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A importância do médico-veterinário na saúde ambiental

O lixo e suas implicações na saúde única

Créditos:  Alexander W. Biondo Créditos: Alexander W. Biondo

O médico-veterinário na saúde pública

A sociedade brasileira ainda desconhece a amplitude da atuação do médico-veterinário na área da saúde pública. Pontos cruciais para implementar a ampliação de sua atuação relacionam-se não apenas a melhorar as formas de comunicação interprofissionais, mas também a estabelecer uma infraestrutura apropriada para a carreira e, sobretudo, a assegurar uma boa formação aos profissionais da área 1. As zoonoses têm grande importância no campo das doenças transmissíveis, chegando a totalizar 80% dessas em seres humanos, e os médicos-veterinários têm conhecimentos e habilidades em medicina populacional, devendo seu papel ser reconhecido 2. Para isso, é imprescindível que profissionais capacitados atuem na prevenção e no controle das zoonoses, garantindo a saúde coletiva (Figura 1). Um meio ambiente no qual habitem animais saudáveis permite que seu ecossistema tenha resiliência diante de novos patógenos e seus impactos 3.

 

Fatores que interferem na qualidade da saúde única

Fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população, que incluem renda, educação, emprego, desenvolvimento infantil, cultura, gênero e condições ambientais, dentre outros 4,5. Uma vez que a falta de desenvolvimento sócio-ambiental tem sérias consequências sobre a saúde, as alterações ambientais podem modificar o equilíbrio e a dinâmica dos ecossistemas. O médico-veterinário consegue contribuir em benefício da população, observando suas demandas de saúde e as condições ambientais que tenham sido modificadas e tenham gerado condições favoráveis para a emergência e a reemergência de vetores de doenças infecciosas e epidemiologicamente mais complexas, sugerindo a necessidade de uma avaliação crítica sobre os fatores determinantes do rápido crescimento urbano e da emergência de zoonoses 2,6.

Além da urbanização sem planejamento, enfrentamos o aumento dos incêndios florestais, a escassez de água, o destino inadequado de resíduos, a liberação de substâncias nocivas no ar e na água, as oscilações climáticas, o consumo de carne de animais silvestres, o desmatamento e o desaparecimento de habitats; todos esse fatores de risco diretos e indiretos desencadeiam o aumento de zoonoses, a proliferação de vetores e de doenças vetoriais e as doenças transmitidas pela água 6,7.

Entre os impactos ambientais negativos que podem ser originados pelo desequilíbrio ambiental temos o lixo urbano produzido e descartado de maneira inadequada, que pode provocar a contaminação de corpos d’água, o assoreamento, as enchentes e a proliferação de animais transmissores de doenças, tais como cães, gatos, ratos, baratas, moscas e vermes, entre outros. Soma-se a isso a poluição visual, o mau cheiro e a contaminação do ambiente 4,8 (Figura 1).

 

Figura 1 – É imprescindível que profissionais capacitados atuem na prevenção e no controle das zoonoses, garantindo a saúde dos animais, das pessoas e do meio ambiente. Créditos: Alexander W. Biondo

 

Território versus saúde – a importância da saúde ambiental para a saúde da família

O lugar onde as pessoas vivem, trabalham e estudam é fator determinante para que tenham mais ou menos saúde. Conforme consta do Caderno de Saúde e Educação Ambiental do Ministério da Saúde de 2015, enfrentam-se grande densidade populacional e problemas sociais em comunidades urbanas. Nelas concentra-se um número significativo de carroceiros, carrinheiros e catadores de materiais recicláveis, e terrenos não ocupados, áreas de lazer e de proteção permanente acabam acumulando descartes inadequados decorrentes dos materiais não aproveitáveis, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública 4. O trabalho de promoção da saúde articulado, intersetorial, interdisciplinar e voltado para a realidade ambiental da comunidade visa gerar transformação social e melhora da qualidade de vida, garantindo o direito das gerações presentes e futuras. Vale ressaltar o exemplo da leptospirose, cuja cadeia epidemiológica complexa envolve o ser humano, o meio ambiente e os animais, característica de países tropicais e subtropicais, onde a onda de calor e a incidência de chuvas especialmente no verão favorecem a sua emergência 9. Caracterizada como uma enfermidade infecciosa febril aguda ou crônica e de etiologia bacteriana, é causada por espiroquetídeos do gênero Leptospira 10 (Figura 2). Assim, orientações e medidas preventivas para impedir a proliferação e a infestação por animais como os roedores que se adaptaram a viver próximos aos seres humanos em ambiente urbanos, designados sinantrópicos, são de grande relevância. Esses animais encontram-se em ambientes com acúmulo de lixo, perfeitos para a sua proliferação 11.

 

O lixo urbano produzido e descartado de maneira inadequada pode provocar proliferação de animais transmissores de doenças, como os ratos no caso da leptospirose. Créditos: Fernando Gonsales

 

Papel da coleta seletiva na saúde ambiental

A prevenção do crescimento populacional de invertebrados e vertebrados causadores de doenças pode ser realizada no manejo humanitário dos 5 As desses animais: água, alimento, abrigo, acasalamento e acesso (Figura 3). Apesar de a água não ser um fator limitante no meio urbano, podemos interferir nos outros fatores, de modo que espécies indesejáveis não se instalem ao nosso redor 9,11. Para isso, é fundamental evitar o acúmulo de lixo que pode servir de abrigo a esses animais e adotar as medidas preventivas necessárias para manter os ambientes mais saudáveis.

 

Figura 3 – A prevenção do crescimento populacional de invertebrados e vertebrados causadores de doenças pode ser realizada no manejo humanitário dos “5 As” desses animais: água, alimento, abrigo, acasalamento e acesso. Créditos: Fernando Gonsales

 

A coleta seletiva cresceu no Brasil devido ao aumento da quantidade de lixo depositado nos aterros controlados e em lixões a céu aberto, da necessidade de locais para depósitos de rejeitos 5 e pelo fato de o espaço urbano estar cada vez mais disputado em função do crescimento populacional 12. Legalmente, o catador de material reciclável é reconhecido por ter um papel fundamental na continuidade do ciclo de vida dos produtos 12. Porém depende de ações de políticas públicas, do princípio da informação e da educação ambiental como prática constante para que a população passe a saber o que é consciência crítica ambiental, qual a sua importância para o meio ambiente e a relevância para o local em que vive e para toda a coletividade e os seres vivos 12,13.

 

Educação ambiental

O território ou espaço onde os indivíduos vivem e convivem e o processo de construção dessa corresponsabilidade compartilhada implicam o diálogo entre os setores, tanto no âmbito municipal quando no âmbito local, uma vez que se objetive um olhar integral para cada pessoa 14. Dessa maneira, a implementação das ações de competência do médico-veterinário, desenvolvidas como práticas de gerência de serviço e assistência de cunho participativo, por meio do trabalho em equipe multiprofissional, fortalece a saúde, ampliando as fronteiras de atuação na assistência à população desses territórios, visando uma melhor resolução dos problemas de saúde 15.

 

Considerações finais

O médico-veterinário tem importância central na saúde animal. A vigilância em saúde, a inspeção sanitária, a segurança dos alimentos e o controle de zoonoses e sinantrópicos, dentre outras áreas, têm importância evidente na saúde humana. Embora seu papel não seja conhecido pela população em geral, o médico-veterinário é fundamental também na saúde ambiental e no equilíbrio dos ecossistemas (Figura 4). O contínuo trabalho de vigilância e educação ambientais promove o destino adequado de resíduos, evitando contaminação ambiental e proliferação de vetores vertebrados e invertebrados causadores de agravos e doenças. Nesse cenário, o médico-veterinário está capacitado a ser o profissional articulador da saúde única, uma vez que sua atribuição exclusiva na saúde animal auxilia de forma direta a saúde humana e a saúde ambiental.

 

Figura 4 – Embora não seja tão evidente, o médico-veterinário desempenha papel fundamental também na saúde ambiental e no equilíbrio dos ecossistemas naturais e antropizados, rurais e urbanos. Créditos: Alexander W. Biondo

 

Referências

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02-WORLD HELTH ORGANIZATION. Future trends in veterinary public health: report of a WHO study group. Geneva: WHO, 2002. 85 p. ISBN: 9241209070.

03-CIFUENTES, E. Protección del medio ambiente y actividades de salud pública veterinaria. Revue Scientifique et Technique, v. 11, n. 1, p. 191-203, 1992.

04-BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. PROGRAMA DE SAÚDE NA ESCOLA. Caderno de saúde e educação ambiental. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Acesso em 15 de março de 2022.

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06-MUCELIN, C. A. ; BELLINI, M. Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema urbano. Sociedade & Natureza, v. 20, n. 1, p. 111-124, 2008. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/sn/a/q3QftHsxztCjbWxKmGBcmSy/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em 20 de março de 2022.

07-GIBBS, E. P. J. Emerging zoonotic epidemics in the interconnected global community. The Veterinary Record, v. 157, n. 22, p. 673-679, 2005. doi: 10.1136/vr.157.22.673.

08-BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. UNIDADE TÉCNICA DE DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA E ALIMENTAR. COORDENAÇÃO GERAL DE DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS. Dados epidemiológicos, DTA período de 2000 a 2011. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

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14-BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. DEPARTAMENTO DE AB. Cadernos de Atenção Básica n. 22 – vigilância em saúde: zoonoses. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 228 p.

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