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Entrevistas

A nutrição de cães e gatos no Brasil

Perspectivas e desafios da especialidade

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

9 de nov de 2022


Os estudos sobre nutrição tiveram grande aumento nos últimos 20 anos, e os conhecimentos sobre essa especialidade relativamente recente no Brasil são cada vez mais importantes para que os profissionais promovam um manejo nutricional adequado.

A inclusão da nutrição nas disciplinas da graduação é crucial para que os futuros médicos-veterinários saibam fazer essa avaliação. Nesta entrevista, o professor dr. Márcio Brunetto, fala sobre a evolução da área de nutrição de cães e gatos e das pesquisas científicas em nosso país. Ele aborda assuntos relacionados, como a interação entre a indústria e a academia, os benefícios da alimentação industrial em relação ao consumo de alimentos não industrializados, a importância de ter um sistema ativo de vigilância e fiscalização de produtos para animais, e onde os estudantes de medicina veterinária podem se informar sobre conteúdos relativos à nutrição e como se envolver em pesquisa.

Márcio Brunetto é professor associado do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ/USP em Pirassununga, SP, e coordenador do Centro de Pesquisas em Nutrologia de Cães e Gatos (Cepen Pet), do Grupo de Estudos em Nutrição Pet da FMVZ/USP e responsável pelo Serviço de Nutrologia Veterinária do Hospital Veterinário da FMVZ/USP. Além disso, é vice-diretor do Hospital Veterinário da FMVZ/USP e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos (SBNutri Pet).

 

A dieta e o manejo nutricional desempenham papel muito importante no controle e no tratamento de diversas doenças. Créditos: Hekla

 

1 – Como você vê o crescimento da área de nutrição de cães e gatos no Brasil nos dias atuais?

Márcio Brunetto (MB) – A nutrição, recentemente reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) como uma especialidade, ainda é uma área bastante nova dentro da temática de cães e gatos. No entanto, nos últimos 20 anos, o número de estudos abordando o tema cresceu de forma exponencial. O Brasil é considerado um país de destaque no que se refere à formação de novos conhecimentos em função do trabalho de grupos de pesquisa já consolidados em diferentes universidades. Certamente o desenvolvimento científico foi e está atrelado à demanda das empresas nacionais por novas informações para aplicar no desenvolvimento de produtos cada vez melhores e mais tecnológicos. Não é à toa que representamos um dos principais mercados mundiais. Assim, a maior demanda pelas empresas resulta em mais investimentos em pesquisas, que, por sua vez, resulta no desenvolvimento do segmento como um todo. 

 

2 – Qual a importância de ter uma disciplina que traga esse conteúdo na graduação?

MB – Desde 2011, a World Small Animal Vete-rinary Association (WSAVA) publicou e divulga as diretrizes de avaliação nutricional pelo Comitê de Nutrição. A partir daquele ano, a avaliação nutricional passou a ser considerada o “quinto sinal vital”. Isso demonstra a importância de os novos profissionais que saem para o mercado de trabalho terem conhecimentos mínimos para avaliar se o manejo nutricional do animal está sendo realizado de forma adequada e o que deveria ser mudado. Uma disciplina na graduação é de fundamental importância para que os futuros médicos-veterinários saibam fazer esse tipo de avaliação, bem como possam diferenciar e recomendar os diferentes tipos de alimentos comercializados no mercado. Uma boa nutrição está relacionada à manutenção do estado de saúde, o que garante maior longevidade.

 

O manejo nutricional adequado vem sendo cada vez mais valorizado como “quinto sinal vital”. Por isso é fundamental para a saúde animal que o médico-veterinário tenha conhecimentos mínimos para avaliar se o manejo nutricional do animal está sendo realizado de forma adequada. Créditos: Gladskikh Tatiana

 

3 – Como está a pesquisa na área e quais os principais temas atualmente trabalhados?

MB – Ao mesmo tempo em que temos algumas áreas em ampla evolução, ainda existem muitas lacunas nos guias oficiais de recomendações nutricionais para cães e gatos. Por exemplo, temos pouquíssimos estudos que avaliaram teores máximos tolerados em relação aos nutrientes, e muitas das recomendações ainda são especulações. Por outro lado, muitos estudos estão sendo publicados em relação ao microbioma de cães e gatos saudáveis e em diferentes doenças. Também é crescente o número de estudos que empregam as ciências ômicas para o melhor entendimento do metabolismo e com a proposta de identificação de novos biomarcadores.

 

4 – Como você vê a interação da indústria com a academia na pesquisa sobre nutrição?

MB – Acredito que a indústria de alimentos para cães e gatos seja o segmento que mais investe em pesquisa, quando comparado com outras áreas. Com certeza esse maior investimento está atrelado ao montante que esse mercado representa na área de animais de companhia. O maior investimento faz com que se realizem mais e melhores investigações, e, assim, o segmento cresce como um todo. É importante salientar que, em países de primeiro mundo, uma parcela importante das pesquisas geradas não somente na área de animais de companhia é financiada pela iniciativa privada. Mais pesquisas geram mais informações, que por sua vez resultam em novos produtos, e isso gera maior arrecadação pelo estado, que pode investir mais em outros segmentos e também em pesquisa.

 

5 – Quais os benefícios da alimentação industrial em relação ao consumo de alimentos não industrializados (comida caseira)?

MB – Segundo as diretrizes da WSAVA, do Colégio Europeu de Nutrição Veterinária comparada (ECVCN) e do Colégio Americano de Nutrição Veterinária (ACVN), os alimentos industrializados são considerados mais seguros no que se refere a uma formulação completa e balanceada. Além disso, tendem a ser mais práticos e ao mesmo tempo mais baratos quando comparados aos alimentos não convencionais completos. Ainda em relação ao custo, a única exceção se faz quando comparamos alimentos industrializados úmidos com alimentos caseiros. Os alimentos úmidos acabam tendo um custo maior

 

Alimentos industrializados são considerados mais seguros em razão de sua formulação mais completa e balanceada. Considerações sobre a praticidade e o custo em relação a alimentos não convencionais completos também contribuem para a sua maior aceitação e disseminação entre os tutores. Créditos: IriGri

 

6 – Quais os benefícios da alimentação com produtos caseiros em relação à alimentação com produtos industrializados?

MB – Alguns animais podem preferir a alimentação caseira, e, na prática, acabamos por usá-la com maior frequência em situações clínicas em que os animais apresentam diversas comorbidades associadas – situações essas em que não teríamos um alimento comercial para recomendar.

 

7 – Como você vê a questão da segurança alimentar para pequenos animais?

MB – Essa é uma exigência cada vez maior e muito importante, uma vez que os pets são considerados filhos e/ou membros da família. As grandes empresas, de modo geral, são bastante criteriosas em relação a esses cuidados, por se tratar de vidas que podem sofrer algum dano ou risco.

 

Em certas circunstâncias, a alimentação com produtos caseiros pode também ser preferível em relação à alimentação com produtos industrializados, seja porque alguns animais têm preferência por ela ou então em situações clínicas de comorbidades associadas, quando não é possível encontrar um alimento comercial específico que se possa recomendar. Créditos: stockcreations

 

8 – Sobre a intoxicação nos petiscos, qual a importância de ter um sistema ativo de vigilância e fiscalização de produtos para animais? Ele existe no Brasil?

MB – É de fundamental importância e, como comentado anteriormente, deve ser uma exigência cada vez maior. Infelizmente, no Brasil a vigilância é bastante falha.

 

9 – Quais são as atualidades na área de nutrição clínica?

MB – Alguns assuntos estão sempre em alta, como é o caso da obesidade e das endocrinopatias. Nos últimos anos, houve interesse crescente em doenças gastrintestinais, microbioma e disbiose. Os estudos têm demonstrado que a dieta e o manejo nutricional desempenham papel muito importante no controle e no tratamento de algumas delas. Estudos na área de sarcopenia, caquexia e nutracêuticos também são algumas tendências.

 

10 – Como os alunos podem se informar sobre esses conteúdos relativos à nutrição e se envolver em pesquisa?

MB – Fazer um estágio em local de referência pode ser um bom começo para os estudantes se engajarem em pesquisa. Algumas universidades oferecem programas de iniciação científica na área. Palestras sobre o assunto e textos e artigos de revistas conhecidas também são ótimas fontes, além da participação em eventos da área.