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Direito médico-veterinário

Boas práticas em cirurgias veterinárias e o uso de listas de verificação (checklists)

Redução de erros evitáveis, complicações cirúrgicas, tempo anestésico e retornos inesperados

Ao se colocar foco no bom atendimento e na experiência do paciente, um dos recursos mais eficientes é a adoção de listas de verificação, que de maneira ágil e prática permitem melhorar a segurança do paciente e reduzir complicações e erros evitáveis. Créditos: Panchenko_Vladimir Ao se colocar foco no bom atendimento e na experiência do paciente, um dos recursos mais eficientes é a adoção de listas de verificação, que de maneira ágil e prática permitem melhorar a segurança do paciente e reduzir complicações e erros evitáveis. Créditos: Panchenko_Vladimir

Com o crescimento não só do número de animais domiciliados no país, mas também da importância afetiva no núcleo familiar desses animais, aumenta a atenção para com a saúde deles. Assim, as práticas cirúrgicas são corriqueiras em clínicas e hospitais veterinários, visando estabelecer a boa saúde dos animais. Esses atendimentos devem seguir normas de boa conduta ética, que visam, além da adequada prestação de serviços, também e principalmente a segurança do paciente.

As boas práticas em procedimentos cirúrgicos são amplas e variadas, podendo contemplar uma enorme gama de pontos críticos que merecem atenção redobrada a partir de pesquisas que indicam as principais complicações trans e pós-cirúrgicas. Portanto, dependerão da natureza do procedimento realizado. Entretanto, há um ponto em comum, que será o foco do presente artigo: a implementação de listas de verificação (check lists)para melhorar a segurança do paciente e reduzir complicações e erros evitáveis, uma vez que elas podem ser utilizadas em diversos tipos de condutas.

A utilização de listas de verificação foi importada da aviação para a medicina humana e culminou na sua formulação pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde então, colocou-se em foco a importância da sua utilização pelos profissionais e órgãos de saúde. Com isso, diversos estudos demonstraram que o uso de listas de verificação provocou uma redução da taxa de morbidade e mortalidade, bem como de complicações pós-cirúrgicas 1. Mesmo na medicina humana, os estudos que permeiam esse objeto desenvolveram-se mais rapidamente nos últimos quinze anos. Já na medicina veterinária isso é ainda mais recente.

Um estudo prospectivo realizado na Suécia buscou avaliar se a implementação do uso de uma lista de verificação de cirurgia segura (CCS), adaptada da lista produzida pela OMS, reduziria a incidência de complicações após a cirurgia animal. O estudo separou um grupo controle, com 300 indivíduos, e um grupo experimental, com 220 animais, nos quais a lista foi implementada em três momentos distintos, ou seja, antes da indução anestésica, antes da incisão cirúrgica e antes da liberação do animal. Já as complicações foram graduadas como complicações menores, moderadas ou graves. A pesquisa revelou que é estatisticamente relevante o uso de listas de verificação para a redução de complicações cirúrgicas, uma vez que tanto a sua frequência quanto a sua severidade se reduziram drasticamente 2.

Dentre os procedimentos que tiveram maior incidência de complicações no grupo controle, ou seja, aquele em que não houve a utilização de lista de verificação, estão: cirurgias de reparação de fratura (33% de 27 casos); excisão de neoplasias (22% de 27 casos); mastectomia (21% de 38 casos); e ovário-histerectomia (18% de 28 casos). No grupo controle houve 52 complicações, e no experimental, apenas 15. Dentre as complicações mais comuns destacaram-se a necessidade de reoperar o animal, infecção da ferida cirúrgica e complicações com a cicatrização da ferida. Assim, o estudo concluiu que houve redução em 10% das complicações no pós-operatório e que, portanto, o uso dessa ferramenta em cirurgias veterinárias deveria ser fomentado 2.

Outro estudo realizado em um hospital universitário nos Estados Unidos comparou a incidência de erros relacionados à válvula de escape do aparelho respiratório anestésico, intubação e medicação durante aproximadamente um ano, com e sem o uso de checagem antes desses procedimentos. No período de avaliação, 2.028 animais foram anestesiados sem a implementação da checagem, e 2.112 animais foram submetidos a anestesia com a utilização da checagem. Os grupos apresentaram respectivamente 3,6% e 1,4% de incidentes – uma redução estatisticamente relevante 3.

Uma pesquisa buscou demonstrar o impacto do uso da lista de verificação em resultados de cirurgias em outro hospital universitário. A amostra contemplou 1.375 cães submetidos a cirurgia sem o uso da lista e 1.911 após sua implementação; os grupos não variavam significativamente em relação a idade, sexo segundo critérios estabelecidos pela American Society of Anesthesiologists (ASA), bem como com relação aos procedimentos cirúrgicos adotados. Os resultados mostraram que não houve variação de morbidade, mortalidade ou infecção, porém reduziu-se o tempo anestésico e o número de retornos não planejados, e aumentou a proporção de animais aptos a receber antibióticos antes da primeira incisão 4.

Além das pesquisas que asseveram a importância do tema pela clara redução de complicações cirúrgicas, há outro ponto bastante relevante que deve ser considerado: a melhor comunicação no trabalho em equipe, uma vez que ao longo do procedimento atuam um cirurgião e um anestesista, além de enfermeiros e auxiliares. Um estudo realizado no Reino Unido demonstrou, mediante a implementação de um questionário para 36 profissionais, que o uso de listas de verificação reduz o erro humano, melhora a segurança do paciente e aprimora o trabalho em equipe 5.

A comunicação em equipe é fator fundamental para a redução de erros médicos; ao mesmo tempo, relata-se que as falhas de comunicação ocorrem frequentemente. Isso assevera a relevância do uso da lista de checagem para a redução de erros médico-veterinários 6.

Esse mesmo estudo ainda revela as barreiras para a sua implementação, dentre as quais destacam-se principalmente a falta de assertividade dos funcionários e a falta dos próprios funcionários 5. Outro artigo trata mais especificamente dos empecilhos para a utilização de listas de verificação, dentre os quais citam-se as questões de hierarquia e preferências por funcionários; problemas com ajuste de tempo, como, por exemplo, atrasos, uma vez que a checagem deve começar com todos os membros da equipe presentes; treinamento inadequado, que redunda em funcionários não familiarizados com a sua utilização; e questões de memória 7.

A confecção da lista de verificação é um ponto crucial para a sua implementação; para isso pode-se contar com os modelos estabelecidos pela OMS, de forma adaptada, como fizeram alguns dos estudos citados. Vale frisar que, para que a lista seja efetiva, ela deve ser concisa, direta, enxuta e abordar somente os principais pontos críticos que mereçam atenção e possam levar a erros futuros.

A título de exemplo, pode-se verificar o nome do paciente; a presença de termo de consentimento esclarecido assinado; o local da incisão cirúrgica; o peso; se foi realizado jejum alimentar; a confirmação da presença de todos os equipamentos necessários para o procedimento; a reserva e a contagem de gazes para o pré e pós-operatório; o local de recuperação do animal após a cirurgia; se houve intercorrências; as comorbidades; a presença de exames pré-operatórios e pós-operatórios, como radiografia e ultrassom; equipamentos para recuperação anestésica, como oxigênio, cobertas ou manta aquecida; receita; esclarecimentos sobre o manejo pós-operatório pelo tutor, como colocação de colar elizabetano, e outros.

Frisa-se que a aplicação das listas de verificação pode ser feita em diferentes momentos cirúrgicos e também de atendimento ao animal: antes da indução anestésica, antes da primeira incisão, ao fim do procedimento e antes da saída do animal da sala cirúrgica.

Medidas como a utilização de listas de verificação, que visam melhorar a qualidade do atendimento e a segurança do paciente, devem ser tomadas em conjunto com outras que, do ponto de vista organizacional, podem ser interpretadas como cultura de segurança, e portanto visam minimizar os riscos de procedimentos de rotina.

A busca pela segurança do paciente deve ser encorajada no cotidiano do exercício profissional da medicina veterinária. A implementação de listas de verificação poderá ter como resultado direto a redução de erros evitáveis, complicações cirúrgicas, tempo anestésico e retornos inesperados. Ademais, é uma ferramenta que melhora a comunicação e o trabalho em equipe.

 

Lista de verificação de cirurgia segura

Antes da indução anestésica

Confirmar identidade do animal

Confirmar procedimento

Confirmar local cirúrgico e decúbito

Verificar equipamentos anestésicos

Verificar equipamentos de monitoramento

Verificar ASA

Medicação pré, trans e pós-cirúrgica

Jejum alimentar e hídrico

Termo de consentimento

Risco moderado a grave de sangramento

Antes da primeira incisão cirúrgica

Toda a equipe confirma nome e profissão

Confirmar procedimento e local da incisão

Revisão do cirurgião

Pontos críticos do procedimento

Tempo estimado

Perda sanguínea esperada

Revisão do anestesista

Preocupações anestésicas específicas

Antes da saída do animal da sala cirúrgica

Todo o procedimento planejado foi realizado

Contagem de gazes e instrumentos

Equipe confirma

Riscos no pós-operatório

Houve intercorrências? Se sim, quais?

Se houve coleta de material

Identificação do frasco

Correta quantidade de solução

 

Referências

01-KAPUR, N. ; PARAND, A. ; SOUKUP, T. ; READER, T. ; Sevdalis, N. Aviation and healthcare: a comparative review with implications for patient safety. JRSM Open, v. 7, n. 1, p. 205427041561654, 2016. doi: 10.1177/2054270415616548.

02-BERGSTRÖM, A. ; DIMOPOULOU, M. ; ELDH, M. Reduction of surgical complications in dogs and cats by the use of a surgical safety checklist. Veterinary Surgery, v. 45, n. 5, p. 571-576, 2016. doi: 10.1111/vsu.12482.

03-HOFMEISTER, E. H. ;  QUANDT, J. ;  BRAUN, C. ; SHEPARD, M. Development, implementation and impact of simple patient safety interventions in a university teaching hospital, Veterinary Anaesthesia and Analgesia, v. 41, n. 3, p. 243-248, 2014. doi: 10.1111/vaa.12124.

04-THIEMAN MANKIN, K. M. ; JEFFERY, N. D. ; KERWIN, S. C. The impact of a surgical checklist on surgical outcomes in an academic institution, Veterinary Surgery, v. 50, n. 4, p. 848-857, 2021. doi: 10.1111/vsu.13629.

05-KILBANE, H. ; OXTOBY, C. ; TIVERS, M. S. Staff attitudes to and compliance with the use of a surgical safety checklist. Journal of Small Animal Practice, v. 61, n. 6, p. 332-337, 2020. doi: 10.1111/jsap.13131.

06-LOVE, L. C. ; HEDGPETH, M. W. ; ROBERTSON, J. B. ; MARKS, S. L. ; SCHOENFELD-TACHER, R. M. Assessment of safety culture at a veterinary teaching hospital in the United States. Frontiers in Veterinary Science, v. 8, p. 638764, 2021. doi: 10.3389/fvets.2021.638764.

07-HAWKER, W. T. G. ; SINGH, A. ; Gibson, W. T. G. ; GIUFFRIDA, M. A. ; WEESE, J. S. Use of a surgical safety checklist after implementation in an academic veterinary hospital, Veterinary Surgery, v. 50, n. 2, p. 393-401, 2021. doi: 10.1111/vsu.13561.

 
 
 



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