Desafios e armadilhas na jornada do controle de estoque
Ter atenção a eles pode fazer toda a diferença
É fato consumado que todo veterinário deve usar softwares de gestão de informação para gerenciar suas atividades profissionais. Mesmo alunos que participam de atividades nos hospitais-escolas deveriam usar tais ferramentas como parte da preparação para o mundo real. A gestão de dados não é complicada como muitos imaginam: basta conhecer os princípios básicos, definir uma estratégia e começar a alimentar o sistema com dados.
O objetivo principal depende do perfil do usuário. Os estudantes devem poder acessar os prontuários clínicos dos casos apresentados nas aulas práticas e dividir suas observações com os professores e com outros alunos. Os profissionais que clinicam diariamente e usam qualquer tipo de software para controlar os atendimentos acabam ganhando em velocidade no acesso aos dados, o que proporciona mais agilidade e eficiência na prestação de serviços aos seus clientes.
Já as clínicas e hospitais veterinários têm um ponto muito sensível, que é o controle financeiro. Uma empresa dificilmente sobreviverá a um período de dois ou três meses operando no vermelho, portanto, o controle financeiro passa a ser fundamental. Além de permitir um controle preciso das receitas e despesas, o sistema escolhido para gerenciar clínicas veterinárias de qualquer porte deve ter um controle de estoque simples, fácil de usar e munido de muitos recursos e funcionalidades.
O básico
Simplificando a operação, podemos dizer que o controle de estoque se resume em controlar a entrada e a saída de produtos, em que a entrada se dá por meio da compra, e a saída ocorre por uso ou venda. Esse controle deve considerar dois aspectos: quantidades e valores.
Mas, antes de começar a controlar os produtos, alguns sistemas exigem que eles sejam previamente cadastrados. Essa atividade talvez tenha sentido para uma clínica pequena, que basicamente oferece consultas e não tem a opção de venda de produtos, mas, em uma clínica com um volume maior de operações, seria muito caro cadastrar um a um todos os produtos usados e vendidos na clínica.
Felizmente, já é possível fazer o cadastro de produtos de forma automatizada, pelo menos para os comprados com nota fiscal. Ocorre que a nota fiscal de compra é enviada ao comprador em três formatos: em papel impresso e nos formatos eletrônicos PDF e XML. O PDF é apenas uma representação eletrônica do papel impresso e pode ser reimpresso, se necessário. O arquivo XML contém dados da compra no formato digital, sendo portanto recuperável. Em termos práticos, basta submeter esse arquivo ao sistema para que os produtos sejam cadastrados, a operação de venda seja registrada e as quantidades de estoque, atualizadas.
Os produtos cadastrados podem então ser vendidos e usados na rotina da clínica. Em ambos os casos o sistema controla a quantidade de estoque, incrementando a que foi registrada na compra e subtraindo desse total sempre que o registro de venda ou o uso for incorporado ao sistema.
Dados complementares sobre os produtos
O cadastro feito com base nos dados do arquivo XML registra, além no nome, descrição, quantidade e valor, informações complementares que são igualmente importantes no processo de gestão de dados, como, por exemplo, o código de barras e o Número Comum do Mercosul (NCM). Em princípio, um produto não deve ter mais de um código de barras, e, sendo assim, esse código é o dado usado para verificar se um determinado produto está cadastrado no sistema. No momento da venda do produto, o usuário pode usar o leitor de código de barras para localizar o produto a ser vendido rapidamente. Além do código de barras, a nota fiscal eletrônica no formato XML contém, obrigatoriamente, o NCM. O site da Receita Federal o define como: “O NCM toma por base o Sistema Harmonizado (SH), uma expressão condensada do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias mantido pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA), que foi criado para melhorar e facilitar o comércio internacional e seu controle estatístico”. Na prática, o NCM é a base para o cálculo de tributos a serem pagos à Receita Federal. Emitir nota fiscal de venda de um produto com NCM errado pode acarretar gastos incorretos com impostos, além de expor o estabelecimento ao risco de ser multado.
Além das informações que constam no arquivo XML da nota fiscal de compra, os produtos precisam ser atualizados no sistema com dados contábeis, como alíquotas, classificações e outros parâmetros, cujos valores precisam ser validados pelo contador. Em resumo, depois de cadastrar os produtos de maneira automática pelo sistema, via XML, o usuário ainda terá que checar, alterar e validar as informações complementares, sob o risco de operar em desacordo com as leis.
Desafios e armadilhas
Manter a lista de produtos padronizada é sem dúvida um desafio enorme. O fato é que não existe um nome único para os produtos. Os distribuidores vendem produtos idênticos, mas com nomes diferentes. Apenas como exemplo, imagine que, ao comprar o produto Ringer Lactato 500 mL no distribuidor A, o sistema registra o produto na base de dados com esse nome, e seu uso pode ser registrado no sistema. Em um segundo momento, meses depois, uma nova compra é feita, agora no distribuidor B, e no arquivo XML entregue consta o produto Soro Ringer Lactato 500 mL Marca B. Nesse caso, é importante que o usuário possa definir a melhor estratégia para tratar essa questão. Existem basicamente duas possibilidades: o sistema pode criar um segundo produto no sistema ou comparar o código de barras dos dois, e, ao identificar que se trata do mesmo produto, apresentar a possibilidade de o usuário decidir qual dos nomes será registrado no sistema, evitando assim o cadastro duplicado de produtos na base de dados.
O registro duplicado talvez seja um dos problemas mais comuns na gestão do controle de estoque e impacta a rotina do médico-veterinário em diferentes aspectos. Ao registrar o uso do produto no sistema, o usuário terá sempre que decidir qual dos dois produtos deve selecionar, e certamente a probabilidade de errar será alta; se houver erro, no final do mês o controle de estoque também vai estar errado, ou seja, a quantidade de estoque que consta no sistema será diferente da quantidade física do produto na prateleira. Ao subestimar a questão do cadastro duplicado de produtos, o médico-veterinário estará caindo em uma armadilha perigosa, e, caso não corrija a rota rapidamente, em alguns meses seu controle de estoque estará uma grande bagunça, e o trabalho para corrigi-lo será enorme.
Outro desafio importante se refere à questão dos dados contábeis. É fundamental que o contador valide as informações de produtos e acompanhe o processo de emissão de nota fiscal eletrônica diretamente do sistema. Somente ele poderá orientar a respeito do NCM correto, de alíquotas e da classificação do estabelecimento na Receita Federal.
Além disso, o médico-veterinário deve estar preparado para lidar com situações em que o código de barras não exista e entender que, nesses casos, ele não poderá emitir nota fiscal de venda do produto. A legislação ainda permite que isso seja feito, mas alguns especialistas argumentam que a Receita Federal acabará por proibir a emissão de nota fiscal de produto sem código de barras. Algumas situações em que o código de barras não existe são comuns na rotina das clínicas veterinárias, como no caso de produtos artesanais (roupas, camas, enfeites e acessórios para animais) e na venda fracionada ou a granel (ração por quilo, comprimidos e sachês).
Estratégias de gestão
O veterinário ou gestor que está à frente das tarefas de gestão financeira e operacional da clínica deve definir a melhor estratégia para o controle do estoque. Há dois caminhos básicos: controlar todos os produtos, independentemente do valor, ou apenas os mais importantes. Ao decidir controlar todos os produtos, o gestor empregará um certo tempo com atividades relacionadas a produtos de valor muito baixo, como uma agulha, uma luva descartável ou uma ampola de Plasil, por exemplo. Essa é uma prática comum em hospitais; os gestores argumentam que o volume alto justificaria o controle nesse nível. Contudo, vale a pena conhecer um conceito muito popular na área de administração de empresas, a curva ABC.
Trata-se de uma metodologia muito eficiente para a tomada de decisões e a definição de prioridades. A curva ABC é uma metodologia que classifica informações e/ou itens segundo o seu grau de importância. Essa ferramenta também é conhecida como análise de Pareto ou Lei 80/20, e determina que 80% dos resultados são fruto de apenas 20% dos esforços.
Em resumo, agrupamos os produtos em três classes (A, B e C), considerando indicadores como valor de venda, lucratividade e volume de vendas, e passamos a controlar apenas os classificados na categoria A, ignorando o que ocorre com os produtos classificados como B e C. A metodologia é baseada no fato de que o custo para controlar os produtos classificados como B e C é mais alto do que o benefício financeiro decorrente de geri-los.
Referências sugeridas
1-Receita Federal. https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/classificacao-fiscal-de-mercadorias/ncm
2-Curva ABC: o que é e como utilizar essa ferramenta para gerir seu estoque. https://blog.tecnospeed.com.br/curva-abc/