino fundamental e médio.
O projeto de extensão Mini-hospital Veterinário, vinculado à Universidade Federal do Paraná (UFPR), está em funcionamento desde o ano de 2014. Foi criado com o objetivo de repassar de forma lúdica conceitos sobre zoonoses, guarda responsável, bem-estar animal e preservação da fauna exótica. O projeto é executado no município de Curitiba e na região metropolitana, PR, em escolas públicas e particulares, com crianças de 4 a 8 anos. Conta com a colaboração de graduandos, pós-graduandos e professores de medicina veterinária da UFPR.
Nos anos de 2015 2 e 2016, foram feitas 51 apresentações. O projeto alcançou 2.259 crianças, sendo dez delas com necessidades especiais, que já estavam inseridas nas escolas. Em cada ação participam, em média, de 40 a 45 crianças, separadas em grupos de cinco ou mais, de acordo com o número total.
As atividades são realizadas em módulos que simulam ambientes internos de um hospital veterinário, como o setor de isolamento de doenças infectocontagiosas, de cirurgia, de clínica médica e um laboratório para a realização de exames. Os pacientes das atividades são bichos de pelúcia adaptados, confeccionados pelos integrantes do projeto de extensão, e também brinquedos diversos que simulam os transmissores de doenças, como morcegos e ratos de borracha. Durante a atividade, os instrutores colocam as crianças para partilicar da resolução do caso clínico e estimulam que elas sejam mini-médicos-veterinários por um dia, fazendo com que atuem diretamente na execução das tarefas e no desenvolvimento da atividade. Durante a simulação, os instrutores passam às crianças informações sobre o paciente, explicam a doença em questão e o que deveria ser feito caso um animal se encontrasse em situação semelhante. Todas as crianças passam por 11 atividades, e o trajeto total leva aproximadamente 80 minutos.
As zoonoses abordadas são leptospirose, raiva, bicho-geográfico e sarna sarcóptica. No módulo da leptospirose, por exemplo, uma criança “coleta sangue” (com seringa sem agulha) do cão internado com suspeita dessa zoonose. As crianças seguem para o laboratório, onde examinam a amostra de sangue em uma lâmina com uma técnica que simula o teste de aglutinação microscópica (MAT), e diagnosticam a doença. Depois seguem para uma investigação no ambiente em que o cão vive e descobrem um rato (de brinquedo). Em seguida, discute-se o meio de transmissão da doença, como preveni-la e como cuidar do animal doente (Figura 1).
No “setor de cirurgia” as crianças participam de duas atividades. Para se sentirem como cirurgiões veterinários, são disponibilizadas vestimentas semelhantes a aventais cirúrgicos, toucas, máscaras e luvas de procedimento. Na primeira atividade, as crianças ajudam a retirar pequenos brinquedos do estômago de um cão e aprendem que não devem deixar brinquedos espalhados pela casa, e também que o cão precisa de uma alimentação adequada (Figura 2).
Na segunda cirurgia, ajudam uma tartaruga que ingeriu acidentalmente lixo no mar e são conscientizadas sobre os perigos que o nosso lixo representa para o meio ambiente e para a fauna ali presente (Figura 3). Outro módulo que aborda a interferência do ser humano no meio ambiente onde vivem os animais silvestres é o “ligue da fauna”, que fala sobre os animais em extinção, expõe os males gerados pelo contrabando e também desperta uma percepção sobre o habitat natural de cada espécie (Figura 4).
Os conceitos de bem-estar animal e posse responsável de animais são exposto nas demais atividades que simulam a rotina clínica do médico-veterinário. Em um desses módulos, as crianças auxiliam no atendimento de um cão que saiu de casa sozinho e acabou sendo atropelado. Nessa atividade são discutidos conceitos de guarda responsável, e os alunos ajudam a diagnosticar e cuidar do animal (Figura 5).
Durante a realização das ações, percebe-se facilmente a diversão e a curiosidade das crianças nas atividades, cuja grande maioria interage com o grupo e com os monitores de forma satisfatória. Além da diversão, as brincadeiras funcionam como instrumento de auxílio de desenvolvimento infantil e promovem socialização e descobrimento do mundo 3. As crianças entendem a problemática apresentada, buscam soluções e associam o que vivem nas brincadeiras com o que acontece com seus animais em casa.
Esse público foi escolhido para a aplicação das atividades por ter o maior interesse no aprendizado e também grande potencial de disseminar informações na sociedade 4. Para as crianças, as brincadeiras são uma maneira de assimilar e interpretar o mundo 5. Elas também proporcionam a assimilação de valores e a incorporação de conhecimentos 6. No caso do projeto, a educação aliada à promoção da saúde contribui para o fortalecimento social e pode produzir resultados positivos na melhora de qualidade de vida, tanto de seres humanos quanto de animais 7. Dentre os resultados almejados com as atividades do projeto em curto prazo, espera-se que os conhecimentos sejam difundidos na comunidade, e, em longo prazo, que sejam reduzidos os casos de maus-tratos e abandono de animais, com adultos mais instruídos.
Devido à faixa etária atendida, a forma mais acessível de avaliação das ações por parte das crianças é a realização de desenhos ilustrando o que mais gostaram ou o que aprenderam nas atividades. Sendo assim, após as ações, as professoras são estimuladas a promover uma atividade de desenho com as crianças em sala, para depois encaminhar o resultado para as coordenadoras do projeto. Os desenhos fornecem uma representação gráfica do conhecimento aprendido, estão intimamente ligados à obtenção de novos processos criativos 8. Percebeu-se que as ações realizadas foram importante estratégia de ensino e aprendizagem dos conceitos transmitidos. Outra forma de avaliação do projeto é realizada junto às professoras, com o uso de questionários que avaliam a montagem e a execução do projeto. Todas consideraram o projeto útil para o aprendizado e adequado para a faixa etária de seus alunos.
Além das ações nas escolas o projeto também está na rede social Facebook http://fb.com/minihospitalveterinarioUFPR. A página divulga o projeto à comunidade e apresenta conteúdos sobre as ações. Além disso, foram divulgados na página os links para as publicações do projeto no site Recursos Educacionais Abertos (REA), um acervo digital da UFPR. Essas publicações descrevem a montagem e a execução de todos os módulos do Mini-hospital Veterinário, e têm como objetivo disponibilizar o conteúdo para que outras universidades tenham a possibilidade de criar projetos semelhantes.
Agradecimentos
Às escolas que receberam o projeto de braços abertos, para que fosse possível a concretização das atividades; à Pró-Reitoria de Extensão da UFPR e à Fundação Araucária e UFPR, pelas bolsas concedidas ao projeto e também às empresas Nikko Distribuidora e Farmina Pet Foods, pelo apoio.
Referências
01-FUNDAÇÃO CAPES. Medicina veterinária. Documento de Área (Avaliação Quadrienal) Ministério da Educação: Fundação CAPES, 2016. Disponível em: <http://capes.gov.br/component/content/article/44-avaliacao/4640-medicina-veterinaria> . Acesso em 14/03/2017.
02-ISHIKURA, J. I. ; CORDEIRO, C. T. ; SILVA, E. C. Mini-Hospital Veterinário: guarda responsável, bem estar animal, zoonoses e proteção a fauna exótica. Revista Brasileira de Extensão Universitária, v. 8, n. 1, 2017.
03-MALUF, A. C. M. A importância das brincadeiras na evolução dos processos de desenvolvimento humano. Revista Psicopedagogia, 2003.
04-OLIVEIRA, M. A. F. C. ; BUENO, S. M. V. Comunicação educativa do enfermeiro na promoção da saúde sexual do escolar. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 5, n. 3, p. 71-81, 1997.
05-WAJSKOP, G. O brincar na educação infantil. Cadernos de Pesquisa, n. 92, p. 62-69, 1995.
06-PINTO, C. L. ; TAVARES, H. M. O lúdico na aprendizagem: apreender e aprender. Revista da Católica, v. 2, n. 3, p. 226-235, 2010. Disponível em <http://www.catolicaonline.com.br/revistadacatolica2/artigosv2n3/15-pedagogia.pdf>.
07-COSTA, F. S. ; SILVA, J. L. L. ; DINIZ, M. I. G. A importância da interface educação/saúde no ambiente escolar como prática de promoção da saúde. Informe-se em promoção da Sáude, v. 4, n. 2, p. 30-33, 2008.
08-MORENO, M. O desenho: um processo de ensino, aprendizagem e desenvolvimento do processo criativo. Revista Pedagógica, v. 10, n. 21, p. 121-141, 2008. doi: 10.22196/rp.v10i21.319.