Clínica veterinária
Médicos-veterinários foram à linha de frente para salvar animais vítimas do fogo
Médicos-veterinários foram à linha de frente para salvar animais vítimas do fogo
De janeiro a 3 de outubro, o Pantanal já teve 26% de sua área incendiada, segundo o Ibama
Neste ano, os incêndios na Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e, principalmente, no Pantanal, aumentaram de forma significativa, colocando em alto risco a biodiversidade. Na luta pela conservação, médicos-veterinários voluntários se dedicaram a resgatar animais, mesmo em situações caóticas. Para estes profissionais, cada vida importa.
“Salvar alguns em meio a um grande desastre pode fazer toda a diferença para que populações de espécies possam se restabelecer”, frisa a médica-veterinária Luciana Guimarães Santana, integrante do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (Grad), que participou de ações no Pantanal. “É desesperador ver o fogo avançando e os animais encurralados.
“Luciana comenta sobre ocasiões em que os animais simplesmente se entregaram quando encontrados, a exemplo de um filhote de macaco prego. “Ele mal resistiu à captura e, no carro, dormiu facilmente no meu colo, enquanto recebia a medicação”, conta a profissional, emocionada. O animal teve a pata necrosada devido à gravidade das queimaduras e ao tempo que permaneceu sem assistência até ser encontrado. A amputação foi inevitável.
Resgatados seguem em tratamento
Assim como o Grad, equipes de outras organizações atuaram em resgates no Pantanal, como a Ampara Silvestre e o Reproduction 4 Conservation (Reprocon), que além dos resgates, monitorou e documentou 30 onças pintadas que não precisaram de intervenções.Dentre os casos mais dramáticos, dois chegaram ao Instituto No Extinction (NEX), em Goiás. Um deles foi o da onça batizada de Amanaci, que foi notícia internacionalmente, pela gravidade das queimaduras nas patas.
“Eram feridas chocantes, provocadas por queimaduras de terceiro grau, com exposição óssea e de tendões. O animal chegou em um estado inacreditável”, disse o médico-veterinário Thiago Luczinski, responsável técnico pelo NEX.
Amanaci está em tratamento com células tronco e apresenta melhora considerável. “A reconstrução dos tecidos tem sido célere. Embora ainda sejam graves, as feridas já apresentam aspecto bem melhor”, conta Luczinski, sobre a onça que, após a recuperação, terá seu local de destino decidido por órgãos oficiais.
Médica-veterinária Luciana Santana – Arquivo Pessoal
Cenário desafiador
Os voluntários atuam, também, nos bastidores dos resgates, com documentações e contatos para viabilizar doações e parcerias. Outra vertente do trabalho é a instalação de cochos com água e alimentos em pontos estratégicos para animais sobreviventes. Entre os entraves enfrentados, o médico-veterinário Pedro Nacib Jorge-Neto, que faz parte o Reprocon e também esteve no Pantanal, menciona dificuldade de acesso e de comunicação, além do desgaste físico dos profissionais, pelas altas temperaturas, fumaça e ar seco.
Outro ponto desafiador apontado por Jorge-Neto foi a burocracia para a locomoção de animais e para ações mais efetivas. “Para a dimensão do problema, eram irrisórios os recursos de força pública que vimos serem empenhados. O sentimento é de frustração.
”Luciana compartilha da visão de Jorge-Neto. “Ao contrário das situações de Mariana e Brumadinho, em que empresas eram responsáveis por providenciar recursos e estruturas, no Pantanal não havia este apoio”, diz a profissional, fazendo um comparativo com sua experiência quando houve o rompimento das barragens em Minas Gerais.
Perdas sem precedentes
Sobre a perda de habitat, Caio Filipe da Motta Lima, membro da Comissão Técnica de Médicos-veterinários de Animais Selvagens do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), enfatiza que, se parte da vegetação apresentará resiliência em alguns meses, outra parcela não voltará à mesma diversidade. “O impacto é a ausência de alimentos e abrigo às espécies, além de conflitos por competição pelos territórios escassos, fatores que aumentam as chances de mortalidade”, comenta Lima. Segundo o profissional, estas interferências serão observadas nos próximos anos em áreas atingidas por incêndios.
Presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP, Elma Pereira dos Santos Polegato diz que “a perda é imensurável, com comprometimento genético de espécies que podem ser dizimadas”. Isso porque o fogo avança e afeta, inclusive, corredores ecológicos que ligam os biomas Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica. “Os animais ficam sem saída”, enfatiza Elma, sobre o que Lima comenta como “efeito cascata” de perda da biodiversidade. “Os danos não se limitam às áreas queimadas. Até os peixes de bacias hidrográficas a quilômetros de distância serão afetados pelos desequilíbrios na cadeia alimentar”, diz o médico-veterinário, sobre a extensão do problema.
Nesta conta de tantas subtrações, as populações ribeirinhas e indígenas estão entre as vítimas, uma vez que ficam sem recursos naturais, além de terem suas culturas afetadas.
Estruturação de ações é urgente
Elma e Lima ressaltam a necessidade de ações preventivas e de recuperação mais enfáticas. “É preciso quebrar a barreira de impasses políticos e investir, efetivamente, em medidas de preservação, com valorização da ciência e equilíbrio de valores e culturas humanas em relação à conservação”, frisa Lima.
Segundo Elma, a degradação de ecossistemas reduzem a oferta de serviços de apoio à vida, o que, em muitos casos, leva a consequências negativas sobre a saúde e o bem-estar de humanos e animais. “Até o risco de doenças infecciosas é um reflexo deste cenário”. A médica-veterinária lembra que ecossistemas, bem como as atividades de produção de alimentos, dependem de uma série de organismos: produtores primários, herbívoros, carnívoros, decompositores, polinizadores, patógenos, inimigos naturais das pragas.
Redução de habitat em números
Elma ressalta que o Brasil liderou a agenda ambiental global de 2004 a 2012, reduzindo em 80% o desmatamento neste período. Isso ocorreu com demarcação de territórios, melhoria na capacidade de implementação da legislação, fortalecimento dos órgãos ambientais e, sobretudo, uma mensagem de combate ao desmatamento. “Entretanto, observa-se a perda destas conquistas.
”Para se ter uma ideia, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de janeiro até 3 de outubro, o equivalente a 26% do Pantanal foram destruídos pelo fogo.
A Amazônia teve 7,6 mil focos apenas em agosto, o maior registro para a época desde 1998, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em áreas verdes de São Paulo remanescentes da Mata Atlântica, as ocorrências de fogo foram de 2 mil, de janeiro a setembro do ano passado, para 4,2 mil, no mesmo período deste ano, segundo o Inpe. Os números representam alta de mais de 100% na incidência de incêndios florestais.
No Cerrado, também segundo o Inpe, houve redução na incidência de queimadas em relação aos anos anteriores. Ainda assim, apenas neste ano, foram 21,4 mil ocorrências registradas pelo órgão.
Leia também
Grupo de Resgate Animal de Belo Horizonte - GRABH
VI Simpósio Internacional de Medicina Veterinária em Desastres
Clínica veterinária
Médicos-veterinários têm 50% de desconto no Projeto Tamar em setembro!