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Editorial

A banalização da violência

A banalização da violência

Matéria escrita por:

Maria Angela Sanches Fessel

2 de jan de 2020

Créditos: Darkdiamond67 Créditos: Darkdiamond67

Um dos assuntos que dominaram as redes sociais no final do ano passado foi a intervenção policial numa rinha de cães em Mairiporã, SP. Debateu-se muito a questão legal, a falta de rigor na aplicação da lei, a relativa inoperância da justiça. Mas discutiu-se pouco a questão da violência em si, até que ponto ela é incentivada e aceita passivamente em nossa sociedade. Convivemos com ela como se fosse algo natural – e não é.

A pensadora alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975) é uma das referências no tratamento da questão da banalização do mal – especialmente oportuna para quem, como nós, trabalha pela eliminação do sofrimento animal.

Arendt abordou o tema a partir do cenário do Holocausto nazista. Para ela, o principal fator que torna os seres humanos capazes de ações de destruição e morte é a sua submissão ao processo de massificação e o fato de aceitarem que as organizações humanas decidam as coisas por eles, em função de preceitos meramente técnicos. Por que a violência doentia é tão facilmente aceita na sociedade? Por que é tão presente na mídia, por que é tão justificada como recurso da repressão policial, por que seduz tanto no discurso político?

A violência acompanha o ser humano desde sempre – a violência endêmica no tecido social, o extermínio de índios pelos conquistadores e que prossegue ainda hoje, a escravização, a violência doméstica, as guerras, além de todas as formas mais sutis, mas não menos nocivas de violência social e psicológica.

Nesse cenário, com um mundo anestesiado e incapaz de reagir à disseminação e à naturalização de todas as formas de violência, a permissão para que cachorros, galos, gatos, e outros se matem causa menos choque do que deveria. Mas é um alerta para refletirmos melhor, não somente sobre a violência contra animais, mas contra o próximo, o meio ambiente, a mulher, os que são diferentes, os mais fracos, até mesmo contra crianças, idosos e doentes. Convivemos com a violência há milênios, mas isso não justifica encará-la como normal. Não pode e não deve justificar.

Uma das formas da violência é o impulso disseminado de eleger bodes-expiatórios, de ver a justiça como uma espécie de retaliação e de vingança. Houve indignação com a libertação das pessoas que promoveram a rinha. Mas apenas prender não tem rendido em nenhuma área os frutos esperados, a não ser como vingança. Trata-se de um tema complexo, mas que deveria partir de uma reflexão sobre a banalização da violência. Só essa reflexão pode gerar conclusões e ações que mudem totalmente o atual cenário.

Um filho diz à mãe: “Todo mundo faz isso”. E a mãe retruca: “Você não é todo mundo”. Na questão da violência, a maioria ainda age como criança e vai atrás do que os outros fazem, mesmo sendo inadequado, injusto ou desumano. É o grupo que valida a ação violenta, seja na Alemanha nazista, seja numa rinha de cães; é o grupo que torna a violência algo aceitável. As pessoas seguem o grupo para serem aceitas e validar os próprios impulsos violentos. Quando Jesus disse: “Quem estiver livre de pecado, que atire a primeira pedra”, ninguém atirou. Por quê? Porque era o grupo que validava algo que individualmente ninguém faria.

Temos sempre a oportunidade de olhar e pensar: “Posso fazer melhor, não preciso me juntar ao grupo”. Ganhar maturidade como pessoa implica essa autoanálise básica, essa escolha fundamental entre endossar a ação do grupo ou colocar-se à parte. Só a consciência individual pode definir se a ação do grupo é adequada ou não. É indispensável ir além da questão aparente e refletir sobre a essência do funcionamento da mente humana coletiva e individual. Cabe a nós fazê-lo.

Vale a pena citar o filósofo e economista britânico John Stuart Mill, do século XIX: “O mal, para triunfar, precisa apenas da inação dos homens de bem”.