“Obri-gato”: Campanha para “obrigatoriedade” de gatos dentro de casa
A importância do clínico de pequenos animais nos cuidados preventivos contra a esporotricose
Introdução
A esporotricose é uma doença fúngica causada pelo fungo do gênero Sporothrix. Essa doença que tem afetado principalmente gatos, pode também infectar outros animais e seres humanos, sendo considerada uma zoonose de importante relevância na saúde pública 1,2. No Brasil, sua ocorrência tem se expandido e afetado, principalmente, populações de gatos com acesso à rua, assumindo status de epidemia em diversas regiões 3,4.
Dessa forma, a conscientização da população sobre os modos de transmissão, os sinais clínicos e as medidas preventivas se faz necessária para a eficaz contenção da esporotricose. A colaboração entre tutores de animais, médicos-veterinários e autoridades de saúde pública desempenha um papel crucial na redução da incidência de esporotricose e na minimização de seus impactos na saúde única 5.
O complexo de espécies Sporothrix schenckii pode ser encontrado em forma de esporos no ambiente, que corresponde às espécies S. schenckii sensu stricto, Sporothrix brasiliensis, Sporothrix luriei e Sporothrix globosa. A transmissão de S. schenckii e S. globosa tem sido associada a inoculação traumática por plantas contaminadas; a transmissão de S. brasiliensis tem sido associada a animais infectados; e a transmissão zoonótica, a arranhões e mordidas de gatos infectados. Outra forma de transmissão sugerida recentemente é por espirro de gatos infectados 6.
A esporotricose felina pode manifestar-se de diversas formas, variando desde a apresentação subclínica até múltiplas lesões cutâneas ulcerativas, podendo provocar comprometimento sistêmico, o que pode levar o animal a óbito 7. Em seres humanos, as lesões variam de cutâneas a disseminadas, sendo a cutânea linfática a mais comum, caracterizada por nódulos subcutâneos que seguem os vasos linfáticos, havendo a possibilidade de ulceração 8. Em casos de imunossupressão, a infecção pode se disseminar para órgãos internos, como pulmões, ossos e articulações, resultando em sintomas sistêmicos graves, como tosse, febre, artrite infecciosa e até mesmo óbito 9.
O diagnóstico da doença tem sido por critério clínico-epidemiológico e laboratorial. O método diagnóstico padrão-ouro é a cultura fúngica, sendo possível observar o fungo na sua fase filamentosa após cultivo. Na prática clínica veterinária, o exame direto por imprint de lesões tem sido amplamente utilizado, e possibilita observar as leveduras de Sporothrix, confirmando a suspeita. Outra técnica é o exame histopatológico a partir das biópsias das lesões, que permite a obtenção de informações adicionais sobre a extensão da infecção e a resposta inflamatória do hospedeiro. Além disso, há testes moleculares como a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) para detecção de DNA fúngico, que proporcionam um diagnóstico mais rápido em comparação com a cultura 10,11.
Para o tratamento em felinos, o antifúngico itraconazol é o medicamento de escolha, sendo administrado oralmente, e a duração do tratamento varia conforme a resposta clínica individual. Os cuidados terapêuticos devem ser associados a procedimentos de suporte, como a limpeza das lesões e o controle de infecções secundárias. Em seres humanos, o tratamento também é baseado no itraconazol, para as formas linfocutânea e cutânea fixa. Em casos mais graves ou disseminados, pode ser necessário o uso de anfotericina B, especialmente em pacientes imunossuprimidos. O tratamento deve ser continuado até a resolução completa das lesões e a confirmação laboratorial da negatividade para o fungo 12,13,14.
Uma das principais dificuldades no tratamento da esporotricose é a adesão ao regime terapêutico prolongado, pelo desafio da administração oral diária do fármaco e pelo custo total. Esses fatores podem levar a interrupções prematuras ou administração irregular dos medicamentos, aumentando o risco de resistência antifúngica 5,15.
Como medida adjunta de controle, o Paraná foi primeiro Estado do Brasil a incorporar no SUS o itraconazol para tratamento de animal infectado com a esporotricose, conforme a Nota Técnica Conjunta n° 6/2023. A entrega da medicação ocorre mediante apresentação da prescrição médica-veterinária, da cópia do documento de identificação do tutor, da cópia da ficha de notificação no Sinan Net e do Termo de Compromisso de guarda responsável devidamente assinado. Importante ressaltar que tanto casos em seres humanos quanto em animais são de notificação compulsória nos serviços de saúde públicos e privados de todo o Estado desde 2022 16.
Prevenção é a melhor solução
Embora seja a melhor opção, a prevenção e o controle dessa doença exigem um conjunto de medidas coordenadas que envolvem manejo adequado dos animais, práticas de biossegurança, educação da comunidade e vigilância epidemiológica 13.
A divulgação sobre os riscos de contaminação e sobre a evolução da doença e o incentivo à busca de atendimento médico profissional para o tratamento precoce devem estar amplamente implementados em programas de Atenção Primária à Saúde (APS). Médicos-veterinários, protetores independentes e tutores de animais estão sujeitos a contrair a doença a partir do contato direto com a forma fúngica leveduriforme do Sporothrix spp., que está presente nas lesões de pele, o que demanda cuidados específicos. Pessoas com atividades relacionadas ao solo e às plantas, como jardineiros e agricultores, também fazem parte do grupo de risco, pois podem se infectar com a forma leveduriforme do fungo que está vastamente distribuído pelo meio ambiente. Em função desses riscos, o uso de roupas com mangas compridas para manusear esse material e a boa higienização após a atividade são recomendados para sua prevenção 17.
O cuidado ao manipular gatos, especialmente aqueles com lesões suspeitas, é fundamental para prevenir a transmissão zoonótica da esporotricose. Os tutores devem usar luvas ao tratar gatos com esporotricose e, em caso de arranhaduras, mordidas ou contato direto com lesões cutâneas, deve-se lavar imediatamente a área afetada com sabão e água corrente. Em clínicas veterinárias e abrigos de animais, a implementação de equipamentos de proteção pessoal (EPI) e práticas de biossegurança, como desinfecção das instalações, é essencial para minimizar o risco de transmissão 4,17. Em relação ao manejo, uma das medidas mais eficazes para prevenir a esporotricose em gatos é restringir o acesso dos felinos ao ambiente externo. Gatos que têm acesso livre à rua são mais suscetíveis a contrair a infecção devido ao contato com solo, vegetação e outros materiais contaminados, além de predispor o contato direto com animais infectados 4,18.
Outro componente essencial na prevenção é o manejo adequado das populações de gatos errantes com programas de esterilização cirúrgica e controle populacional. As campanhas de castração devem ser combinadas com iniciativas de guarda responsável, incentivo à adoção de animais e conscientização sobre a problemática do abandono 18.
Outros cuidados importantes
O abandono de animas traz diversos prejuízos à vida animal, à saúde pública e ao equilíbrio ambiental. A ocorrência de doenças como a esporotricose potencializa ainda mais os agravos decorrentes desse contexto. O abandono é crime nacional (Lei Federal 9.605/98) e não deve acontecer em nenhuma condição 15.
A educação dos tutores de animais sobre a importância da identificação precoce dos sinais clínicos da esporotricose e a busca imediata de atendimento veterinário são determinantes. Lesões de pele, especialmente na face, patas e cauda, além de abaulamento nasal, devem ser prontamente investigados pelo clínico veterinário 2,14. Todo animal diagnosticado e sob tratamento deve ser mantido em isolamento, visto que é uma fonte de infecção para outros animais e pessoas. Felinos infectados e curados não apresentam imunidade para a doença, podendo se infectar novamente e perpetuar o ciclo. A recidiva e o óbito também têm sido relatados devido a tratamento inadequado, interrompido ou refratário 19,20.
A desinfecção regular de ambientes onde gatos infectados residem é necessária para controlar a propagação do fungo. Soluções fungicidas devem ser utilizadas para limpar superfícies, utensílios e áreas de convivência dos animais, e a remoção de material orgânico contaminado, como solos e vegetação também é recomendada 11.
Em casos de óbito de animais positivos ou suspeitos para esporotricose, a recomendação é a cremação do cadáver. Esses animais jamais devem ser enterrados, jogados em lixos ou rios, e essa medida tem como objetivo evitar a contaminação ambiental com o fungo Sporothrix spp. e a consequente continuidade do ciclo epidemiológico 21.
A vigilância epidemiológica e o monitoramento contínuo dos casos de esporotricose são fundamentais para entender a dinâmica da doença e desenvolver estratégias de controle. As autoridades de saúde pública devem manter registros precisos e atualizados dos casos, além de promover campanhas de conscientização para informar a população sobre os riscos e quais medidas preventivas adotar. Todo cidadão que suspeitar de algum caso de esporotricose deve entrar em contato com o órgão responsável de seu município junto à Vigilância Municipal de Saúde. Para as regiões que têm a esporotricose como notificação compulsória, ela deve ser realizada em até 24 horas a partir da suspeita e/ou confirmação do caso 18,22. Para isso, os órgãos de saúde dependem da colaboração tanto dos cidadãos quanto, principalmente, de clínicos veterinários para a notificação dos casos.
Considerações finais
A prevenção e o controle da esporotricose requerem esforço coordenado entre tutores de cães e de gatos, médicos-veterinários e autoridades de saúde pública. A implementação de práticas de manejo adequadas, a educação em saúde continuada da comunidade e a adesão a medidas de biossegurança são indispensáveis para reduzir a incidência da doença e manter o equilíbrio da saúde única 1,4.
A atual epidemia de esporotricose possui ampla distribuição geográfica no Brasil, com expansão territorial e apresentação de acentuado aumento da ocorrência da doença humana e animal. Conhecendo a complexidade da interação de sua tríade epidemiológica, ressalta-se a necessidade de intervenções de diferentes grupos e órgãos públicos. Todos os indivíduos possuem um papel importante na prevenção da esporotricose e podem contribuir para seu controle 3,5.
O clínico de pequenos animais desempenha papel fundamental na saúde única, sendo a linha de frente para o correto diagnóstico da esporotricose felina, a prescrição da medicação, a notificação e o acompanhamento dos casos, como também para as medidas de prevenção. Somente com a mudança de hábitos de tutores para manter seus gatos saudáveis dentro de casa poderemos controlar e prevenir a esporotricose e outras doenças importantes.
Referências
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