Vivemos no Brasil uma situação bastante preocupante para a nossa profissão. O grau de conhecimento que cada médico-veterinário tem sobre a educação, as oportunidades de emprego, a satisfação pessoal, as expectativas plausíveis a respeito do mercado, dos desafios e da real situação de nossa profissão – e também do universo mais amplo em que está inserido – é sempre muito pessoal, particular e inclusive restrito. Investir esforços em conhecer melhor nossa realidade para podermos programar nosso futuro com uma visão mais clara dos próximos passos é fundamental para o planejamento e o gerenciamento da profissão.
Para tratar desses temas emergentes e contribuir para um melhor conhecimento do panorama da medicina veterinária brasileira, um grupo de médicos-veterinários e especialistas em educação e demografia liderado pelo médico-veterinário Felipe Wouk produziu um importante estudo demográfico nacional, o livro Demografia da medicina veterinária do Brasil 2022. Além dos números, parte essencial de qualquer estudo demográfico, a obra trata de aspectos sociais da formação e do exercício profissional de médicos-veterinários brasileiros, essenciais para melhor planejar ações com foco na valorização profissional.
No Brasil, com 214 milhões de habitantes, no final de 2022 tínhamos 166 mil profissionais em atividade. Segundo o site do Ministério de Educação e Cultura (MEC), na época do estudo o país já tinha 536 cursos de medicina veterinária ativos – somos um dos países com maior número de profissionais e de cursos do mundo. Em comparação com os Estados Unidos, por exemplo, com população à época de 328 milhões de habitantes (50 por cento a mais que o Brasil), o número de médicos-veterinários e cursos é bem menor – 121 mil veterinários e 33 cursos.
Uma comparação com a Europa também é ilustrativa. Nos 39 países membros da Federação Europeia de Veterinária (FVE) no momento do estudo, para uma população de 819 milhões de habitantes havia 309 mil médicos-veterinários e 52 cursos, formando 8 mil profissionais por ano. E já havia na Europa excesso de médicos-veterinários.
No Brasil, em 2017 tínhamos 117 mil médicos-veterinários atuantes. Em 2021, esse número saltou para 154 mil – crescimento de 23 por cento em quatro anos.
Os dados e considerações dessa importante pesquisa demográfica visam informar e permitir melhor reflexão, e são ferramenta valiosa para toda a comunidade médico-veterinária, para os formadores de opinião e para aqueles que, com suas decisões e ações, influenciam o destino da nossa profissão.
O coordenador da obra, Felipe Wouk, é professor titular aposentado de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná. O prefácio é do dr. Bernard Vallat, ex-diretor-geral da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e criador, no âmbito dessa organização, da Comissão ad-hoc de Educação de Medicina Veterinária, que produziu vários documentos norteadores da educação veterinária.
A quantidade exagerada de profissionais e de escolas que os formam é somente menos alarmante que a qualidade dessa formação. Se existem cursos excelentes e bons, existe também uma grande predominância de cursos de qualidade duvidosa, cuja abertura e existência surpreende a todos e causa receio e mesmo pânico em relação ao futuro dos profissionais – futuros colegas – que entram no mercado. A própria confiabilidade da profissão tem sido colocada em análise, e isso pode ser facilmente comprovado pelo crescente número de processos éticos e na justiça.
É imprescindível que os médicos-veterinários entendam a situação e se integrem em ações para melhorar a qualidade profissional.
Trabalhos como o da equipe do dr. Felipe Wouk são extremamente bem-vindos e trazem a oportunidade do conhecimento e da reflexão – tão necessários neste momento.