Introdução e conceito

A garantia de bons níveis de bem-estar dos animais em abrigos é fundamental para diminuir o estresse, a imunossupressão, as doenças e os comportamentos indesejados que podem comprometer a adoção. Nos abrigos, principalmente na admissão, os cães podem experimentar diversos sentimentos negativos, como medo, ansiedade, estresse e frustração. Dessa maneira, devem-se implementar ferramentas de modificação comportamental que visem solucionar os distúrbios comportamentais, prevenir a sua ocorrência e minimizar o sofrimento mental que pode ocorrer devido ao confinamento¹.

O enriquecimento ambiental (EA) descreve a forma como o ambiente pode ser mudado em benefício dos animais cativos². O EA gera enriquecimento comportamental, em função das oportunidades que se modificam como resultado das interações com o ambiente enriquecido. O EA também pode ser definido como um processo que muda estruturas e práticas de manejo e tem como objetivo reduzir o estresse e ampliar o nível de bem-estar, provendo estímulo físico e mental, encorajando os comportamentos normais da espécie e permitindo ao animal ter mais controle sobre o seu meio. O EA é tão importante quanto os demais cuidados veterinários de saúde e de nutrição, e não deve ser considerado opcional³.

Um ponto de extrema relevância, além da implementação de ferramentas de EA, é a necessidade de as equipes dos abrigos adotarem um manejo amigável e livre de estresse, que objetive reduzir o medo, a ansiedade e a frustração em animais internos. A equipe precisa saber manusear os animais de forma amigável , em sintonia com as condições de alojamento que devem atender às necessidades físicas e emocionais dos animais, tornando possível fornecer-lhes a impressão de controlarem as próprias ações, de forma a garantir que os níveis de medo, ansiedade, estresse e frustração permaneçam baixos^4,5,6.

O EA como ferramenta de bem-estar e seus tipos

O enriquecimento ambiental é indispensável, pois os animais devem ter pelo menos contato social regular, estímulo mental e atividades físicas. A interação diária com as pessoas de forma positiva também é um poderoso enriquecedor ambiental, diminuindo o estresse. Os animais devem ter contato com os seres humanos fora das atividades de limpeza e alimentação, já que nesses momentos não se considera o EA. O enriquecimento envolve a parte social, que tem o intuito de ocupar o tempo dos cães confinados por meio do contato com outros cães e pessoas, e as instalações, na quais se busca enriquecer o ambiente².

Os métodos de EA podem ser categorizados em cinco tipos: social (So), físico (F), ocupacional (cognitivo) (O), nutricional (N) e sensorial (Se)⁷. Um EA pode fazer parte de mais de uma categoria ao mesmo tempo.

• O enriquecimento ambiental sensorial (EASe) busca estimular os sentidos dos cães. Pode ser realizado de maneira simples e de baixo custo, utilizando cheiros, sons, texturas e imagens no ambiente em que o animal se encontra. O objetivo é estimular, nesta ordem, o olfato, a audição, o tato e a visão⁸.

• O enriquecimento ambiental nutricional (EAN) tem como propósito introduzir diferentes formas de fornecer o alimento ou novos alimentos. Diversas espécies de animais passam grande parte do dia em atividades relacionadas à alimentação, desde a procura até o processamento e o consumo. Este tipo de enriquecimento permite que o cão leve mais tempo para se alimentar, permitindo a expressão de comportamentos típicos da espécie⁹.

• O enriquecimento ambiental físico (EAF) refere-se à estrutura física do ambiente onde os animais estão inseridos. Consiste na introdução de elementos com o objetivo de deixar os recintos parecidos com o habitat natural de cada espécie. Podem-se inserir plantas e diferentes substratos (folhas secas, grama, terra ou areia), dentre outros¹⁰.

• O enriquecimento ambiental ocupacional (EAO) refere-se aos processos mentais relacionados a aprendizagem, processamento da informação, formação de memórias e outras funções mentais, como reconhecer, diferenciar, selecionar e recordar lugares, dentre outras. Este enriquecimento é responsável pela inclusão de objetos no ambiente, resultando no estímulo mental do animal¹¹. Foram comprovados os efeitos positivos do enriquecimento ambiental cognitivo a partir do aumento do tempo gasto em comportamentos relacionados à alimentação, em atividades físicas e na redução das vocalizações¹².

• O enriquecimento ambiental social (EASo) é aquele em que há interação entre indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes¹³.

Existem muitas ferramentas de EA que vêm sendo utilizadas não somente em abrigos para cães, mas com outras espécies. Algumas sugestões estão relacionadas na figura 1.

Figura 1 – Ideias de enriquecimento utilizando itens reaproveitados ou doados, sempre utilizados sob supervisão para evitar a ingestão. Adaptado ¹⁴

Outras considerações para melhorar o bem-estar dos cães em abrigos

Para lidar com problemas comportamentais em abrigos de animais, existem dois objetivos principais: identificar sinais que indiquem estresse ou incapacidade de lidar com o ambiente do abrigo e comportamentos que possam ter-se desenvolvido em um ambiente doméstico e revelem que o animal precisa de reabilitação para que se torne apto a uma nova adoção¹⁵.

A maioria dos comportamentos, sejam eles desejados ou não, se desenvolve por meio de um processo de aprendizado no qual cada indivíduo se adapta ao ambiente com o objetivo de conquistar coisas que valoriza e evitar as que não são prazerosas. É importante observar que os problemas de comportamento são definidos a partir de uma perspectiva humana – ou seja, daquilo com que as pessoas têm dificuldade de lidar ou que impacta sua vida¹⁵.

Os cães com dificuldade de se adaptar ao ambiente do abrigo ou que já estão nele há diversas semanas podem se beneficiar:

• da remoção de fontes de estresse – como a visão de cães desconhecidos;

• do aumento da complexidade física do ambiente – como o enriquecimento social fornecido pelo convívio com outros cães ou com seres humanos;

• de dispositivos de alimentação que aumentem o tempo das refeições; ou ainda

• de brinquedos que os cães possam roer.

Além disso, o fornecimento de recursos ambientais, como um local para se esconder ou recuar, aumentará as opções de enfrentamento do cão. O enriquecimento deve sempre levar em conta as necessidades individuais de cada animal². Há resultados diferentes no comportamento canino entre avaliações realizadas nas primeiras 24 horas após a entrada no abrigo e um período de aclimatação que ocorre nos 3 dias subsequentes em até 50% dos animais abrigados. Portanto, o EA pode ser uma estratégia fundamental por oferecer maior oportunidade de adaptação, agilizando e ampliando a flexibilidade comportamental ao novo ambiente e manejo.

É necessário levar em consideração aspectos que garantam oportunidades adequadas para a socialização e a habituação de animais jovens nos abrigos, provendo um ambiente adequado para eles. Também é fundamental realizar a gestão dos animais de forma a prevenir o desenvolvimento de problemas comportamentais relacionados ao estresse, fornecer aos adotantes aconselhamentos sobre as necessidades comportamentais e treinamento para conviver com seu novo animal de estimação e garantir que os adotantes de animais mais velhos estejam cientes dos sinais comportamentais e entendam como responder a mudanças de comportamento em diferentes situações. Dessa forma, é possível que o adotante e o animal construam um vínculo positivo⁴.

Enriquecimentos efetivos podem representar a chance para mudança de comportamento e a capacidade de enfrentamento contra estressores passados, presentes e até mesmo futuros, se implementados e monitorados de maneira correta. Os objetivos do enriquecimento não devem incluir apenas prevenção ou redução de comportamentos indesejados, mas também aumentar a diversidade de comportamentos normais e adaptativos. A redução do estresse e o aumento da adaptação refletem melhoras na saúde fisiológica e podem aumentar as chances de os animais serem adotados, evitando que o animal retorne ao abrigo após sua adoção, por apresentar comportamentos considerados intoleráveis pelos tutores¹⁴.

Referências

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