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A ilha dos gatos abandonados

A ilha Furtada, no estado do Rio de Janeiro, é o destino final de centenas de gatos indesejados

Matéria escrita por:

Jully Kosloski, Alexander Welker Biondo

25 de out de 2021

O abandono de felinos na ilha dos gatos vem ocorrendo há pelo menos 70 anos, a ponto de ser considerado até parte da cultura local. Créditos: Fernando Gonsales O abandono de felinos na ilha dos gatos vem ocorrendo há pelo menos 70 anos, a ponto de ser considerado até parte da cultura local. Créditos: Fernando Gonsales

Introdução

No estado do Rio de Janeiro, no munícipio de Mangaratiba, existe uma pequena ilha, a 8 quilômetros do continente, oficialmente chamada de ilha Furtada, mas popularmente conhecida por outro nome: ilha dos Gatos. Mesmo sendo considerado crime ambiental, o abandono de felinos na ilha vem ocorrendo há pelo menos 70 anos, sendo até considerado parte da cultura local. Não se sabe exatamente como os primeiros animais chegaram lá, mas, de acordo com as lendas locais, uma família tentou habitar a ilha em meados de 1950, e, ao desistir, deixou para trás alguns felinos, que começaram a se reproduzir 1,2.

Não há alimentos suficientes ou água potável na ilha; aves e outros pequenos animais já não são mais encontrados no local. Voluntários de organizações não governamentais (ONGs) locais vão frequentemente à ilha para deixar ração e água para os animais. Já a Secretaria de Saúde do município pede que a população não alimente os gatos, alegando que isso encoraja o abandono no local. Entretanto, ambos os órgãos concordam que a população de felinos deve ser controlada. Para isso, os animais são capturados e esterilizados. Após a esterilização, os felinos sociáveis são destinados para a adoção, enquanto os ferais são devolvidos à ilha, devido à lotação de abrigos e à incapacidade de socializá-los 1,3.

Apesar dos esforços das ONGs e do município, a população de gatos continua aumentando, devido à procriação desenfreada dos animais e ao aumento de abandonos durante a pandemia de Covid-19, o que gera um grande impacto ambiental no ecossistema da ilha 1,3.

 

A problemática 

Os gatos se adaptaram com grande sucesso a diversos ecossistemas e tornaram-se predadores dominantes em muitas ilhas, em áreas de mata suburbanas e áreas urbanas. Apesar de serem animais de companhia, mantiveram em sua evolução características de semi ou total independência em relação ao homem, podendo ser classificados em três categorias, de acordo com o local e a forma como vivem: gatos domésticos, que estão sob os cuidados de um tutor; gatos errantes, que perambulam em torno de cidades ou propriedades rurais e não têm tutores, mas podem depender de recursos fornecidos por seres humanos; e gatos ferais, que vivem e se reproduzem em estado selvagem, sobrevivendo por meio da caça ou da procura por restos de alimentos, de forma que suas necessidades não são satisfeitas intencionalmente por seres humanos 4,5.

Em 2012, a população de gatos na ilha foi estimada em 250 animais; já em 2020, a Subsecretaria de Proteção e Bem-Estar Animal do Rio de Janeiro (Supan) estimou que aproximadamente 750 gatos viviam no local. Durante o ano de 2020, com a pandemia do novo SARS-CoV-2, o número de gatos na ilha cresceu substancialmente. Mesmo antes do contexto da pandemia, o abandono de animais no Brasil já era comum. Apesar de o ato de abandonar animais se enquadrar na prática de maus-tratos prevista no artigo 32 da Lei Federal de Crimes Ambientais n° 9.605/98, estima-se que no Brasil existem mais de 30 milhões de animais abandonados. A crise ocasionada pelo coronavírus no Brasil deixou milhares de tutores sem condições de cuidar dos seus animais, o que sobrecarregou muitos abrigos, que acabaram sem espaço para acolhê-los, levando muitos deles ao abandono. As justificativas para o abandono são variadas, desde desemprego, diminuição da renda e o medo de contrair o coronavírus dos animais de estimação. Algumas pesquisas realizadas por ONGs revelaram que o número de abandono de animais cresceu seis vezes mais em relação aos anos anteriores à pandemia. No estado do Rio de Janeiro, os pedidos de recolhimento de animais cresceram para mais de 700 solicitações diárias 1,6,7.

Além disso, outros motivos – como problemas de saúde, agressividade, falta de vínculo emocional (apego) do tutor para com o animal, expectativa errada e falta de conhecimento sobre o comportamento natural da espécie, agressões e doenças – parecem estar ligados ao abandono dos felinos. Em suma, animais indesejados e sem tutela geram aumento na população de felinos abandonados e, consequentemente, todos os transtornos acarretados por eles, como prejuízos à fauna e à saúde pública, além do fato de serem potenciais transmissores de doenças contagiosas, como toxoplasmose, raiva e leptospirose 4,5,8.

Por fim, a introdução de uma espécie exótica invasora em ambientes silvestres leva a alterações antrópicas que ameaçam diversas espécies nativas. A predação, a competição e a veiculação de doenças domésticas para a vida silvestre representam um grande risco para a fauna nativa. As características biológicas e comportamentais dos gatos domésticos permitem grande adaptabilidade às áreas naturais, favorecendo a exploração e a ocupação dos ambientes, razão pela qual a ação dos felinos é apontada como um dos principais motivos da perda de espécies, principalmente em ilhas 4,9.

 

Considerações finais

O fato de o abandono de gatos na ilha estar acontecendo há pelo menos 70 anos nos faz refletir sobre a falta de ações e de leis e o descaso por parte do poder público para impedir que essa situação continue. Estratégias como a esterilização dos felinos para frear o crescimento desordenado da população e a guarda responsável, não somente no contexto da pandemia, devem ser incentivadas para minimizar os impactos causados pela presença desses animais em áreas silvestres.

 

Referências

01-McCOY, T. People have abandoned hundreds of cats on a desert Brazilian island. Officials aren´t sure how to save them. Rio de Janeiro: The Washington Post, 2021. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/2021/06/04/coronavirus-brazil-cat-island/>. Acesso em 28 de junho de 2021.

02-MACHADO, R. A misteriosa Ilha onde 750 gatos selvagens vivem sozinhos. R7 Estúdio, 2020. Disponível em: <https://estudio.r7.com/a-misteriosa-ilha-onde-750-gatos-selvagens-vivem-sozinhos-17072020#/foto/1>. Acesso em 28 de julho de 2021.

03-SOUZA, J. A Ilha infestada de gatos selvagens que virou um problema para uma cidade. Rio de Janeiro: UOL, 2021. Disponível em: <https://historiasdomar.blogosfera.uol.com.br/2021/03/27/a-ilha-infestada-de-gatos-selvagens-que-virou-um-problema-para-uma-cidade/>. Acesso em 28 de junho de 2021.

04-PEREIRA, G. J. C. ; SANTOS-PREZOTO, H. H.  DIAS, A. M. N. ; OSHIO, L. T. Estudos científicos sobre gatos ferais no Brasil. Pubvet, v. 14, n. 5, p. 1-8, 2020. doi: 10.31533/pubvet.v14n5a571.1-8.

05-FERREIRA, G. A. ; OLIVEIRA, E. N. ; GENARO, G. Gatos: vilões ou vítimas? Revista Expedição de Campo, n. 3, p. 22-26, 2012.

06-AZEVEDO, S. V. A problemática do abandono de animais domésticos frente à pandemia do coronavírus no Brasil. 2020. 27 f. Artigo Científico (Curso de Direito) – Escola de Direito e Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2020.

07-BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1998.

08-MACHADO, D. S. ; MACHADO, J. C. ; SOUZA, J. O. T.  SANT’ANNA, A. C. The importance of responsible cat ownership: practical aspects and connections with animal welfare. Revista Acadêmica: Ciência Animal, v. 17, p. 1-13, 2019. doi: 10.7213/1981-4178.2019.17103.

09-FERREIRA, G. A. Gatos domésticos em ambiente insular de Mata Atlântica: potenciais impactos sobre mamíferos silvestres e a castração como estratégia para conservação. 2016. 167 f. Tese (Doutorado em Ecologia Aplicada ao Manejo e Conservação de Recursos Naturais) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2016.