
Os estudos sobre nutrição tiveram grande aumento nos últimos 20 anos, e os conhecimentos sobre essa especialidade relativamente recente no Brasil são cada vez mais importantes para que os profissionais promovam um manejo nutricional adequado.
A inclusão da nutrição nas disciplinas da graduação é crucial para que os futuros médicos-veterinários saibam fazer essa avaliação. Nesta entrevista, o professor dr. Márcio Brunetto, fala sobre a evolução da área de nutrição de cães e gatos e das pesquisas científicas em nosso país. Ele aborda assuntos relacionados, como a interação entre a indústria e a academia, os benefícios da alimentação industrial em relação ao consumo de alimentos não industrializados, a importância de ter um sistema ativo de vigilância e fiscalização de produtos para animais, e onde os estudantes de medicina veterinária podem se informar sobre conteúdos relativos à nutrição e como se envolver em pesquisa.
Márcio Brunetto é professor associado do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ/USP em Pirassununga, SP, e coordenador do Centro de Pesquisas em Nutrologia de Cães e Gatos (Cepen Pet), do Grupo de Estudos em Nutrição Pet da FMVZ/USP e responsável pelo Serviço de Nutrologia Veterinária do Hospital Veterinário da FMVZ/USP. Além disso, é vice-diretor do Hospital Veterinário da FMVZ/USP e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos (SBNutri Pet).
1 – Como você vê o crescimento da área de nutrição de cães e gatos no Brasil nos dias atuais?
Márcio Brunetto (MB) – A nutrição, recentemente reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) como uma especialidade, ainda é uma área bastante nova dentro da temática de cães e gatos. No entanto, nos últimos 20 anos, o número de estudos abordando o tema cresceu de forma exponencial. O Brasil é considerado um país de destaque no que se refere à formação de novos conhecimentos em função do trabalho de grupos de pesquisa já consolidados em diferentes universidades. Certamente o desenvolvimento científico foi e está atrelado à demanda das empresas nacionais por novas informações para aplicar no desenvolvimento de produtos cada vez melhores e mais tecnológicos. Não é à toa que representamos um dos principais mercados mundiais. Assim, a maior demanda pelas empresas resulta em mais investimentos em pesquisas, que, por sua vez, resulta no desenvolvimento do segmento como um todo.
2 – Qual a importância de ter uma disciplina que traga esse conteúdo na graduação?
MB – Desde 2011, a World Small Animal Vete-rinary Association (WSAVA) publicou e divulga as diretrizes de avaliação nutricional pelo Comitê de Nutrição. A partir daquele ano, a avaliação nutricional passou a ser considerada o “quinto sinal vital”. Isso demonstra a importância de os novos profissionais que saem para o mercado de trabalho terem conhecimentos mínimos para avaliar se o manejo nutricional do animal está sendo realizado de forma adequada e o que deveria ser mudado. Uma disciplina na graduação é de fundamental importância para que os futuros médicos-veterinários saibam fazer esse tipo de avaliação, bem como possam diferenciar e recomendar os diferentes tipos de alimentos comercializados no mercado. Uma boa nutrição está relacionada à manutenção do estado de saúde, o que garante maior longevidade.
3 – Como está a pesquisa na área e quais os principais temas atualmente trabalhados?
MB – Ao mesmo tempo em que temos algumas áreas em ampla evolução, ainda existem muitas lacunas nos guias oficiais de recomendações nutricionais para cães e gatos. Por exemplo, temos pouquíssimos estudos que avaliaram teores máximos tolerados em relação aos nutrientes, e muitas das recomendações ainda são especulações. Por outro lado, muitos estudos estão sendo publicados em relação ao microbioma de cães e gatos saudáveis e em diferentes doenças. Também é crescente o número de estudos que empregam as ciências ômicas para o melhor entendimento do metabolismo e com a proposta de identificação de novos biomarcadores.
4 – Como você vê a interação da indústria com a academia na pesquisa sobre nutrição?
MB – Acredito que a indústria de alimentos para cães e gatos seja o segmento que mais investe em pesquisa, quando comparado com outras áreas. Com certeza esse maior investimento está atrelado ao montante que esse mercado representa na área de animais de companhia. O maior investimento faz com que se realizem mais e melhores investigações, e, assim, o segmento cresce como um todo. É importante salientar que, em países de primeiro mundo, uma parcela importante das pesquisas geradas não somente na área de animais de companhia é financiada pela iniciativa privada. Mais pesquisas geram mais informações, que por sua vez resultam em novos produtos, e isso gera maior arrecadação pelo estado, que pode investir mais em outros segmentos e também em pesquisa.
5 – Quais os benefícios da alimentação industrial em relação ao consumo de alimentos não industrializados (comida caseira)?
MB – Segundo as diretrizes da WSAVA, do Colégio Europeu de Nutrição Veterinária comparada (ECVCN) e do Colégio Americano de Nutrição Veterinária (ACVN), os alimentos industrializados são considerados mais seguros no que se refere a uma formulação completa e balanceada. Além disso, tendem a ser mais práticos e ao mesmo tempo mais baratos quando comparados aos alimentos não convencionais completos. Ainda em relação ao custo, a única exceção se faz quando comparamos alimentos industrializados úmidos com alimentos caseiros. Os alimentos úmidos acabam tendo um custo maior
6 – Quais os benefícios da alimentação com produtos caseiros em relação à alimentação com produtos industrializados?
MB – Alguns animais podem preferir a alimentação caseira, e, na prática, acabamos por usá-la com maior frequência em situações clínicas em que os animais apresentam diversas comorbidades associadas – situações essas em que não teríamos um alimento comercial para recomendar.
7 – Como você vê a questão da segurança alimentar para pequenos animais?
MB – Essa é uma exigência cada vez maior e muito importante, uma vez que os pets são considerados filhos e/ou membros da família. As grandes empresas, de modo geral, são bastante criteriosas em relação a esses cuidados, por se tratar de vidas que podem sofrer algum dano ou risco.
8 – Sobre a intoxicação nos petiscos, qual a importância de ter um sistema ativo de vigilância e fiscalização de produtos para animais? Ele existe no Brasil?
MB – É de fundamental importância e, como comentado anteriormente, deve ser uma exigência cada vez maior. Infelizmente, no Brasil a vigilância é bastante falha.
9 – Quais são as atualidades na área de nutrição clínica?
MB – Alguns assuntos estão sempre em alta, como é o caso da obesidade e das endocrinopatias. Nos últimos anos, houve interesse crescente em doenças gastrintestinais, microbioma e disbiose. Os estudos têm demonstrado que a dieta e o manejo nutricional desempenham papel muito importante no controle e no tratamento de algumas delas. Estudos na área de sarcopenia, caquexia e nutracêuticos também são algumas tendências.
10 – Como os alunos podem se informar sobre esses conteúdos relativos à nutrição e se envolver em pesquisa?
MB – Fazer um estágio em local de referência pode ser um bom começo para os estudantes se engajarem em pesquisa. Algumas universidades oferecem programas de iniciação científica na área. Palestras sobre o assunto e textos e artigos de revistas conhecidas também são ótimas fontes, além da participação em eventos da área.