Em dezembro, chamou-me a atenção num simpósio a maneira como um dos palestrantes se referiu aos tutores que ignoram certas informações. É muito comum, desde nossa formação universitária, ver um colega assumir um tom de superioridade, de detentor de um saber, e julgar com menosprezo aqueles que não detêm esse conhecimento.
Nesta edição, trazemos a comunicação não violenta como tema fundamental de gestão. Ela evita problemas e até processos éticos e civis em situações extremas na relação entre empresas e clientes. Isso sugere fazer uma avaliação atenta de todas as nossas formas de relacionamento – entre médicos-veterinários e tutores, entre os próprios médicos-veterinários, entre patrões e funcionários de estabelecimentos veterinários, entre seres humanos e outros animais. Atentar para o modo como tratamos os demais nos dá uma preciosa oportunidade de examinar também a maneira como nos relacionamos com nossos medos, carências, desejos e culpas, além de outros aspectos. Sabemos hoje que o atendimento livre de medo proporciona melhores condições de conforto e segurança aos animais – e a seus tutores –, e são muitos os estabelecimentos que já oferecem esses benefícios. Mas os profissionais também devem cuidar da sua relação com os tutores, respeitando suas dúvidas, necessidades, curiosidades, medos e anseios. Em suma, atentar para o quadro do outro, seja o animal, o tutor ou o colega – e nós mesmos, colocados em autoexame.
Ao menosprezar e desqualificar um tutor, mesmo que isso seja feito sutilmente, deixa-se de exercitar a atenção, a delicadeza, o cuidado, a empatia. E com isso perde-se a oportunidade de obter crescimento pessoal. Muitas vezes ouve-se o médico-veterinário dizer: “Gosto de animais, não gosto de gente”. Pode-se até entender um pronunciamento como esse, mas, se prestarmos atenção, veremos como é frágil esse pensamento. O animal tem um tutor que o alimenta, cuida da sua higiene, segurança, compra medicamentos para ele e os administra. Um médico-veterinário precisa se aliar aos seres humanos, aceitá-los, orientá-los com compaixão e empatia, e oferecer seu trabalho amorosamente, especialmente àqueles com os quais o convívio é mais difícil, para não comprometer o exercício da medicina veterinária.
Nunca tivemos tantos processos éticos e civis. Muitos decorrem do despreparo técnico no atendimento, mas boa parte tem raiz na falta de uma relação mais positiva entre os seres humanos. Sim, alguns tutores talvez sejam incompetentes, ignorantes, mentirosos, mal-intencionados ou incapazes, mas não devemos, como pessoas vinculadas à ciência, basear nossas relações tendo isso como um pressuposto definitivo. Todos temos experiências negativas com pessoas que agiram ou agem de forma contraproducente. Mas generalizar, proclamar que esse é o padrão geral e realimentar essa crença é impedir o caminho para situações futuras mais positivas. Abrir espaço interior para o outro, para atitudes positivas, inclusivas e amorosas, controlar nossa negatividade, alterar o padrão vibracional interior, tudo isso cria um clima favorável para que os outros ofereçam também o seu melhor. A empatia, a compaixão, a delicadeza, a amorosidade e a positividade proporcionam maior eficácia aos tratamentos.
Este editorial traz um voto para este ano de 2024 que se inicia: que nos empenhemos em desenvolver internamente o amor pelo outro, usando nosso conhecimento não para nos sentirmos melhores que os demais, mas para que o outro melhore sua qualidade de vida a partir da nossa contribuição e orientação. Assim cultivaremos relacionamentos mais felizes e melhores perspectivas profissionais.