Define e caracteriza crueldade, abuso e maus-tratos contra animais vertebrados, dispõe sobre a conduta de médicos veterinários e zootecnistas e dá outras providências.
O Conselho Federal de Medicina Veterinária – CFMV, no uso das atribuições que lhe são conferidas na alínea “f” e “h”, do artigo 16, da Lei nº 5.517, de 23 de outubro de 1968, e o artigo 4º, da Lei nº 5.550, de 4 de dezembro de 1968;
considerando a proibição de crueldade contra animais expressa no artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
considerando o artigo 32, da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, de Crimes Ambientais, que proíbe atos de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais nativos ou exóticos, domésticos, domesticados ou silvestres;
considerando o art. 29 do Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que trata da prática de ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos;
considerando a EC nº 96/2017 e a Lei Federal nº 13.364/2016, que tratam o rodeio e a vaquejada, como expressões artístico-culturais elevando-as à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial;
considerando as atribuições dos Conselho Federal e Regionais de Medicina Veterinária de fiscalizar o exercício da Medicina Veterinária e da Zootecnia, bem como orientar, supervisionar e disciplinar as atividades dos profissionais, sempre com a finalidade de promover o bem-estar animal e em respeito aos direitos e interesses da sociedade;
considerando a Resolução CFMV nº 1.138, de 16 de dezembro de 2016, que aprova o Código de Ética do Médico Veterinário, e a Resolução CFMV nº 413, de 10 de dezembro de 1982, que aprova o Código de Deontologia e de Ética Profissional Zootécnico, e norteiam comportamentos baseados na manutenção da saúde e na promoção do bem-estar animal;
considerando as competências dos zootecnistas e as privativas dos médicos veterinários relacionadas à criação, manejo, produção, reprodução, atendimento clínico e tratamentos clínicos e cirúrgicos dos animais, respeitadas as respectivas áreas de atuação;
considerando a falta de definição para a caracterização de “crueldade”, “abuso” e “maus tratos” aos animais na legislação para que seja o entendimento na prática da Medicina Veterinária e Zootecnia, principalmente nas situações que envolvam a perícia e julgamentos executados pelos profissionais;
considerando que os médicos veterinários são os profissionais capacitados para identificar, caracterizar e diagnosticar casos de crueldade, abuso e maus-tratos em animais;
considerando que os zootecnistas são os profissionais capacitados para identificar e caracterizar casos de crueldade, abuso e maus-tratos aos animais;
considerando a necessidade de orientar o pessoal envolvido nos locais sob responsabilidade técnica de médico veterinário ou zootecnista no que se refere a necessidade de prevenir e evitar a crueldade, abuso e os maus-tratos aos animais.
considerando que os animais devem ser tratados observando-se os princípios de ética e bem-estar animal;
considerando que bem-estar animal é um conceito que envolve aspectos fisiológicos, psicológicos, comportamentais e do ambiente sobre cada indivíduo; e,
considerando a crescente preocupação da sociedade quanto ao bem-estar animal e o impedimento ético e legal de crueldade, abuso e maus-tratos contra animais.
RESOLVE:
Art. 1º – Instituir norma reguladora relativa à conduta do médico veterinário e do zootecnista em relação a constatação de crueldade, abuso e maus-tratos aos animais.
Art. 2º – Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes definições:
I – animais vertebrados: o conjunto de indivíduos pertencentes ao reino animal, filo dos Cordados, subfilo dos Vertebrados, incluindo indivíduos de quaisquer espécies domésticas, domesticadas ou silvestres, nativas ou exóticas;
II – maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;
III – crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;
IV – abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual;
V – abate: conjunto de procedimentos utilizados nos estabelecimentos autorizados para provocar a morte de animais destinados ao aproveitamento de seus produtos e subprodutos, baseados em conhecimento científico visando minimizar dor, sofrimento e/ou estresse;
VI – transporte – deslocamento do(s) animal(is) por período transitório no qual subsiste com ou sem suporte alimentar e/ou hídrico;
VII – comercialização – situação transitória de exposição de animais para a venda no qual subsiste com ou sem suporte alimentar e/ou hídrico;
VIII – depopulação: procedimento para promover a eliminação de determinado número de animais simultaneamente, visando minimizar sofrimento, dor e/ou estresse, utilizado em casos de emergência, controle sanitário e/ou ambiental;
IX – eutanásia: indução da cessação da vida, por meio de método tecnicamente aceitável e cientificamente comprovado, realizado, assistido e/ou supervisionado por médico veterinário, para garantir uma morte sem dor e sofrimento ao animal;
X – animais sinantrópicos – animais que se adaptaram a viver junto ao homem, a despeito da vontade deste. Podem causar prejuízos econômicos, transmitir doenças, causar agravos à saúde do homem ou de outros animais, portanto, são considerados, em muitos casos, indesejáveis e problemas de saúde pública e/ou ambiental;
XI – corpo de delito – conjunto de vestígios materiais resultantes da prática de maus-tratos, abuso e/ou crueldade contra os animais;
XII – contenção física – uso de mecanismos mecânicos ou manuais para restringir a movimentação visando a proteção do animal ou de terceiros durante procedimentos; e,
XIII – contenção química – uso de fármacos analgésicos, anestésicos ou psicotrópicos, cujo uso é de competência exclusiva de médico veterinário, para restringir a movimentação visando a proteção do animal ou de terceiros durante procedimentos.
Art. 3º – Constitui-se em infração ética a prática, direta ou indiretamente, de atos de crueldade, abuso e maus-tratos aos animais, por médico veterinário ou zootecnista.
Art. 4º – É dever do médico veterinário e do zootecnista manter constante atenção à possibilidade da ocorrência de crueldade, abuso e maus-tratos aos animais.
§ 1° – O médico veterinário e o zootecnista têm o dever de prevenir e evitar atos de crueldade, abuso e maus-tratos, recomendando procedimentos de manejo, sistemas de produção, criação e manutenção alinhados com as necessidades fisiológicas, comportamentais, psicológicas e ambientais das espécies.
§ 2° – O médico veterinário deve registrar a constatação ou suspeita de crueldade, abuso ou maus-tratos no prontuário médico, parecer ou relatório, e o zootecnista, em termo de constatação, parecer ou relatório, para se eximir da participação ou omissão em face do ato danoso ao(s) animal(is), indicando responsável, local, data, fatos e situações pormenorizados, finalizando com sua assinatura, carimbo e data do documento. Tal documento deve ser remetido imediatamente ao CRMV de sua circunscrição, por qualquer meio físico ou eletrônico, para registro temporal, podendo o CRMV enviar o respectivo documento para as autoridades competentes.
§ 3° – Caso a constatação ou suspeita de crueldade, abuso e/ou maus-tratos recaia sobre médico veterinário ou zootecnista, a comunicação deve ser feita também ao CRMV pertinente ao(s) profissional(is).
Art. 5º – Consideram-se maus tratos:
I – executar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os devidos cuidados anestésicos, analgésicos e higiênico-sanitários, tecnicamente recomendados;
II – permitir ou autorizar a realização de procedimentos anestésicos, analgésicos, invasivos, cirúrgicos ou injuriantes por pessoa sem qualificação técnica profissional;
III – agredir fisicamente ou agir para causar dor, sofrimento ou dano ao animal;
IV – abandonar animais; deixar o tutor ou responsável de buscar assistência medico-veterinária ou zootécnica quando necessária;
V – deixar de orientar o tutor ou responsável a buscar assistência médico veterinária ou zootécnica quando necessária;
VI – não adotar medidas atenuantes a animais que estão em situação de clausura junto com outros da mesma espécie, ou de espécies diferentes, que o aterrorizem ou o agridam fisicamente;
VII – deixar de adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento para animais em situação de clausura isolada ou coletiva, inclusive nas situações transitórias de transporte, comercialização e exibição, enquanto responsável técnico ou equivalente;
VIII – manter animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura compatíveis com as suas necessidades e em local desprovido de ventilação e luminosidade adequadas, exceto por recomendação de médico veterinário ou zootecnista, respeitadas as respectivas áreas de atuação, observando-se critérios técnicos, princípios éticos e as normas vigentes para situações transitórias específicas como transporte e comercialização;
IX – manter animais de forma que não lhes permita acesso a abrigo contra intempéries, salvo condição natural que se sujeitaria;
X – manter animais em número acima da capacidade de provimento de cuidados para assegurar boas condições de saúde e de bem-estar animal, exceto nas situações transitórias de transporte e comercialização;
XI – manter animal em local desprovido das condições mínimas de higiene e asseio;
XII – impedir a movimentação ou o descanso de animais;
XIII – manter animais em condições ambientais de modo a propiciar a proliferação de microrganismos nocivos;
XIV – submeter ou obrigar animal a atividades excessivas, que ameacem sua condição física e/ou psicológica, para dele obter esforços ou comportamentos que não se observariam senão sob coerção;
XV – submeter animal, observada espécie, a trabalho ou a esforço físico por mais de quatro horas ininterruptas sem que lhe sejam oferecidos água, alimento e descanso;
XVI – utilizar animal enfermo, cego, extenuado, sem proteção apropriada ou em condições fisiológicas inadequadas para realização de serviços;
XVII – transportar animal em desrespeito às recomendações técnicas de órgãos competentes de trânsito, ambiental ou de saúde animal ou em condições que causem sofrimento, dor e/ou lesões físicas;
XVIII – adotar métodos não aprovados por autoridade competente ou sem embasamento técnico-científico para o abate de animais;
XIX – mutilar animais, exceto quando houver indicação clínico-cirúrgica veterinária ou zootécnica;
XX – executar medidas de depopulacão por métodos não aprovados pelos órgãos ou entidades oficiais, como utilizar afogamento ou outras formas cruéis;
XXI – induzir a morte de animal utilizando método não aprovado ou não recomendado pelos órgãos ou entidades oficiais e sem profissional devidamente habilitado;
XXII – utilizar de métodos punitivos, baseados em dor ou sofrimento com a finalidade de treinamento, exibição ou entretenimento;
XXIII – utilizar agentes ou equipamentos que inflinjam dor ou sofrimento com o intuito de induzir comportamentos desejados durante práticas esportivas, de entretenimento e de atividade laborativa, incluindo apresentações e eventos similares, exceto quando em situações de risco de morte para pessoas e/ou animais ou tolerados enquanto estas práticas forem legalmente permitidas;
XXIV – submeter animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor, estresse e/ou sofrimento;
XXV – fazer uso e/ou permitir o uso de agentes químicos e/ou físicos para inibir a dor ou que possibilitam modificar o desempenho fisiológico para fins de participação em competição, exposições, entretenimento e/ou atividades laborativas.
XXVI – utilizar alimentação forçada, exceto quando para fins de tratamento prescrito por médico veterinário;
XXVII – estimular, manter, criar, incentivar, utilizar animais da mesma espécie ou de espécies diferentes em lutas;
XXVIII – estimular, manter, criar, incentivar, adestrar, utilizar animais para a prática de abuso sexual;
XXIX – realizar ou incentivar acasalamentos que tenham elevado risco de problemas congênitos e que afetem a saúde da prole e/ou progenitora, ou que perpetuem problemas de saúde pré-existentes dos progenitores.
§ 1º – A eutanásia, o abate e a depopulação para fins de controle sanitário, especialmente de animais sinantrópicos, não são considerados maus-tratos, desde que seguidas as normas e recomendações técnicas vigentes para as referidas práticas.
§ 2º – Sistemas produtivos ou de experimentação (ensino e pesquisa) que utilizam alojamento que restringem severamente a movimentação e expressão de comportamentos naturais, a exemplo gaiolas, celas, baias e práticas de manejo, serão tolerados enquanto estes sistemas forem legalmente permitidos.
§ 3º – O médico veterinário ou o zootecnista, observados os respectivos campos de atuação, poderá identificar outros casos de crueldade, abuso e maus-tratos, além dos previstos nos incisos deste artigo.
§ 4º – Cabe ao médico veterinário ou ao zootecnista a autonomia de atuação de suas atividades, respeitando suas respectivas atribuições, ainda que haja prejuízo transitório para o bem-estar animal, desde que com o exclusivo propósito de protegê-lo e/ou curá-lo, e no menor tempo possível para que seja reestabelecida uma boa condição de bem-estar, devendo documentar todo o período de intervenção.
§ 5º – O médico veterinário e o zootecnista têm o dever de orientar os tutores ou proprietários de animais sobre condutas que implicam em maus-tratos, abusos e crueldade e suas consequências, bem como sobre sua responsabilidade quanto ao bem-estar dos animais e suas necessidades.
§ 6º – A caracterização de crueldade, abuso e maus-tratos depende da avaliação da duração e do grau de severidade, quando houver intenção de provocar sofrimento ou sempre que houver o comprometimento de um ou mais dos quatro conjuntos de indicadores.
Art. 6º – Em casos não previstos no caput do artigo 5º, os médicos veterinários procederão ao diagnóstico de crueldade, abuso e maus-tratos mediante exame de corpo de delito consubstanciado em laudo pericial ou parecer técnico, podendo incluir exames necroscópicos ou, em caso de animais vivos, a avaliação da saúde física e comportamental e do grau de bem-estar dos animais, considerando os conjuntos de indicadores nutricionais, ambientais, de saúde e comportamentais, validados em protocolos reconhecidos internacionalmente.
Art. 7º – Em casos não previstos no caput do artigo 5º, os zootecnistas procederão a constatação de crueldade, abuso e maus-tratos mediante termo de constatação, parecer ou relatório, considerando os conjuntos de indicadores nutricionais, ambientais, de saúde e comportamentais, validados em protocolos reconhecidos internacionalmente.
Art. 8º – A não observância do disposto nesta Resolução implicará em infração ética, estando o profissional sujeito às penalidades previstas nos Códigos de Ética das respectivas profissões, sem prejuízo das sanções cíveis, penais ou administrativas, no que couber.
Art. 9º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MV Francisco Cavalcanti de Almeida
Presidente – CRMV-SP 1.012
MV Helio Blume
Secretário-Geral em Exercício – CRMV-DF 1.551