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A flexibilização da caça no brasil é um retrocesso

Matéria escrita por:

Clínica Veterinária

4 de maio de 2018

Pegada de anta, espécie que sofre bastante com a caça. Assim como tatus, pacas, capivaras, jacarés... Pegada de anta, espécie que sofre bastante com a caça. Assim como tatus, pacas, capivaras, jacarés...

Tramita atualmente na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados a proposta de Projeto de Lei nº 6.268/2016, cujo proponente é o deputado Valdir Colatto (MDB/SC).

A essência do PL nº 6.268/16 é a flexibilização do exercício da caça no Brasil. É fundamental destacar que diversos impactos da legislação ambiental não estão previstos no PL ou são simplesmente ignorados – ou, pior ainda, deliberadamente alterados em detrimento da cobertura legal vigente de proteção à fauna no país.

O referido PL nº 6.268/16 supostamente “dispõe sobre a Política Nacional de Fauna e dá outras providências”. Contudo, altera a Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, conhecida como Código de Caça, e a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como Lei Ambiental. A despeito da citada legislação ambiental vigente no país, diversas atividades humanas convergiram para aumentar dramaticamente a pressão sobre biomas estáveis e comprometer a fauna silvestre, incluindo a ampliação de espécies ameaçadas de extinção.

A minuta original do PL nº 6.268/16 confere cobertura legal à caça de espécies silvestres “autóctones ou alóctones, terrestres ou aquáticas, que ocorram em vida livre no território nacional, no mar territorial, na zona contígua, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental”, conforme citado no capítulo I, artigo 3º, § 1º. Também estabelece em seu capítulo II que a caça advenha de planos de manejo aprovados por órgão ambiental. Tergiversa, pois inverte elementos causais, ou seja, omite que as situações de desequilíbrio da fauna tenham surgido no vácuo de ações (e omissões) no devido licenciamento ambiental de projetos, na formulação de políticas públicas e na concepção e delineamento de planos de manejo tecnicamente adequados e ambientalmente corretos.

Os aspectos técnico-científicos escasseiam, como fundamentação, em toda a minuta do documento. Mas é especialmente preocupante a justificativa do proponente para o PL:

“[…] No ambiente rural, a proximidade com os animais silvestres e o eventual risco dessa proximidade, com acidentes e ataques desses animais, tanto aos humanos como a suas propriedades e rebanhos, faz com que a caça seja vista como uma prática regular, nestes casos sem finalidade de entretenimento e de esporte, mas como prática de relação com o ambiente, a qual, com o passar do tempo, pode se organizar como uma atividade de cunho cultural, como uma prática social e mesmo como atividade geradora de ganho social e econômica para as populações do meio rural”.

Assim, a fundamentação original de proteção à fauna se perverte em uma prática sistemática de depredação da fauna, que por suposto deveria ser protegida.

A Associação Brasileira de Medicina Veterinária Legal se posicionou a respeito em nota pública, considerando que “é gravíssima a ameaça à fauna que se avizinha com esse PL nº 6.268/16. Sobretudo porque os dados do Ibama e do ICMBio dão conta dos crescentes registros de abates criminosos de espécimes silvestres, da falta de recursos para fiscalização e do aumento da ocupação humana em áreas de proteção ambiental”.

Outra questão importante da proposta é a liberação da comercialização de animais silvestres por comunidades tradicionais, inclusive os provenientes de áreas protegidas. Associar os animais a esse tipo de comércio aumentaria ainda mais a pressão exercida pelo mercado, com possível estímulo às atividades que caracterizam o tráfico de animais silvestres.

Em acréscimo, surge ainda um outro efeito colateral. A permissão de caça, prevista pelo PL nº 6.268/16, implica o uso de armamento e munição em um contexto de calamitosa violência no Brasil, sob condições que não se desenham claras, pertinentes, convincentes e muito menos necessárias.

Não há dúvida de que algumas questões ambientais envolvendo a necessidade de controle populacional de animais devem ser discutidas. Mas é imprescindível que o sejam em toda a sua complexidade. O Ibama, por meio da Instrução Normativa Ibama nº 3, de 31 de janeiro de 2013, estabeleceu condições para o controle populacional do javali no Sul e no Sudeste, por exemplo. Embora alguns especialistas julguem que, nesse caso, controle populacional é um eufemismo para caça. A permissão de abate do javali para controle populacional em determinadas regiões é um efeito colateral da introdução do javali europeu em território nacional no início do século passado. Trata-se de um caso emblemático. A introdução de uma espécie exótica em um ecossistema estável pode ter efeitos catastróficos. Portanto, é fundamental discutir não apenas os efeitos de um manejo malsucedido de uma ou mais espécies, mas o que o ensejou. Sob pena de reeditar os mesmos erros.

Nestes tempos em que é necessário defender o óbvio, é sempre relevante lembrar que as alterações climáticas, seus efeitos sobre diversos biomas no planeta e a ação predatória do homem ameaçam sobremaneira a biodiversidade e o próprio equilíbrio entre o homem e as demais espécies.