Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a abordagem em Saúde Única sugere a cooperação multidisciplinar e multissetorial nas áreas de saúde humana, animal e ambiental para a pesquisa científica, o desenvolvimento e a implementação de leis e de políticas públicas em saúde¹.

A criação de índices – ou seja, a combinação de indicadores ou variáveis que sintetizem um conceito abstrato e complexo em um único valor para comparação de realidades distintas – pode ser de grande valia para o desenvolvimento, a mensuração e a avaliação de políticas públicas².

Apesar do conceito abrangente e indissociável de Saúde Única, o primeiro índice prático que sintetiza essa abordagem para avaliação da saúde humana, animal e ambiental entre diferentes cidades, estados e países foi proposto em 2022 e publicado no periódico One Health sob o título “One Health Index (OHI) applied to Curitiba, the ninth-largest metropolitan area of Brazil, with concomitant assessment of animal, environmental, and human health indicators”. O trabalho teve por objetivo comparar a saúde das 29 cidades pertencentes à região metropolitana de Curitiba, PR, a nona maior do Brasil³.

Construindo o Índice de Saúde Única

Indicadores para saúde humana, animal e ambiental foram selecionados e parametrizados, e a análise estatística para geração do Índice de Saúde Única (ISU) dos 29 municípios da região metropolitana foi aplicada associando a população da cidade, a renda per capita e a distância dessa cidade até a capital Curitiba.

Para avaliar a saúde humana, foi utilizado como indicador geral o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) ajustado, que originalmente conta com dezesseis indicadores sociais relativos a infraestrutura urbana, capital humano, renda e trabalho. Os indicadores selecionados para avaliar a saúde animal e ambiental foram consultados junto às secretarias municipais de Meio Ambiente ou ao órgão referente à área ambiental, pelo preenchimento de questionários via telefone ou e-mail. Ao todo, nove indicadores de saúde animal foram avaliados, sendo eles a existência no município de:

• um plano de proteção animal;

• um programa de proteção animal;

• o contato com indivíduos com comportamento de acumulação de animais;

• o mapeamento de indivíduos com comportamento de acumulação de animais;

• um programa de castração;

• um programa de microchipagem de cães e gatos;

• um programa de guarda responsável;

• um programa de fiscalização de maus-tratos;

• e a existência de outros programas relacionados aos animais.

Para avaliação da saúde ambiental, incluíram-se quatro indicadores que envolvem o índice de diversidade de espécies, o levantamento de indivíduos com comportamento de acumulação e a existência de plano de gestão de resíduos no município. Todos os indicadores selecionados podem ser acessados via município de interesse ou eletronicamente.

No geral, os municípios da região metropolitana de Curitiba com maior população, renda per capita (acima de R$ 700) e mais próximos da capital (0 a 25km) apresentaram escores mais altos para a saúde humana, animal e ambiental, e, consequentemente, ISU mais elevado.

A proposta de um Índice de Saúde Única como ferramenta para a gestão pública

O ISU proposto se mostrou sensível aos indicadores selecionados, em uma abordagem prática para os 29 municípios da região metropolitana de Curitiba, estado do Paraná.

Como mencionado, os índices são ferramentas métricas para avaliação e comparação de diferentes cenários, utilizados para a tomada de decisão pelo poder público, e se tornaram também conhecidos da população em geral. Um exemplo é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), proposto em 1990 pela Organização das Nações Unidas (ONU) para apurar o grau de progresso em municípios (IDH-M), estados e países, fazendo uso de indicadores de renda, educação e saúde⁴. Apesar de ampliar a perspectiva já proposta pela Produto Interno Bruto (PIB) per capita, indicador puramente econômico, o IDH não é capaz de resumir todos os possíveis indicadores para avaliação da qualidade de vida⁴. Conforme sugere o último Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), países com alto IDH exercem grande impacto ambiental⁵. Dessa forma, a proposta consiste em incluir indicadores ambientais, como emissão de CO₂ e uso da água, o que mudaria o topo do ranking dos países mais desenvolvidos e a visão de que a preservação ambiental limita o progresso⁵.

Outro exemplo é o Índice de Desempenho Ambiental (IDA), proposto pelas Universidades de Yale e de Columbia entre 1999 e 2005, que utiliza 32 indicadores de desempenho para avaliar a saúde ambiental e a vitalidade dos ecossistemas, auxiliando no planejamento de metas sustentáveis e na avaliação de seu cumprimento em 180 países⁶. Apesar dos esforços para avaliar o desenvolvimento sustentável, esse índice falhou ao não considerar a saúde animal e a circulação de doenças como indicadores de vitalidade ambiental³.

Vale pensar que os índices não são estáticos; seus indicadores podem e devem variar conforme a necessidade, desde que mantenham a capacidade de mensuração e comparação a que foram propostos. Por exemplo, outros indicadores não incluídos no ISU – como a ocorrência de zoonoses de notificação obrigatória, o bem-estar e o censo de animais de companhia para saúde animal (dado não pesquisado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária) e o índice de cobertura verde para saúde ambiental – podem ser considerados futuramente conforme a disponibilidade dos dados e sua relevância.

Considerações finais

A Saúde Única pressupõe uma abordagem holística prática para reconhecer e resolver possíveis ameaças à saúde, ao bem-estar único e ao desenvolvimento de seres humanos, animais e meio ambiente. Os índices são ferramentas quantitativas rotineiramente utilizadas na tomada de decisão pelo poder público para municípios, estados e países, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Desempenho Ambiental (IDA). Apesar de amplamente empregados, os IDH e IDA têm lacunas para avaliar a Saúde Única. Nesse contexto, recentemente foi proposto o Índice de Saúde Única (ISU), primeiro índice prático que sintetizou a abordagem para avaliação da saúde humana, animal e ambiental passível de ser aplicado em municípios. Em geral, os municípios com maior população, maior renda per capita e mais próximos da capital apresentaram escores mais altos para a saúde humana, animal e ambiental, e consequentemente um ISU mais elevado. Apesar das limitações dos indicadores incluídos, o índice proposto incluiu indicadores de saúde animal de maneira inédita e ainda não considerados como parte da avaliação da sustentabilidade.

Referências

01-WORLD HEALTH ORGANIZATION. One Health. WHO, 2017. Disponível em: <https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/one-health>. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

02-SICHE, R. ; AGOSTINHO, F. ; ORTEGA, E. ; ROMEIRO, A. Índices versus indicadores: precisões conceituais na discussão da sustentabilidade de países. Ambiente & Sociedade, v. 10, n. 2, p. 137-148, 2007. doi: 10.1590/S1414-753X2007000200009. 

03-MOURA, R. R. ; CASTRO, W. A. C. ; FARINHAS, J. H. ; PETTAN-BREWER, C. ; KMETIUK, L. B.  SANTOS, A. P. BIONDO, A. W. One Health Index (OHI) applied to Curitiba, the ninth-largest metropolitan area of Brazil, with concomitant assessment of animal, environmental, and human health indicators. One Health, v. 14, p. 100373, 2022. doi: 10.1016/j.onehlt.2022.100373.

04-BRASIL. Desenvolvimento Humano e IDH. Brasil, 2022. Disponível em: <https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html>. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

05-AGUDO, A. Índice de Desenvolvimento Humano 2020 revela como o planeta sustenta os países mais ricos. El País Brasil, 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/sociedad/2020-12-15/indice-de-desenvolvimento-humano-2020-revela-como-o-planeta-sustenta-os-paises-mais-ricos.html>. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.

06-ENVIRONMENTAL PERFORMANCE INDEX. About the EPI. EPI, 2022. Disponível em: <https://epi.yale.edu/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2022.