Conhecida e temida há pelo menos quatro mil anos, a raiva, enfermidade de causa viral, atinge vários animais mamíferos, inclusive seres humanos. Na antiguidade, a doença era associada à estrela Sirius, também conhecida como Canis Majoris. Ainda na Grécia clássica, os sintomas da raiva eram associados às manifestações de Lyssa, deusa da raiva e da fúria, de onde teria se originado a designação do gênero do vírus rábico, Lyssavírus, embora Aristóteles, no século IV A.C. já associasse sua transmissão às mordidas de cães. Somente no século XIX, a raiva passou a ser controlada, graças às pesquisas do químico e cientista francês Louis Pasteur.
Em 1864 Louis Pasteur começou a investigar o porquê de determinados alimentos e bebidas como o vinho, a cerveja, o leite e seu derivados, azedarem, tornando-se impróprios para o consumo e causando doenças. Para eliminar os microrganismos responsáveis pela fermentação e deterioração dos alimentos, Pasteur criou um método que consiste no aquecimento desses produtos a uma determinada temperatura por um determinado tempo, sendo após disso resfriados bruscamente. Esse método, em homenagem a Pasteur, é conhecido como pasteurização. A pasteurização permite que os produtos sejam transportados com segurança e armazenados por muito mais tempo.
Após a criação da pasteurização, Louis Pasteur passou a investigar as causas da raiva. Na época de Louis Pasteur a vacinação já era conhecida, pois o médico e naturalista inglês Edward Jenner, já havia desenvolvido uma vacina contra a varíola, em 1796. Pasteur acreditava que assim como outras doenças, como a varíola, a raiva poderia ser prevenida e tratada por meio da vacinação. À época, as teorias de Pasteur foram muito criticadas e ridicularizadas.
Apesar dos resultados promissores da vacinação em animais, a vacina da raiva só foi aplicada em um ser humano em 1885. Nesse ano Joseph Meister, de nove anos, foi atacado por um cão raivoso, levando 14 mordidas em sua perna e braço direitos. Meister foi tratado por Pasteur através de 21 doses crescentes de vacina, sendo esse o primeiro caso bem-sucedido de profilaxia pós-exposição para raiva da História. Em outubro do mesmo ano, Louis Pasteur administrou com igual sucesso o mesmo tratamento em Jean-Baptiste Jupille, um pastor de 15 anos que, em Villers-Farlay, entrou em luta corporal com um cão raivoso que ameaçava as crianças do local.
O sucesso obtido no tratamento da raiva em Joseph Meister, Jean-Batiste Jupille e em outros casos, levou à fundação, em 4 de junho 1887, do instituto Pasteur em Paris, um instituto privado, fundado e mantido com recursos de particulares. Um dos financiadores da construção do Instituto Pasteur de Paris foi o imperador brasileiro D. Pedro II, o qual convidou pessoalmente Louis Pasteur para dirigir os trabalhos de saneamento da então capital imperial Rio de Janeiro. Pasteur, já idoso e convalescente de um acidente vascular cerebral declinou ao convite e indicou um aluno seu, o médico brasileiro Oswaldo Cruz. Posteriormente foram fundados, em vários países, outros institutos voltados para o diagnóstico e profilaxia da raiva, todos eles denominados “Instituto Pasteur”, mas sem nenhum vínculo entre si ou com o Instituto Pasteur de Paris. No Brasil, foram fundados “Institutos Pasteur” no Rio de Janeiro, em 1888, no Recife em, em 1889, em Juiz de Fora, em 1910, em Florianópolis, em 1912, além do Instituto Pasteur de São Paulo, em 1903, o único no Brasil a conservar seu nome original. Hoje existem 32 Institutos Pasteur independentes em 28 países, em cinco continentes.
Em 13 de agosto de 1895, por iniciativa do então estudante de medicina, Ulysses de Freitas Paranhos, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a lei Nº 345 a qual Auctoriza o Governo a crear um «Instituto Pasteur». Entretanto, a lei Nº 345 nunca foi regulamentada e Instituto Pasteur de São Paulo foi fundado em 5 de agosto 1903, como entidade privada.
Em 1901 por iniciativa de Ulysses Paranhos (então já formado em medicina) e pelo médico português (exilado político no Brasil, por ser republicano, numa época em que Portugal ainda era uma monarquia) Antônio Maria de Bettencourt Rodrigues, foi iniciada uma campanha para a arrecadação de recursos financeiros destinados à criação do Instituto Pasteur. Logo foi constituída uma Comissão Organizadora coordenada por Ulysses Paranhos, pelo também médico Júlio de Azurem Furtado e pelo engenheiro Clemente Vuonno Netto, que foi também integrada por expoentes da intelectualidade e da sociedade paulista como José Maria do Valle, Diogo de Faria, Roberto Hotinger, Francisco Matarazzo, Guilherme Andrade Villares, Arnaldo Vieira de Carvalho, Alberto Seabra, Joaquim José da Nova, Mathias Valladão, Paulo Bourrol, Sérgio Meira e Victor da Silva Freire. Por indicação e convite da própria comissão, os trabalhos de fundação do Instituto Pasteur foram presididos por Ignácio da Gama Cochrane, ex-deputado provincial e federal por São Paulo e diretor da Superintendência de Obras Públicas.
Em 5 de agosto de 1903 o Instituto Pasteur foi fundado, com sede provisória no consultório de Bettencourt Rodrigues, onde foi iniciado o atendimento à população nos acidentes com risco de raiva. Com a fundação do Instituto Pasteur, Gama Cochrane tornou-se presidente do conselho diretor do recém fundado instituto, conselho esse composto também por Bettencourt Rodrigues (vice-presidente), José Maria do Valle (tesoureiro), Alberto Seabra (primeiro secretário) e Joaquim José da Nova (segundo secretário). Esse Conselho Diretor designou, como primeiro diretor do Instituto Pasteur o médico italiano, Ivo Bandi, professor de higiene e bacteriologia da Faculdade de Medicina de Bolonha e pesquisador do Instituto Bacteriológico (atual Instituto Adolfo Lutz) onde participara das pesquisas sobre febre amarela coordenadas por Adolfo Lutz e Emílio Ribas, em 1902.
Coincidentemente, também no ano de 1895 foi autorizado, pela Prefeitura de São Paulo, o projeto de edificação de autoria do arquiteto italiano Carlo Milanese, da sede atual do Instituto Pasteur, na Avenida Paulista. Construído entre 1896 e 1900, o prédio, inicialmente previsto para abrigar a Casa de Saúde Sanatorium Doutores Comenale, Buscaglia e Pignataro, foi vendido, em 1903 pelos proprietários, por quarenta mil réis, aos fundadores do Instituto Pasteur. Após ampliações para instalação dos laboratórios de pesquisa e produção de vacina antirrábica, a sede foi inaugurada em 18 de fevereiro de 1904, e a produção perdurou até 1958, quando a vacina passou a ser produzida pelo Instituto Butantan.
Devido a desavenças com o então diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, Emílio Ribas, Ivo Bandi demitiu-se, apenas três dias após a inauguração da sede definitiva do Instituto Pasteur, em 21 de fevereiro de 1904. Com a demissão de Ivo Bandi, a direção do Instituto Pasteur foi exercida interinamente por Ulysses Paranhos e Azurem Furtado, até a contratação, para exercício da diretoria do Instituto Pasteur, em 1906, do médico e cientista italiano Antonio Carini.
Nascido em Sondrio, Itália, em 1872, Antonio Carini formou-se médico pela Faculdade de Pavia onde também atuou como professor no Gabinete de Anatomia Patológica, do qual desligou-se para exercer a direção do Instituto de Bacteriologia, Soroterapia e Moléstias Infecciosas de Berna, Suíça. Mudou-se para o Brasil em 1906 especificamente para assumir a Direção do Instituto Pasteur.
Antonio Carini imprimiu ao Instituto Pasteur características de Instituto de Pesquisa, a partir da produção de conhecimentos científicos e formação de recursos humanos. A partir de 1907, o Instituto Pasteur passou a realizar cursos de especialização para profissionais atuantes nas áreas de saúde humana e saúde animal, cursos nos quais as matérias “Parasitologia e Higiene” e “Morfologia e Biologia das Bactérias” eram ministradas pelo próprio Carini, e as demais matérias por seus assistentes Ulisses Paranhos, Eduardo Marques e Francisco Mastrangioli. Esses cursos foram ministrados até 1911, até serem incorporados, em 1912, pela recém fundada Faculdade de Medicina de São Paulo, atualmente Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Sob a direção de Carini, o Instituto Pasteur alcançou grande projeção, tendo recebido na exposição Zootécnica Estadual de 1906, Medalha de Ouro, pelos produtos oferecidos e pelas publicações destinadas à criadores rurais.
Em 1908, ao investigar a epizootia de raiva entre bovinos e equinos no Vale do Itajaí, Santa Catarina, Carini formulou a hipótese, posteriormente comprovada, segundo a qual a raiva poderia ser transmitida por morcegos hematófagos, determinando assim os fundamentos para o estabelecimento do ciclo aéreo de transmissão da doença.
Carini permaneceu na direção do Instituto Pasteur até 1915, quando passou a docente de microbiologia da Faculdade de Medicina de São Paulo. Em 1924 assumiu a direção do Laboratório Paulista de Biologia, posição que ocupou até 1947, quando regressou a Itália, falecendo em Milão, em 1950.
O desligamento de Carini do Instituto Pasteur deu-se em plena crise política e econômica provocada pela I Guerra Mundial (1914/1918), que originou, entre outras dificuldades, queda no montante da doações e contribuições de particulares, com as quais o Instituto Pasteur vinha sendo mantido. Para evitar o colapso da instituição, celebrou-se um acordo com o Governo do Estado de São Paulo, e o Instituto Pasteur foi incorporado pelo Serviço Sanitário do Estado, ficando responsável exclusivamente pela produção da vacina antirrábica e pelo atendimento à população nos casos de acidentes com risco de raiva. A doação das instalações e equipamentos do Instituto Pasteur ao Governo do Estado foi efetivada em 21 de março de 1916, e regulamentada pela Lei Nº 1.525 de 27 de dezembro do mesmo ano (Incorpora o Instituto Pasteur de São Paulo à Diretoria do Serviço Sanitário).
Com a incorporação, o médico Eduardo Rodrigues Alves assume a diretoria do Instituto Pasteur, e solicita à Prefeitura Municipal de São Paulo a autorização para a realização de reformas na sede do Instituto Pasteur, de acordo com projeto do engenheiro arquiteto Guilherme Ernesto Winter. Ao termino da reforma sede, o Instituto Pasteur adquiriu seu aspecto atual, sendo reinaugurado em 1918. Através da Resolução Nº 46 de 19 de março de 2018 do O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, o prédio do Instituto Pasteur situado na Avenida Paulista, 393 foi tombado para fins de “Preservação das características arquitetônicas externas”.
Uma vez incorporado ao Governo do Estado de São Paulo, a partir de 1916, o Instituto Pasteur passou a ser regido pela legislação sanitária estadual. E, menos de um mês após a incorporação, nos termos do Artigo 4º da Lei Estadual Nº 1.516 de 29 de dezembro de 1917 (“Reorganisa o Serviço Sanitário do Estado”) ficou o Instituto Pasteur caracterizado enquanto uma “seção especial” da Diretoria Geral do Serviço Sanitário, encarregado da execução de “serviços especiais”, caráter esse referendado tanto pelo Artigo 14º do Decreto Nº 2.918 de 10 de abril de 1918 (“Dá execução ao Codigo Sanitario do Estado de São Paulo”) quanto pelo Artigo 9º do Decreto Nº 3.876 de 26 de julho de 1925 (“Reorganisa o Serviço Sanitário e repartições dependentes”). O Decreto Nº 4.891 de 13 de fevereiro de 1931 (“Reorganiza o Serviço Sanitario do Estado”) em sua alínea “b” incluiu o Instituto Pasteur entre os “serviços e inspectorias” componentes do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. Menos de um mês depois, o Decreto Nº 4.917 de 3 de março de 1931 (“Transforma a Secretaria de Estado dos Negócios do interior em Secretaria de Estado da Educação e da Saúde Pública e dá outra providências”), Artigo 7º, incorporou o Instituto Pasteur à Diretoria Geral do Departamento de Saúde Pública da Secretaria de Estado da Educação e da Saúde Pública.
O Decreto-Lei Nº 17.339 de 28 de junho de 1947 (“Dispõe sôbre criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Saúde Pública e da Assistência Social e dá outras providências. ”), nos termos de seu Artigo 2º, subordinou o órgão do extinto Departamento de Saúde Pública à Secretaria de Estado dos Negócios da Saúde Pública e da Assistência Social.
A organização da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo em coordenadorias, de acordo com o Decreto 52.182 de 16 de julho de 1969 (“Dispõe sôbre a organização da Secretaria de Estado da Saúde e dá outras providências”) reforçou a especificidade do Instituto Pasteur, em seu Artigo 107º, inciso V, ao incluí-lo entre as instituições vinculadas à Coordenadoria de Serviços Técnicos Especializados. Com efeito, o Decreto Nº 52.505 de 29 de julho de 1970 (“Dispõe sôbre a organização do Instituto Pasteur, da Coordenadoria dos Serviços Técnicos Especializados, da Secretaria de Estado da Saúde, e providências correlatas”) definiu a estrutura organizacional do Instituto Pasteur de acordo com as especificidades de suas atividades.
A transformação da Coordenadoria de Serviços Técnicos Especializados em Coordenadoria dos Institutos de Pesquisa, conferida pelo Artigo 6º do Decreto Nº 26.774 de 18 de fevereiro de 1987 (“Dispõe sobre a organização da Secretaria da Saúde e dá providências correlatas”) não alterou a inserção organizacional do Instituto Pasteur à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, o mesmo se dando com a redenominação atribuída à Coordenação dos Institutos de Pesquisa pelo Decreto Nº 49.343 de 24 de janeiro de 2005, em seu Artigo 2º, inciso “I”, qual seja, Coordenadoria de Controle de Doenças.
Com o advento da Lei Federal Nº 8.080 de 19 de setembro de 1990 (Dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências), o Instituto Pasteur veio a compor o Sistema Único de Saúde.
Atualmente, o Laboratório do Instituto Pasteur realiza cerca de 30.000 exames de detecção do vírus ou anticorpos do vírus da raiva, por ano, sendo o único laboratório do Brasil que realiza diagnóstico in vivo por raiva em seres humanos, além produzir e fornecer para todo o Brasil, insumos ao diagnóstico, com o conjugado antivírus. No Laboratório de Biologia Molecular realiza-se o sequenciamento genético do vírus.
O Instituto Pasteur é também Laboratório Referência Nacional Para Raiva (Ministério da Saúde), além de integrante da Rede de Laboratórios de Referência da Organização Pan-americana de Saúde, e Centro Colaborador em Raiva para a Organização Mundial de Saúde, sendo também o responsável pelo Programa Estadual de Controle da Raiva, o qual realiza todas as ações de vigilância epidemiológica, além de apoiar os municípios nas ações de prevenção, por meio do fornecimentos de insumos e disponibilização de material informativo.
Além da prestação de serviços e produção de conhecimento aplicado, o Instituto Pasteur desenvolve atividades de formação e desenvolvimento de recursos humanos, como o Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Raiva, a concessão de bolsas de iniciação científica, e parcerias com escolas de graduação na área da saúde para a realização de estágios curriculares obrigatórios.
Graças às ações desenvolvidas pelo Instituto Pasteur, no estado de São Paulo, a raiva canina encontra-se controlada.
O advento do Decreto Nº 66. 664, de 14 de abril de 2022 ( Dispõe sobre a efetivação da extinção da Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN, criada pelo Decreto-Lei Nº 232, de 17 de abril de 1970) implicou na diversificação das atividades desenvolvidas pelo Instituto Pasteur, o qual passou também a ser responsável por promover o efetivo controle das doenças transmitidas por vetores e hospedeiros intermediários no Estado de São Paulo, a partir de pesquisas e atividades necessárias ao avanço dos conhecimentos científicos e tecnológicos em cooperação com os esferas municipais do Sistema Único de Saúde, como executores das ações locais de controle, conforme disposições constitucionais, como também assistindo-os no controle de artrópodes peçonhentos e incômodos e outros animais envolvidos na cadeia epidemiológica das doenças transmitidas por vetores.
Referências sugeridas
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